Refood de Faro apoia mais de 400 pessoas com refeições e cabazes

É com transparência e muita boa vontade que o núcleo de Faro da Refood trabalha todos os dias, no seu espaço na Rua Almirante António Ramalho Ortigão, para garantir a entrega de refeições e de cabazes alimentares a cerca de 400 pessoas.

São também mais de 300 voluntários, que dedicam o seu tempo a ajudar quem mais precisa. Desde que a pandemia da covid-19 se instalou, em março de 2020, houve um crescimento acentuado dos pedidos de ajuda. Se antes aquele núcleo auxiliava 114 pessoas, distribuídas por 66 famílias, na atualidade são mais de quatro centenas e a verdade é que a situação pandémica não tem dado tréguas.

O conceito é fácil de entender. A Refood recolhe as refeições confecionadas nos restaurantes, as que não foram vendidas. Ou seja, os excedentes. Entrega-as depois a quem mais precisa.

A pandemia obrigou a que tivessem de aceitar também os produtos de supermercado, pois durante o confinamento a maioria da restauração funcionou em take away, registando acentuadas quebras. Ou encerrou portas. Continuam a ter confecionados, mas preparam cabazes com outros produtos. Só a nível de pão são resgatados neste núcleo entre 200 a 250 quilos diários.

“Somos uma ponte. Não inventámos nada de novo. Simplesmente estamos a aproveitar o que já existe e a entregar aos que mais precisam”, refere Carlos Reis, vice-coordenador do núcleo.

Uma das características pela qual este núcleo é conhecido e referenciado tem a ver com a transparência. Paula Matias, coordenadora, refere que a instituição não tem apoios.

“Antes realizávamos eventos para pagar água e luz. A verdade é que não quero dinheiro. Se nós precisamos de um frigorífico, nós queremos um frigorífico. Isto faz a diferença e é por isso que temos grande apoio da comunidade. Aqui ninguém ganha um ordenado”, assegura.
A Refood de Faro trabalha todos os dias e vive do auxílio dos 308 voluntários, que, na verdade, até acabam por ser poucos. Ainda mais numa altura em que há muita pobreza, incluíndo a envergonhada, a atingir pessoas que até aqui se integravam na classe média. E esta é uma realidade que poderá agravar-se nos próximos meses.

Reutilizar e reaproveitar são chave
Quando se entra no núcleo, a azáfama é grande, mas apesar de muitos voluntários, cada um tem a sua tarefa e tudo está organizado ao pormenor. Há gestores de turnos que asseguram que todos seguem o que está pré-definido.

Quando a Refood nasceu em Portugal e se desenvolveu em diversos locais do país, o conceito era ir buscar as refeições aos restaurantes e entregá-las a quem mais delas precisasse. Com a pandemia, o panorama mudou e teve de existir uma adaptação à realidade.

“O que fazemos, muito basicamente, é criar uma ligação entre realidades que existem: os excedentes alimentares que, muitas vezes, são desperdiçados e as pessoas que não conseguem ter alimentos. Antes trabalhávamos em exclusivo com os restaurantes. Sempre foi o nosso foco e dávamos uma refeição por dia a cada pessoa. Com a questão da covid e do confinamento, os restaurantes fecharam e tivemos de nos adaptar”, explica o vice-coordenador.

“Veio a pandemia e, de um momento para o outro, e foi mesmo assim, tudo fechou. Então ficámos com 114 pessoas e sem comida. Nem tínhamos sequer bens alimentares, porque recolhíamos as refeições já cozinhadas. Fizemos um apelo para que as pessoas ajudassem com bens alimentares não perecíveis, pedimos apoio ao Motoclube, tentamos arranjar mais frigoríficos”, recorda Paula Matias. Ainda hoje, há episódios que destaca e que a marcaram quando andou a distribuir porta a porta os bens.

“Deparei-me com uma realidade que me chocou imenso. A da real necessidade. Tive uma criança que delirou com uma caixa de cereais, porque tinha bonecos. Parecia que estava a entregar um brinquedo!”, compara.

Durante os primeiros três meses, era a Refood Faro que ia entregar os cabazes a casa com o Banco Alimentar e com a Câmara, de 15 em 15 dias, para limitar contactos. “Sabíamos muito pouco sobre o corona e decidimos que o melhor era evitar que se juntassem pessoas na Refood. Tínhamos uma equipa muito pequenina e não estávamos todos ao mesmo tempo no espaço. Mas a situação começou a tornar-se insustentável, porque na primeira vez demorei cinco horas a fazer a distribuição. Na última vez, ao fim de dois meses, com o aumento dos beneficiários, não conseguimos acabar tudo num dia e levámos três carrinhas, uma das quais do Motoclube”, descreve Carlos Reis para atestar o elevado crescimento dos pedidos de auxílio que foram chegando.

