Tapeçarias de Vanessa Barragão percorrem o mundo

Textos: Rafael Duarte


O fundo do mar pode transmitir as mais diversas sensações e Vanessa Barragão não esconde um certo medo, mas a verdade é que foi isso que acabou por retratar nas suas obras.

“Inicialmente não tinha uma inspiração base, mas ao fim de algum tempo reparei que estava a retratar os corais. Fiquei surpreendida porque tenho fobia do fundo do mar e sem querer meti-o nos meus trabalhos. É engraçado como a cabeça vai buscar as coisas”, recorda-nos entre sorrisos a artista têxtil, que pretende aproveitar isso para transmitir uma mensagem em cada obra.

“O fundo do mar é algo que nem todas as pessoas viram e quando têm essa oportunidade reparam que os corais estão brancos, mas isso acontece porque eles estão a morrer e perdem a cor. Por isso procuro passar o quão bonitos são na verdade e tento alertar para a poluição e o cuidado que devemos ter com o oceano”, explica.

Nasceu em Albufeira e cresceu perto do mar. O que lá encontra dá-lhe um misto de sensações que vão do respeito ao fascínio. Hoje essa inspiração nota-se em cada detalhe dos seus trabalhos.

As mãos seguem o ritmo das ondas e as tapeçarias dão vida aos corais. Uma mensagem que tem corrido o mundo com exposições em vários pontos do globo. Vanessa Barragão já é reconhecida dentro e fora de Portugal e quer continuar a explorar a sua arte.

Os primeiros ensinamentos
Vanessa cresceu num ambiente familiar ligado aos trabalhos manuais e, desde cedo, assumiu-se como mais uma ajuda. Já em criança juntava-se às avós dias a fio, com quem obteve os primeiros ensinamentos do croché.

“As minhas avós sempre fizeram peças de tricô. A minha mãe gosta de pintar, o meu pai e o meu avô fazem trabalhos em madeira e pedra no tempo livre. Tudo isto ajudou-me a perceber que gosto destas coisas”. Por isso, foi fácil para a algarvia perceber que o caminho a seguir seria ligado às artes.

Em 2010, decidiu ir para Lisboa estudar design de moda e deixou o Algarve rumo ao início de uma carreira. “Durante o curso percebi que não me identificava com a forma como as coisas eram feitas. A moda é tão descartável e é difícil crescer nesse mundo”, recorda Vanessa, que assim reencontrou a parte têxtil.

“Comecei por fazer um estudo sobre a fibra da lã: desde que sai da ovelha até chegar ao fio. Como no Algarve só utilizamos o leite e a carne das ovelhas usei a lã que ia ser desperdiçada e fiz as minhas peças de raiz”. Mas surgiu um novo obstáculo.

“Esses fios que criei não podiam ser utilizados em roupas, porque não podiam ir para a máquina de lavar senão desmanchavam-se todos. Como tinham que passar por um processo químico, mudei de ideias porque não queria isso”. E assim surgiram as tapeçarias para a parede.

Regressou a casa e ficou seis meses em Albufeira a fazer tapeçarias. Percebeu que podia fazer negócio com a sua arte, mas queria acelerar o processo e, por isso, procurou formas de fazer esta técnica mais rápido. Foi assim que foi parar ao Porto, onde descobriu a técnica de tufado manual, que consiste em utilizar uma ferramenta mecanizada, intitulada pistola manual, para disparar fios de lã através de um apoio de tela.

“Trabalhei numa fábrica onde percebi que havia muitos desperdícios. Então em vez de usar só a lã natural da ovelha e fazer o processo todo, que me demorava imenso tempo, também comecei a usar desperdícios da indústria”, conta.

Abriu o seu próprio atelier, mas ao fim de quatro anos voltou para ao ponto de partida, porque sentiu que precisava de um espaço maior. “Voltei em janeiro de 2020 e, nessa altura, começou a pandemia. Foi a melhor coisa que fiz porque lá em cima seria difícil arranjar um novo espaço”.

A equipa
Com a necessidade de expandir o negócio e dar uma resposta mais rápida ao número elevado de clientes, Vanessa regressou a Albufeira onde, para além de ter um novo espaço, também passou a contar com uma vasta equipa. Foi com a família que tudo começou e agora são eles que dão uma ajuda à artista têxtil.

“Achei interessante incluir a minha família no meu projeto. Como é um trabalho que demora imenso tempo reparei que as minhas avós podiam ir fazendo em casa os crochezinhos. A verdade é que esta parte social ligada ao trabalho manual fê-las ficarem mais contentes e ativas, porque estavam sempre em casa a ver televisão. Lembro-me que a minha avó materna quando vivia em Lisboa já dizia às amigas para irem lá a casa para ficarem todas juntas a fazerem o croché”, recorda com o sorriso de orelha a orelha.

“Estão a socializar, a fazer algo que é útil e super motivadas a querer trabalhar. O facto de verem agora que é possível viver do trabalho manual também foi uma aprendizagem para elas”, conta-nos Vanessa, que admite que a família não tinha muitas expetativas sobre esta carreira.

“Nunca acharam que isto podia ser o trabalho de alguém e ainda para mais dar trabalho a outras pessoas. Sempre viram como algo para passar o tempo e fazer nas horas vagas. Quando comecei, diziam para fazer outras coisas que isto não ia dar em nada. Acho importante seguirmos o que gostamos”.

