Sexóloga e psicóloga Vânia Beliz: “Jovens têm acesso a mais informação, mas isso não significa que estejam bem informados”

Psicóloga clínica e com mestrado em sexologia, Vânia Beliz fez um retrato à nossa revista de como os algarvios convivem com a sexualidade. Presente no evento ‘Start Work’, promovido pela Câmara de Portimão, no âmbito do projeto ‘Control Talk’, a especialista – que desenvolveu inúmeras ações nas escolas da região e teve consultório em Vilamoura – destaca uma preocupação muito atual: a violência no namoro.

RUI PIRES SANTOS

Como podemos caracterizar a forma como os algarvios encaram o sexo?
Da experiência que tenho, até porque percorro todo o país, acho que no norte, as mulheres são mais desinibidas, enquanto no Algarve, pelo contrário são mais inibidas. Ao invés, no Algarve os homens são mais extrovertidos. Penso que a inibição das mulheres poderá dever-se ao medo que têm das pessoas vindas de fora, potenciado pela questão do turismo. Os rapazes, pelo facto de terem acesso a mulheres com culturas diferentes, acabam por ter alguma diversidade no contacto sexual, principalmente no Verão.

Os algarvios estão mais bem informados sobre a sexualidade?
Somos um país pequeno. Tirando as características normais do que é o interior e do que é o litoral, não vejo muita diferença de conhecimento dos algarvios, quando comparados com os residentes noutros pontos do país. Noto que há zonas do interior mais fechadas comparativamente ao litoral algarvio. No Algarve, as pessoas têm uma relação mais fácil com o corpo, que tem a ver com este contacto com a praia.

Pela sua experiência em consultas e contactos nas escolas, quais são as principais dúvidas dos jovens e adultos algarvios?
Os homens preocupam-se essencialmente com a questão do desempenho sexual, a sua performance e em agradar às parceiras. Depois há também as questões relacionadas com o tamanho do seu órgão sexual, que é a preocupação masculina de excelência, o tamanho, o formato e o demorar mais tempo. Algumas práticas sexuais das mulheres do norte da europa são diferentes das nossas e aí os rapazes tentam acompanhar um pouco isso. Lembro-me quando fiz ações nas escolas no Algarve que o sexo oral era uma prática muito falada pelos jovens e que eu não encontrava tão facilmente espelhada noutros locais do país., precisamente por essa influência externa. Isso tem a ver a com a troca de culturas das suas experiências sexuais.

E as dúvidas das mulheres algarvias?
Em relação às mulheres, elas têm uma grande preocupação com a contraceção, em relação à toma da pílula e à prevenção da gravidez. As mulheres preocupam-se também com a falta de desejo, já não tanto as jovens, mas as mulheres adultas. O que eu assistia aqui nas mulheres adultas, que não vejo com tanta frequência noutros sítios, quando tinha o meu consultório em Vilamoura, era a preocupação dos casais com as relações extraconjugais com os turistas. Havia muitas mulheres preocupadas com as turistas, com receio dos maridos, apesar de sabermos que relações extraconjugais há nos dois sexos.

Quem recorre mais aos serviços de sexologia?
Mais os adultos ativos, a partir dos 30 anos. Pessoas que já entraram num período de rotina. Muitas vezes pessoas que tiveram o primeiro filho, que é uma altura critica na intimidade do casal. Os jovens não vão muito a consultas porque a sexologia não é uma área muito conhecida. Nós queríamos que eles fossem ao planeamento familiar e não vão, quanto mais à consulta de sexologia. E o acesso não é muito facilitado.

As gerações jovens estão mais bem informadas?
Não sei se estão mais informados. Eles têm acesso a mais informação, agora não significa que estejam mais informados. Eu vejo questões que são muito preocupantes.

Por exemplo?
Em relação à contraceção. As raparigas ainda continuam a tomar mal a pílula, a não saber exatamente o que ela faz ou como contribui para a contraceção. Há um desconhecimento nesta altura do campeonato que eu esperava que já não existisse. Depois, há uma influência muito grande por parte da pornografia e na forma como as pessoas de relacionam com ela. Há um consumo maior da pornografia, isso tem a ver com as novas tecnologias…

Isso é preocupante?
Para mim é, no sentido que há muitos jovens com pouco conhecimento, mas com grandes expetativas e crenças irreais que vêm da pornografia.

Enquanto sexóloga, há alguma situação insólita ou uma história que possa partilhar?
Por exemplo, uma rapariga ativa que teve uma paragem no relacionamento, voltou e não imaginou que pudesse apanhar uma infeção sexualmente transmissível porque o namorado tinha no entretanto estado com outra pessoa. Um caso de uma rapariga de 16 anos que me perguntou para que servia a pílula. A maior parte das raparigas não sabe o que é o período menstrual…

Não há uma responsabilidade da família nestes casos?
A família comunica muito pouco. Em relação à educação sexual, a família tem muitas objeções e coloca muitos obstáculos, acha que deve ser feita no seio da família, no entanto todos os estudos indicam que os pais têm grande dificuldade em falar com os filhos, principalmente na puberdade e na adolescência.