Em outubro de 2020 tinham 370 cidadãos a receber apoio e apesar do aumento ter abrandado nos meses de janeiro e fevereiro de 2021 ainda houve um crescimento.

“O nosso medo é outubro, novembro, dezembro deste ano. Nós conhecemos de perto a sazonalidade”, lamenta. E se, por um lado, estes meses de época baixa sempre podem atenuar o número de pessoas apoiadas, porque regressaram ao trabalho na hotelaria e setores ligados ao turismo, por outro também leva à diminuição dos voluntários. “Temos muitos estudantes que regressam a casa nesta altura”, resume ainda Carlos Reis.

Dos produtos aos cozinhados
Apesar de alguns obstáculos, o vice-coordenador enaltece que a sociedade tem estado atenta à situação atual e tem tentado envolver-se mais. “Continuamos a ter refeições confecionadas, porque os cabazes alimentares apenas, para algumas pessoas, não servem. É que algumas não têm luz, água ou até casa e, por isso, necessitam mesmo da refeição já preparada”, explica.

Por sua vez, a Refood tem recebido também ajuda de supermercados de grandes dimensões na área de Faro e arredores e tem conseguido que sejam escoados legumes, frutas e alguns frescos. Com o encerramento dos restaurantes, a instituição pegou nesses bens alimentares e confecionou as refeições com os produtos que recolheu. “Os escuteiros, o grupo de Montenegro, por exemplo, à quarta feira faz 120 ou 130 doses de comida. Faziam sempre com os produtos que tinham, mas desde meados de maio que passam no núcleo primeiro para levar os excedentes alimentares. Cozinham-nos e depois vêm entregar-nos”, conta Carlos Reis.

Pedidos de ajuda
É um facto, segundo Paula Matias, coordenadora do núcleo da Refood, que há pobreza envergonhada e há, cada vez mais, pessoas da classe média, que até à data tinham a vida estabilizada ou uma família estruturada, a ter de recorrer a esta ajuda. “Tenho cá uma professora, um arquiteto, uma assistente social, um informático, pessoal do turismo e lojistas. Há também, por exemplo, uma rapariga que trabalhava no aeroporto e ganhava cerca de 1300 euros. Tem dois filhos. De um momento para o outro já teve de deixar a sua casa e ir morar com os pais. Esta é a nova realidade”, enumera.

E os pedidos de auxílio podem chegar das mais diversas formas. Além dos que chegam após serem referenciados pela Ação Social da Câmara Municipal há os que batem à porta através das redes sociais, de um contacto direto com a instituição ou até através de algum voluntário que sinaliza um caso que conhece.

“Neste momento, os que chegam, mesmo que venham diretamente até nós, o que fazemos é enviar o Número de Identificação Fiscal para a Ação Social. Era algo que não era feito, pois antes da covid não havia este cruzamento de dados. Descobrimos situações de pessoas que estavam a receber em quatro instituições ao mesmo tempo”, asseguram os responsáveis, que dizem agora que o processo é mais transparente e mais justo.

Certo é que com uma base de utentes referenciados que já ronda as quatro centenas, a associação “não pode dar-se ao luxo de dizer que num determinado dia não tem nada para dar”, considera Carlos Reis. “Pode haver um dia em que há mais ou outro em que há menos, mas temos sempre que ter algo”, reforça.

Uma gestão transparente
Quando se conversa com Paula Matias não é possível ficar indiferente à forma como lidera e coordena a instituição. Em jeito de brincadeira afirma que é com muito “boa vontade” e com ‘WhatsApp’ que consegue gerir toda a atividade.

“Tenho 80 grupos no ‘WhatsApp’”, afirma enquanto mostra o seu telemóvel, e “temos sempre gestores de turnos que reportam tudo o que acontece durante o período em que estão na Refood”. Refere que é sempre bom ter ideias e liderança, mas se não houver pessoas com vontade de trabalhar é complicado seguir com a instituição para a frente. E Paula Matias, apesar de empresária em nome individual, foi para à Refood quase por acaso, pela mão de uma amiga.

“Já cozinhei em São Pedro para os sem abrigo. Fazíamos um ‘panelão’ de comida e íamos distribuir pela cidade e sempre tive este ‘bichinho’ de contribuir. Quando tomei contacto com a Refood, esta conquistou-me pelo conceito e pela simplicidade”, confidencia. “Conhecemos cada nome, cada rosto, cada história e, quando olhamos para a nossa vida, pensamos que felizarda ou um dia podemos ser nós”, resume.

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