No atelier, Vanessa já não se faz acompanhar apenas das ferramentas manuais e da cadeira que usa quando está a fazer a parte inferior das tapeçarias. Agora, além dos seus dois cães, tem a companhia de vários elementos que fazem este negócio expandir.

“Antes trabalhava sozinha, mas este é um trabalho que demora imenso tempo. Não posso estar só a usar as minhas avós. Preciso de mais pessoas que estejam aqui comigo o dia todo e me ajudem a produzir. No Algarve senti que não havia muita gente ligada às artes, mas há sempre pessoas que querem trabalhar nesta área. Há quem olhe para isto e diga que é terapêutico”.

Orientar uma equipa também traz novos desafios para quem trabalhava como lobo solitário. “Tenho que delegar bem as coisas. Preparar o trabalho, explicar o desenho e estar sempre em cima. Isso é um bocado complicado de passar aos outros. É uma aprendizagem também para mim”.

“Era mais reconhecida lá fora”
A necessidade de criar uma equipa surgiu com o aumento dos interessados na arte de Vanessa. Admite que ficou internacionalmente conhecida muito por conta da rede social Instagram, onde já chegou quase aos 380 mil seguidores. Ainda assim, confessa que não esperava ter tanto sucesso num curto espaço de tempo até porque a família sempre lhe disse que seria difícil viver das tapeçarias.

“Criei algo com uma identidade própria. Pode ter sido sorte conseguir chegar a tantas pessoas, mas dediquei-me bastante e uma coisa ajuda a outra”.

No início da carreira, o nome de Vanessa Barragão foi enunciado mais vezes com o sotaque americano porque em Portugal ainda era praticamente desconhecida. “As pessoas aqui até pensavam que eu era estrangeira”, recorda a algarvia, que também começou por vender as suas obras para o estrangeiro.

“Não vendia nada para Portugal e só depois de ir a um programa de televisão em Portugal é que as pessoas começaram a contactar-me”. O mercado americano foi o que mostrou mais interesse pelo trabalho da artista têxtil no início: “Nos Estados Unidos apreciam mesmo este tipo de trabalhos. Aconteceu começar lá porque o interesse veio sempre de lá. Curiosamente a minha primeira cliente até foi portuguesa, mas depois exportei sempre para os Estados Unidos. Só depois de ser mais conhecida lá fora e de ter algum reconhecimento é que aqui começaram a dar valor. Mas hoje já sinto esse reconhecimento”.

Algo que se reflete nas homenagens já recebidas, como de ‘Albufeira Mulher’, em 2019, ou ‘Jovem Empreendedor na Área de Personalidades’ do Prémio Mercúrio, em 2019. “Todo o reconhecimento é importante e contam para o meu crescimento”, assume.

Agora orgulha-se de ver o seu trabalho exposto em vários pontos do mundo, ainda que nem sempre consiga acompanhar as suas obras nessas viagens. “Fui a Taiwan apresentar o meu trabalho. Dá-me sempre um enorme orgulho, mesmo quando não vou lá. Porque normalmente os meus trabalhos vão em galerias”.

Seja para expor em galerias e museus ou para vender aos clientes, o calendário de 2022 de Vanessa Barragão já está bem preenchido. As encomendas para este ano já estão cheias e as exposições também seguem a um bom ritmo. As tapeçarias de Vanessa vão estar expostas de 10 de abril a 1 de maio em Veneza (Itália), de 20 a 23 de abril em Nantes (França) e no final do ano em Miami (Estados Unidos) e Shanghai (China).

Também não é necessário fazer uma viagem tão grande para ver de perto alguns trabalhos da algarvia porque nos dias 21 e 22 de maio vai estar em Lisboa no LISBON by DESIGN.

“Quero entrar mais neste ramo artístico”
O projeto está a aumentar e Vanessa quer dar resposta a todas as encomendas, mas não esconde o desejo de abrir os horizontes. “Quero entrar mais neste ramo artístico. A parte comercial é muito importante, mas quero criar peças novas e expor em galerias e museus. É o caminho que quero tomar”.

E esses novos caminhos já estão traçados: “Quero começar a abordar outros temas. Estamos a trabalhar nas raízes, a identidade que muitas vezes perdemos porque estamos fora ou temos a cabeça noutras coisas e acabamos por nos perder a nós próprios”.

E para novos desafios, também idealiza novos meios. “Queria ter um espaço ainda maior porque temos cada vez mais pessoas a trabalhar connosco e quero dar outras condições. Temos agora uma menina da Estónia e outra de Itália que estão a estagiar connosco, mas temos sempre jovens interessados em fazer o estágio aqui. O meu sonho é ter um espaço onde também possa arrumar tudo e ter uma galeria para quando as pessoas nos visitam. E claro, ter as ovelhas à volta para fazer o processo todo”.

É envolvida no seu ambiente que Vanessa Barragão se idealiza a fazer a sua arte. Uma arte que lhe dá respostas. “Uma peça de arte é como um filho. Não se impõe o que tem que ser. Temos que deixar ir e serem o que têm que ser. Dar liberdade criativa durante o processo criativo. Porque a arte é algo do nosso subconsciente e eu vou obter respostas na arte”.

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