Vítor Belbute leva quatro décadas a servir Portimão

Texto e foto: José Garrancho


Foi através da CUF, que o convidou a gerir o negócio no Algarve, que o bejense Vítor Belbute, hoje com 83 anos e ainda em atividade, foi transferido com promoção dos escritórios, em Lisboa, onde labutava desde que terminara o serviço militar obrigatório. Quando toda a gente procurava o Algarve para trabalhar ou investir no turismo, que estava no auge, ele veio com produtos para proteger a agricultura. Fundou a Adubopor em 1987 e há quase quatro décadas que este se tornou um local de referência para os portimonenses.

Como é que aconteceu essa grande mudança na sua vida?
Naquele tempo, as faturas ainda eram feitas à mão e tinham várias cópias, de cores diferentes, destinadas aos diversos serviços e arquivos. Um dos trabalhos que me deram, em determinada altura, foi a conferência das faturas dos clientes do Algarve. Naturalmente, fui contactando com eles e, pouco a pouco, comecei a conhecer a sua atividade e até os números de telefone já sabia de cor. Em contrapartida, o responsável pelo Algarve só conhecia os clientes dos copos, dos almoços e jantares. Não visitava as suas propriedades, embora debitasse os quilómetros, como se o fizesse. Entretanto, encaminhava os clientes para uma firma intermediária, que tinha crédito connosco e que se limitava a passar-lhes as guias para irem buscar os produtos ao nosso armazém em Tavira. Quando faliu, foi um estoiro na CUF.

Foi quando o convite surgiu?
Ao longo dos anos, fui fazendo a ‘cama’. Era considerado pela chefia como um trabalhador honesto e dedicado, zelando pelos interesses da empresa. Quando cá cheguei, visitava os clientes nas suas propriedades, de Aljezur a Alcoutim. E comecei a dar crédito a alguns, que me mereciam confiança. Fui chamado ao escritório, em Lisboa para me justificar. Disse-lhes: “Os clientes são os mesmos e as empresas intermediárias apenas se servem dos nossos armazéns para faturar. E se, porventura, um destes ficar a dever 500 contos, é muito menos penalizador para a empresa do que um grande falir e ficar a dever 50 mil”. Aceitaram a minha explicação e o processo manteve-se, durante os cerca de cinco anos que trabalhei para eles.

Porque saiu?
Entretanto, a CUF mudou para Quimigal, havia muita gente a mandar, mas ninguém a comandar, que são coisas totalmente diferentes. Depois, começaram a reduzir pessoal e fui avisado de que estava na lista. Negociei a minha saída, ficando com o usufruto do armazém junto à estação de caminho de ferro de Portimão.

Foi fácil implementar a sua firma?
Havia muita concorrência que não gostava de mim, porque entrei num negócio que eles consideravam seu em exclusividade. A minha mulher estava ligada à Previdência e pediu transferência de Beja para Portimão, para me ajudar. O armazém ardeu ao início da noite de 18 de maio de 1988. Suspeito de que foi fogo posto, porque houve uma chamada telefónica para os bombeiros, no Carnaval anterior, a dizer que o armazém estava a arder. Desconfio quem foi, mas não tenho a certeza. Arderam 70 mil contos em material que não era meu, mas dos fornecedores. Entretanto, trabalhei com afinco, os fornecedores aceitaram a minha honestidade. Ficavam com metade das comissões e davam-me a outra metade para eu sobreviver e consegui pagar a dívida por completo, em cerca de quatro anos. Entretanto, houve um moço aqui do Algarve que, poucos dias após o incêndio, chegou com uma camioneta carregada de pesticidas, três caixas de um e três de outro… ajudou-me imenso, paguei-lhe o material, mas nunca conseguirei pagar-lhe o favor. Depois, aluguei o armazém da estação, onde hoje está um armazém de materiais de construção. Também aluguei as instalações da antiga fábrica da Boavista, assinando um contrato de comodato, que isenta o pagamento de renda. Mas o proprietário recebia na mesma por baixo da mesa, em notas. Arranjou uma carrinha e vinha buscar azeite e outros materiais para uma fazenda que tinha em Montemor. O abuso era tanto que já não o podia ver, por isso deixei de lhe pagar e ele fez queixa de mim. Apresentei o documento às autoridades, na qual ficava estabelecido o não pagamento de renda, e o caso ficou resolvido.

Uma história atribulada. E tudo sozinho?
Não. A minha filha, engenheira agrónoma, regressou a casa e tem sido o pilar disto, em conjunto com a mãe, e vamos aguentando. Entretanto, apareceu-me este armazém, que era da EPAC, com cerca de 1500 metros quadrados. Outra jogada suja, com os gerentes a controlar o negócio. Eu oferecia 30 mil contos e logo aparecia outro a oferecer 33 mil. Chegou aos 40 mil e eu necessitava mesmo deste armazém. Um dia, aparece-me um indivíduo de uma imobiliária e decidi acabar com o jogo deles. “Dou-lhe mil contos e você fecha o negócio comigo. Mas passo um cheque que entrego ao advogado e você só o recebe após a assinatura da escritura”. Negócio fechado.

Mas faltava o financiamento?
Outra guerra. Os bancos com quem trabalhava, e eram muitos, negaram-se todos. Só o Millennium BCP é que avançou com os 43 mil contos. Com os juros entre os 28 e os 30 por cento, imagine a dor de cabeça. Conseguimos pagar em dez anos, como contratado, sem falhar uma prestação. Foi muito duro, mas conseguimos.