Não se evoluiu muito em relação a há 20 ou 30 anos?
Tivemos um problema grave em Portugal que nos causou um retrocesso na área da educação sexual, que foi o escândalo da Casa Pia. Enquanto nos anos 80 tínhamos alguma abertura, com livros muito explícitos para jovens. Existe uma coisa que me preocupa que é um falso conservadorismo. Estes movimentos de direita que têm surgido também me preocupam porque são bastante conservadores e castram muito estas questões da sexualidade. Vejo muitos jovens nas escolas com muitos estereótipos conservadores.

Pode dar um exemplo?
Quando falo com eles sobre género e falo do caso de uma rapariga tiver mais do que um parceiro. Respondem logo que “é uma puta”. Ainda existem muitos pais que dizem: “a mim ninguém me explicou nada, portanto ele também vai descobrir”. Continua a existir mais explicação dada às meninas com receio da gravidez e da violência sexual, do que aos rapazes, que estão muito desinformados. Acresce a isso uma nova variável que não existia há uns anos que é a pressão das raparigas. Porque se antes elas não sabiam nada, hoje são bombardeadas com muita informação, com artigos que dizem que têm de ter orgasmos, o que faz com que tenham expetativas e pressionem os rapazes, o que os faz depois ter um mau desempenho sexual.

VIOLÊNCIA SEXUAL PREOCUPA

Há cada vez mais casos de violência sexual entre os jovens?
Sim, muita violência, mais do que se imagina. Temos um problema muito grave que tem a ver com a violência no namoro. Acreditamos que a violência sexual tem como base muitas questões relacionadas com género, daí apostarmos a partir da educação pré-escolar na sensibilização às crianças mais pequeninas sobre o que é ser menino, menina, o que o menino pode, o que a menina pode, o que é ser mulher, o que é ser homem. Isto é algo que tem de ser trabalhado ao longo de todos os ciclos escolares. A violência no namoro é um problema, existem dados muito recentes com indicadores preocupantes, como por exemplo uma rapariga achar que um rapaz controlar o seu telefone não é violência. Ou ele dar-lhe um estalo não é violência. E ao contrário a mesma coisa, a violência não é só sobre as mulheres.

Recorda algum caso recente de violência no namoro de que tenha conhecimento?
Há um caso, numa família muito estruturada até, em que uma mãe descobriu que o namorado da filha a proibia de sair à rua com certas roupas e não a deixava falar com as amigas na escola. Isto é uma situação gravíssima, à qual os pais devem estar alerta. Só que a vida de hoje consome tanto as pessoas, que não têm tempo para conversar e parar e quando paramos às vezes já é tarde.

Conhece situações insólitas?
Tive um caso de um jovem nas escolas, quando se falava em relações sexualmente transmissíveis, que respondeu que em relação às estrangeiras, quando chegava à praia, resolveu o problema usando um rolo de película aderente. Outro disse-me, uma vez não tinha preservativo, mas tinha feito sexo protegido, usando um saco transparente da fruta colocado no pénis. Há muitas situações destas potenciadas pelo desconhecimento e pelo desenrasco.

O elevado número de parceiros sexuais, natural hoje em dia, pode ser um problema?
Depende. Se não houver uma prevenção nomeadamente nas infeções sexualmente transmissíveis é um problema. Não acredito que o facto de ter vários parceiros sexuais possa ser um problema desde que haja proteção. Hoje já há muitas pessoas com relações abertas, desde que seja da vontade e com consentimento.

Que conselhos dá para uma sexualidade saudável?
Nós temos uma vida muito exigente hoje em dia e não é nada fácil manter uma relação estável. E vejo isso em consultas. Vejo que muitas vezes o amor não é suficiente, porque temos relações profissionais muito exigentes, a família também nos ocupa muito tempo e as mulheres que antes dedicavam muito tempo à família e à casa estão cada vez mais emancipadas, o que torna mais difícil. Ainda bem que as mulheres conquistaram isso, mas a nível relacional, homens e mulheres serem ativos profissionalmente não é fácil. O que eu convido as pessoas é pararem. Estamos no Algarve, temos a praia e tantos cantinhos e refúgios especiais e as pessoas devem, quando existem filhos, reservar tempo para estarem sozinhas, para continuarem a cativar-se, a conquistar-se. Existem hoje em dia no mercado coisas muito interessantes para quebrar a rotina: um brinquedo sexual, um preservativo novo, um óleo, uma massagem. As pessoas não devem esquecer-se de cativar.

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