Valdemar Coutinho é referência no ensino portimonense

Texto e Fotos: José Garrancho, in Portimão Jornal


Apesar de ter nascido em Gondomar, Valdemar Coutinho, tornou-se um grande ‘portimonense’, com diploma de cidadão de mérito. Licenciado em história pela Universidade Clássica de Lisboa e mestre em história dos descobrimentos e da expansão portuguesa pela Universidade Nova de Lisboa, lecionou na Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes e, depois de se aposentar, ensinou história da arquitetura, no Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (ISMAT). Na atualidade, ainda dá aulas nas duas universidades seniores locais. Com 87 anos e reformado há 24, continua ativo e afirma ter feito as melhores coisas depois da reforma. “Uma delas foram os projetos europeus ligados ao património. Tinha tempo, uma certa bagagem e gosto de trabalhar, para ir desenvolvendo os neurónios”.

Como é que se envolveu nesses projetos europeus?
Uma colega minha, espanhola, que me conhecia dos encontros internacionais de história, veio uma vez ter comigo e perguntou-me se não arranjava um pasteleiro português para um projeto europeu sobre património. E deu-me a razão: quanto mais países estivessem envolvidos, mais fácil seria a sua aprovação em Bruxelas. Mas essa colega espanhola, perita em projetos, foi-me logo avisando para ter cuidado com as Câmaras do Algarve, “porque começam os projetos e não os acabam, o que é uma chatice”.

Mas conseguiu concretizá-los?
Consegui, com a minha ‘pachorra’, com a minha resiliência e graças também às autarquias que colaboraram, a de Portimão e a de Lagoa. Tive mais do que um projeto e o tesoureiro da Câmara de Lagoa dizia-me: “Os homens da cultura vêm aqui pedir-me dinheiro e o senhor vem trazer”. Foi uma atividade rica, diferente e bem boa para um reformado.

Como professor, qual era a sua área de ensino?
História. Mas, curiosamente, iniciei-me em Portimão como professor de inglês. Já tinha ministrado ensino em escolas particulares. Quando cheguei aqui, dirigi-me à Escola Industrial e Comercial. Eu vinha de Inglaterra e a doutora Maria de Lurdes Henriques, diretora do estabelecimento, disse-me: “Só se for para inglês”. Aceitei. Nessa época, não se falava inglês no Algarve como hoje. Os ingleses apanharam-me e comecei a dar lições particulares de português e a resolver-lhes alguns assuntos oficiais, fazer umas traduções, etc. Por isso, o primeiro dos vários livros que escrevi foi ‘The Portuguese Verbs’, porque ministrava lições de português aos ingleses, mas, quando chegavam aos verbos, era um problema. No entanto, como a minha formação era história, depois do 25 de Abril, fiz estágio e comecei a lecionar, tendo feito a minha carreira docente na Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes [que substituiu a Escola Industrial e Comercial]. Contudo, porque estudara num seminário, comecei a ser procurado pelos pais de alunos do antigo sétimo ano, para lhes dar explicações de filosofia. Como os resultados não eram maus, o número foi aumentando. Até que chegou uma altura em que disse: “acabou”.

Como vê o desaparecimento das Escolas Industriais e Comerciais, com o 25 de Abril, colocando todos os alunos no ensino secundário?
Presentemente, depois destes anos fora da estrutura, vejo-o como um problema muito grave. Muitos alunos não têm apetência, nem têm disponibilidade, física ou monetária, e tinham ali as profissões pelas quais iam enveredando. Muitos alunos do ensino técnico foram muito mais bem-sucedidos em adultos do que muitos engenheiros. Subiram lentamente nas carreiras, foram obtendo conhecimentos, criaram as suas empresas. As pessoas foram iludidas. Ouviram dizer que o ensino liceal era uma coisa boa e, quando começa a separação entre o ciclo preparatório e o ensino secundário, segundo me disseram, no liceu de Portimão, uma matrícula era feita num lado do balcão e a outra no lado oposto. E as pessoas, querendo valorizar-se, iam matricular os filhos no ciclo preparatório, mas diziam: “Eu quero a minha filha no liceu”. Dou-lhe o exemplo da Suíça, onde tenho os meus netos. Lá, não são os pais que escolhem se o menino vai para a via de ensino ou para a via profissional. É a escola quem os encaminha.

