Ricardo Camacho: “Isto só lá vai com o Algarve”
O candidato da Lista C às eleições do Conselho Diretivo Regional Ordem dos Arquitetos, que terão lugar entre 17 e 26 de junho, fala da profissão e refere que a mobilidade social dos arquitetos no Algarve é a prioridade da candidatura.
Até que ponto a pandemia da COVID-19 está a condicionar a profissão e a criação de novos projetos?
Neste momento o maior obstáculo à prática é a incerteza quanto ao futuro. A insegurança entre agentes do sector do Turismo tem o sido motivo maior para o abrandamento de novos projetos. No entanto, há temas fundamentais que aguardam uma resposta cada vez mais urgente, como o foco na ação climática ou direito à habitação que irão certamente mobilizar novos projetos. O último é um tema pelo qual os arquitetos portugueses se uniram desde o primeiro congresso de 1948 e que atingiu maior dimensão política e social com as operações SAAL no pós-25 de Abril. O impacto das ações de muitos arquitetos a sul, em bairros como o Casal das Figueiras, em Setúbal, sob coordenação do Arq. Gonçalo Byrne, ou o celebrado bairro da Meia-Praia continuam a inspirar e mobilizar gerações de jovens arquitetos. Durante o último Governo, a arquiteta Helena Roseta, foi a principal responsável política pela agenda do direito à habitação na Assembleia da República que culminou com a aprovação da lei de bases. Recentemente, a ex-presidente da OA foi uma das consignatárias, num grupo com muitos arquitetos, da “Carta Aberta da Rede (H)abitação” publicada no jornal o Público (23.03.2020), que reivindicava respostas ao impacto da pandemia, acabando por determinar o regime excecional agora criado para as situações de mora no pagamento das rendas devidas. É no âmbito da lei de bases da habitação que o IHRU tem estabelecido acordos com diferentes municípios do Algarve. Na maioria são programas de apoio à reabilitação para arrendamento e nova construção que podem a curto prazo, com o aumento de investimento público, criar alternativas de trabalho, no domínio da habitação pública e regeneração urbana, para os muitos dos nossos colegas.
O aumento da precariedade da profissão na região pode ser uma consequência da atual situação?
Tal como aconteceu em outras crises, muitos profissionais, não só os arquitetos, poderão agora ser afetados pelo desemprego, redução de horários e/ou de honorários, quebra de produção, etc. Contudo apesar de ver muitos jovens arquitetos a regressar ao Algarve com projetos de vida combinando a prática da arquitetura com outras atividades, a precariedade nesta profissão tem sido uma constante, dado que muitos profissionais trabalham por conta própria ou para outrem sem contrato de trabalho e a recibos verdes, ficando excluídos de apoios sociais e/ou direitos em caso de cessação de vínculo. Os arquitetos valorizam em geral a ideia do trabalho em equipa, colaborações em e com diferentes empresas e gabinetes, em diferentes locais do país e no estrangeiro, privilegiando a flexibilidade do emprego na ausência de vínculo laboral. Esta cultura de flexibilidade e mobilidade poderá estar agora de alguma forma afetada, não permitindo viajar e instalar-se num novo lugar. No entanto, esta condição permitiu uma maior resiliência e adaptação ao trabalho remoto e em rede, entre arquitetos e outros projetistas, o que na realidade é já uma característica da nossa prática. A digitalização dos processos criativos, desde há muito, e os procedimentos oficiais de licenciamento mais recentemente, são características que poderão potenciar maior resiliência na prática da profissão.
Neste momento o maior obstáculo à prática é a incerteza quanto ao futuro. A insegurança entre agentes do sector do Turismo tem o sido motivo maior para o abrandamento de novos projetos. No entanto, há temas fundamentais que aguardam uma resposta cada vez mais urgente.
Que impacto económico poderá existir caso o setor fique congelado por mais tempo?