Foi o momento para descansar a cabeça?
Não foi, porque, entretanto, apareceu este armazém, ao lado, que era de uns moços retornados que vendiam materiais de construção. Dava-me muito jeito e decidi adquiri-lo. Já tinha outra posição com o banco e já era aceite como um cliente correto. Emprestaram-me o dinheiro, mais cento e tal mil contos. Pagámos, pagámos, pagámos, trabalhámos e não ficámos a dever nada a ninguém. Criámos bom nome na praça e conseguimos pagar tudo. Eu não era rico, não vinha de famílias ricas e consegui tudo isto com a força do meu trabalho. Começámos em 1984, há mais de 40 anos, ainda em nome da CUF. A Adubopor foi criada em abril de 1987.

Uma vida, podemos dizer.
É verdade. Durante anos, tive o meu ordenado, mas pedi a reforma aos 60 anos, com prejuízo. Para quê? Para que esse dinheiro do meu ordenado facilitasse a empresa financeiramente. Estou reformado há 23 anos e continuo a trabalhar aqui diariamente, sem ordenado. O meu lucro será o que venha a receber se um dia vendermos isto. A minha mulher reformou-se também, mas continua a trabalhar aqui. O nosso dinheiro está aqui.

E o Algarve continua a ter agricultura que justifique o negócio, ou vocês evoluíram para outros materiais?
Adubopor significava ‘adubos de Portimão’. Mas a agricultura acabou, porque as hortas desapareceram. Agora, começaram as grandes plantações e essas firmas compram diretamente às fábricas. Os negócios dos adubos desapareceram em todo o lado. E nós começámos a expandir-nos para produtos de drogaria, coisas de turismo, arranjo de casas, criámos uma zona de animais com galinhas, pintos, pombos. Também temos peixes de aquário e rações para animais, sistemas de rega para hortas e jardins, alfaias, cubas para vinhos, acessórios para as colmeias. Vendemos pequenas alfaias agrícolas e estamos ligados aos pesticidas para a pequena agricultura. Mobílias de jardim e produtos para a praia. Tivemos de mudar a nossa atividade. Estamos a sobreviver, porque criámos um bom nome e as pessoas vêm aqui e, se não tivermos, agarramos num telefone e vamos à procura. E conseguimos, o que os outros não o fazem, porque são grandes demais para se rebaixarem. Os empregados estão lá pouco tempo e não sabem nada. O cliente vai à prateleira e leva. Falamos com eles, aconselhamos. Aqui, não gostamos de enxurradas. Preferimos que os clientes entrem a conta-gotas, para podermos atendê-los bem. Falar com eles, não os abandonar, porque eles, por vezes, nem sabem o que querem. Aconselhamos e fidelizamos o cliente.

As instalações são grandes, mas não é uma grande superfície?
As coisas estão distribuídas por zonas, mas de um modo que as pessoas gostam de ver. E há um atendimento personalizado. As pessoas trazem os filhos e os amigos, para mostrar como era antigamente, com calor humano e amizade. Há uns clientes finlandeses que, cada vez que cá vêm, trazem os amigos para ver a casa.

As compras pela internet, que estão na moda, não vos afetam?
Nem por isso. As pessoas compram pela internet a primeira vez e já não compram a segunda. Não é bem aquilo que procuram ou então vêm aqui à procura de peças, que não temos. A internet tem coisas boas, mas também tem muitos barretes. E as pessoas gostam de ver, de falar, de apalpar, de perguntar. Gostam de se sentir em casa, que é o caso aqui. Quando é um produto novo, que não conheço bem, peço aos clientes que o usem, mas depois me digam os resultados, para poder aconselhar melhor os próximos. Nós ensinamos os clientes e aprendemos com eles. Isto é uma escola. E criámos um elo de ligação que os fideliza à casa. Conhecemos os filhos, os netos, é uma coisa familiar. Somos diferentes. Por exemplo, os clientes vêm aqui comprar os pintos. Podem comprar nos mercados, mas os nossos chegam vacinados e vêm do aviário durante a noite, para não apanharem calor. E aqui são mantidos em condições.

Tem projetos para o futuro?
A minha filha está à frente do negócio, com a colaboração da mãe, e vamos fazendo as adaptações, de acordo com as tendências do mercado. Eu e a mãe, enquanto formos vivos e pudermos, estamos aqui. Depois, depende dela decidir o que fazer. Nós já pensámos vender isto, mas depois recuamos, porque é mais do que um negócio; é um filho, algo que criámos com amor e muito sacrifício.

A origem de Belbute

“O meu pai trabalhou sempre com peixe, em Beja. E sempre pensei que o nome Belbute era da zona da Vidigueira, porque os meus avós eram de lá”, conta. Quando chegou ao Algarve, consultou a lista telefónica e encontrou vários, na zona de Ferragudo. Procurou as origens e descobriu que, antigamente, o comércio era feito com barcos, junto à costa. No sul de França, fabricam uma fazenda, a bombazina, que se chamava belbutina. “Alguns desses comerciantes, chamados belbutinos, devem ter ficado aqui, junto ao Rio Arade. Por etimologia de nomes, possivelmente ficou Belbute”, deduz.

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