Havia muita falta de professores, no Algarve, nesse tempo?
Havia, sim. De tal modo que, sendo 22 horas o horário completo de um professor, foram-me logo atribuídas 32. Mais tarde, reduzi, porque comecei a dar aulas no Colégio do Mariano, o que podia fazer legalmente, pois era professor oficial do ensino técnico e não do liceal. Logo, podia dar lições privadas a alunos que se candidatariam ao ensino liceal. E aí alargou-se o meu âmbito de professor e comecei a ser mais conhecido em Portimão, ensinando português e história.

Foi essa a razão que o trouxe para Portimão?
Vim, por duas razões. Por saber que havia facilidade de arranjar trabalho como professor e para conhecer o Algarve, que se tornara famoso e apetecível. A minha ideia era ficar cá dois anos e, depois, voltar ao norte. Mas acabei por ficar, vim a apaixonar-me por uma algarvia e nunca mais daqui saí. E adoro viver em Portimão.

Continua a manter boas relações com muitos dos seus antigos alunos, não é verdade?
Continuo. Na minha ótica, os alunos, a partir do oitavo ano, percebiam perfeitamente quais eram os professores que estavam lá para lhes ensinar e se interessavam por eles e quais os que estavam lá para ganhar o seu dinheirinho, sem se empenharem. Por vezes, queriam professores baldas, porque era mais fácil. Mas eles também queriam aqueles que os ensinavam. Eu já tinha uma certa experiência e conseguia evitar os conflitos e chegar a bom porto. E um professor que tenha a turma pelo seu lado, pode dizer o que quiser dentro da aula, porque a turma está consigo. E, se os mais irrequietos tiverem a turma contra, o professor consegue solucionar os problemas rapidamente. Nos últimos anos na Teixeira Gomes, só dei aulas ao 12º ano. E, curiosamente, na última turma a que dei aulas, antes da reforma, na última aula vieram com uma folha A4, com um desenho e a frase ‘Good luck for your new job’, assinada por todos, porque já sabiam que eu ia para os projetos europeus. E escreveram algo mais, que foi o que mais prazer me deu na vida: “Mais do que um professor, foi um amigo”. Era uma turma boa e, como disse, eles sabem ver quando o professor se esforça por eles.


CAIXAS

Reconhecimento

O professor Valdemar Coutinho é um investigador e escritor com obra de vulto publicada e um grande promotor do concelho de Portimão entre os seus colegas historiadores europeus. Um dos seus livros, sobre a Ilha da Culatra, foi um dos argumentos contra a destruição das casas dos pescadores.

Igualdade será miragem?

“Ouve-se, na televisão e nos discursos políticos, falar na igualdade de situações perante o ensino. Mas essa igualdade não existe, na realidade. O ambiente familiar é meio caminho andado para se progredir. Não pode haver igualdade”, diz ao Portimão Jornal com convicção, o professor.

Obras da sua autoria

⇨ The Portuguese Verbs;
⇨ Castelos, fortalezas e torres da região do Algarve;
⇨ Expoentes históricos da ocupação islâmica no Algarve (orientação e coordenação);
⇨ O fim da presença portuguesa no Japão (livro do mestrado);
⇨ Dinâmica defensiva da costa do Algarve (coordenação e introdução);
⇨ Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes;
⇨ Lagos e o mar através dos tempos;
⇨ Culatra – uma Comunidade de Pescadores e Mariscadores;
⇨ Monografia da Igreja Matriz de Alvor;
⇨ O Conflito de Gerações através dos tempos (2022).

Curiosidade

⇨ O professor Valdemar Coutinho chama a atenção para a placa que se encontra na Fortaleza de Santa Catarina, na Praia da Rocha. “A fortaleza foi construída em 1621, quando estávamos sob o domínio de Espanha. Como pode ter sido construída para proteger Silves e Portimão dos piratas espanhóis?”, questiona.

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