Silêncio fora do tempo

Texto: Lélia Madeira | Fotos: Kátia Viola


Estávamos no final de setembro quando realizamos esta reportagem em Albufeira. O dia estava chuvoso.

Noutros anos, talvez deduzíssemos que esse seria o motivo para andarem tão poucas pessoas no centro histórico da cidade mais turística do Algarve. Em 2020, imediatamente associamos a escassez de movimento à covid-19.

Num dia cinzento e com muitas dúvidas a assolarem os comerciantes, não foi fácil recolher depoimentos e reações ao período difícil que atravessamos. Alguns empresários disseram-nos taxativamente que não queriam falar sobre o assunto, outros responderam “vocês já sabem como é que isto está, isto está péssimo” e resistiram a entrar em pormenores.

Foi à porta da ‘Óptica Graça’, onde trabalha há 34 anos, que encontrámos Lurdes Silva. Não tinha clientes para atender e notou-se que ficou um pouco desiludida quando lhe explicámos ao que íamos. Ainda assim, aceitou responder às nossas perguntas.

A reabertura da loja aconteceu no dia 6 de julho, depois de ter estado mais de três meses fechada. Lurdes diz que, desde então, têm trabalhado, “mas não se compara com os outros anos”.

Isso fica a dever-se em grande medida ao facto de Portugal Continental ter sido excluído do corredor aéreo do Reino Unido. Só entre os dias 20 de agosto e 12 de setembro é que o território nacional foi considerado um destino seguro.

“Sentimos muita falta dos turistas britânicos. Tivemos mais turistas nacionais, mas sentimos que tinham pouco poder de compra comparativamente com os britânicos”.

A lojista estima que a quebra nas vendas terá sido superior a 50%. Quanto ao futuro não tem perspetivas, preferindo dizer que “isto é um dia de cada vez, vamos ver como é que isto vai dar a volta”.

No momento em que nos despedimos, Lurdes começa a desabafar sobre as transformações a que tem assistido, ultimamente, no centro histórico de Albufeira.

“As lojas vão fechando e vamos tendo cada vez menos pessoas na baixa”, lamenta, dando como exemplo um dos restaurantes mais antigos da zona. “‘O Bailote’ não abriu, só vai abrir em 2021. Ao lado, havia uma casa de jogos e um restaurante-bar onde se concentravam as pessoas. Era uma espécie de ponto de encontro”, recorda.

Mais um desafio
Natércia Esteves, proprietária da Serra&Cia., faz a sua vida profissional no centro histórico de Albufeira há muito menos tempo do que Lurdes, mas também já passou por algumas adversidades. A loja abriu em 2015, precisamente no ano em que houve uma grande inundação. Passados cinco anos, é confrontada com mais um desafio.

“Está a ser mesmo muito mau. Tive uma quebra de 85 a 90% na faturação”. “A redução do número de turistas britânicos influenciou muito, porque os visitantes nacionais pouco compram nestas lojas de artesanato”. Nos meses de julho e agosto, “havia muitas pessoas nas ruas, sem dúvida alguma, mas não compravam”.

Até ao dia em que falámos com Natércia, a empresária ainda não tinha visto aprovada nenhuma das ajudas que solicitou. “O apoio da Segurança Social veio recusado, por não preencher o quadro de exigências. Fiz a reclamação em julho e, até agora, nada. Recorri à primeira fase do Fundo de Apoio Empresarial e Associativo da Câmara de Albufeira, mas foi recusado por ter o domicílio fiscal noutro concelho. Recorri novamente à segunda fase, mas ainda não obtive resposta”, acrescenta.

Natércia pensa fechar a loja só nos meses de janeiro e fevereiro, como sempre fez.

Diz que “vai continuar aberta enquanto houver pessoas. Tenho sempre aquela esperança de que hoje vai ser melhor do que ontem e às vezes vou a zeros para casa. É frustrante”.

Apesar de viver dias de desalento, a empresária não baixa os braços e está a aproveitar este período de menos trabalho para criar uma loja online, pois tem “consciência de que há cada vez mais pessoas a comprar na internet”.

Tatuadores mais tarde
Quase todos os negócios foram forçados a reinventar-se e a fazer adaptações, nos últimos tempos. No entanto, no ramo das tatuagens, “a única coisa que há de diferente são as máscaras, porque as práticas de higiene e esterilização de material são as mesmas”.

Por isso, João Vieira diz sentir-se “injustiçado” por terem sido dos últimos a poder abrir por lei. “Nem vou falar de quebras porque foram muito acentuadas. Mesmo eu estando fechado por lei, as rendas não me foram perdoadas. Estivemos a trabalhar este ‘mini Verão’ para pagar dívidas que contraímos sem querer. Agora voltamos à estaca zero, porque isto caiu tudo outra vez”. João considera que seria “diferente se não tivéssemos sido excluídos do corredor aéreo do Reino Unido. Tenho clientes estrangeiros, especialmente britânicos, que marcam as férias contando vir à minha loja fazer uma tatuagem”.

Tatuador há 25 anos, João já teve lojas em Quarteira e Faro. Há 11 anos, abriu a ‘Lucky 13’ no centro histórico de Albufeira precisamente por ser uma zona turística. Estava a preparar-se para abrir uma nova loja, no Luxemburgo, em abril, mas teve de pôr esse projeto em pausa, devido à pandemia. Agora, decidiu retomar. Vai levar a sua arte para “outro sítio, para sobreviver e manter a integridade”. “Vou passar a fazer descontos lá fora e não cá”, porque “o único apoio que tive do meu país durante este tempo foram 92,60 euros por mês da Segurança Social”, desabafa.

João não receia dizer o que espera do futuro. Antevê “um embate muito grande, especialmente no Algarve”. Na realidade, este futuro já está bem presente. “Quando estaciono o meu carro aqui na baixa e vou passando pelos restaurantes, noto muita tristeza. Há um grande silêncio!”.

Redução de funcionários
Fernando Rosa, por seu lado, diz que não vai “lá em baixo há mais de um mês”. “Até tenho pena de lá ir!”, diz. É natural que passe algum tempo sem ir ao centro histórico, visto que é gerente da pastelaria ‘Riviera’, que se situa noutra zona da cidade, mais concretamente perto da Câmara Municipal e do Tribunal.

Naquele estabelecimento, que conta já com 28 anos de existência, a pandemia não teve um impacto tão acentuado.Dada a localização, costumam ter mais clientes portugueses do que estrangeiros, “mas a ausência de turistas britânicos acabou por afetar um pouco, porque muitos vinham cá tomar o pequeno-almoço”, refere.

Antes do estado de emergência, a ‘Rivieira’ tinha 57 funcionários. Agora são 44.

Quanto à faturação, a quebra foi de 20%, mas “se tivéssemos todas as mesas disponíveis, se calhar, seria igual ao ano passado”, aponta o responsável.

Além de menos mesas disponíveis, têm também menos diversidade de produtos. “Reduzimos a oferta para facilitar o serviço da cozinha”, explica.

Fernando espera que, no Inverno, a cidade receba a visita de portugueses e de alguns estrangeiros, pelo que descarta a ideia de fechar nesses meses. Nunca o fazem e só tomarão essa decisão, “se houver realmente uma grande quebra e que não compense mesmo abrir”, concluindo que “se, algum dia, a ‘Rivieira’ tiver que fechar, todos à nossa volta fecham”.

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