Como referi acima, existem nesta crise vários fatores que poderão gerar impacto positivo na prática da arquitetura e uma oportunidade para os sectores da construção e do turismo. O novo quadro comunitário de fundos disponíveis no período 2021-2027 deverá acontecer dentro de um âmbito ainda muito afetado pela pandemia, o que poderá motivar Governo e autarquias a apostar em medidas de mitigação da ação climática de modo a reduzir o desemprego. Os arquitetos serão fundamentais nesta economia circular e na adaptação destes sectores a futuras restrições impostas pela UE.
Que papel pode desempenhar o futuro Conselho Diretivo Regional da Ordem dos Arquitetos do Algarve nesta situação e noutras que possam vir a surgir?
Para além de uma anunciada descentralização, dependente de dotação orçamental e de uma Comissão Instaladora a nomear pelos Órgãos Nacionais da OA, esta é a oportunidade para aproximar a OA dos arquitetos, e estes do território na defesa de um interesse comum, a preservação de valores humanos, patrimoniais e naturais do Algarve. Neste âmbito, e antes de poder e saber responder a situações como esta ou em outras catástrofes, a OA tem obrigação de promover entre todos os arquitetos um melhor compreensão e conhecimento das ecologias da região. Temas particulares ao Algarve como o Turismo costeiro, gestão e planeamento sectorial da agricultura, florestas e mar, redução das emissões do efeito de estufa, o espaço transfronteiriço e a internacionalização, só poderão ser equacionados de forma criativa. Para alem de caracterizar, criticar e comentar os arquitetos devem propor e programar. Acreditamos que a natureza única desta crise pode oferecer o tempo e contexto para criar estas oportunidades. É neste âmbito de aproximação ás especificidades regionais que esta candidatura se divide em dois programas de ação, o de âmbito nacional e o regional. O programa nacional, representado por personalidades como os arquitetos Gonçalo Byrne, Guilherme Machado Vaz, Ricardo Bak Gordon e Paula Santos, é sensível à convocatória da maioria dos arquitetos: a necessidade de agilizar e harmonizar os processos de contratação pública, licenciamento e pós-licenciamento que há muito colocam os arquitetos na administração pública e os colegas no sector privado de costas voltadas; e a remuneração do arquiteto enquanto prestador de serviços ou trabalhador por conta de outrem.
Propomos uma OA mais próxima de todos com capacidade de receber e oferecer formação a novos e velhos membros, e aproximar-se das escolas, de encontro aos novos desafios que se impõem a sectores como o Turismo e Construção Civil.
Era imprescindível a criação do Conselho Diretivo Regional? Porquê?
A Secção Regional só poderá revelar-se imprescindível se conseguir estabelecer uma presença regular do arquiteto na discussão da vida pública, promovendo as competências individuais de arquitetos nas mais diversas áreas de intervenção. Uma presença que deve partilhar competências, problemas e soluções com outras regiões mais próximas da sua realidade como Alentejo e Madeira, ou mesmo a Andaluzia. Mais importante que a noção de regionalização no território do Algarve é a inserção num contexto regional maior capaz de valorizar e criar oportunidades de trabalho e a diversificação de currículo.
O que propõe a sua candidatura a melhorar ou a alterar?
Propomos uma OA mais próxima de todos com capacidade de receber e oferecer formação a novos e velhos membros, e aproximar-se das escolas, de encontro aos novos desafios que se impõem a sectores como o Turismo e Construção Civil. Sectores dominantes e que rapidamente serão obrigados pelo poder político e institucional a assimilar a transição climática e energética. Se o conseguirmos no Algarve podemos contribuir para uma maior capacidade de produção e competências com valor acrescido na exportação de serviços e internacionalização. O Algarve como centro de produção criativo, reduzindo a dependência da prestação de serviços na região, é uma alternativa fundamental para o futuro de todos os arquitetos que aqui desenvolvem a sua prática. A mobilidade social dos arquitetos no Algarve é a prioridade desta candidatura que se revê na capacidade regeneradora e resiliente dos profissionais da arquitetura.