Vítor Rio: “Saí dos Bombeiros, mas os Bombeiros não saíram de mim”

Vítor Rio é ‘filho’ de Lagoa e foi neste concelho que trabalhou, quer na Caixa Agrícola, quer enquanto elemento da corporação dos Bombeiros Voluntários. Foram 30 anos dedicados a esta entidade, alguns dos quais, no início, conciliando com a vida profissional no banco. Passou ao Quadro de Honra em novembro, quando a instituição celebrou 46 anos, tendo sido alvo de homenagem durante a cerimónia. Partilha agora com o Lagoa Informa um pouco mais sobre o seu percurso e as suas memórias.
Tenho que lhe perguntar se quando era pequenino queria ser bombeiro?
Não. Isto foi uma situação que aconteceu já por volta dos 30. Fui para a corporação, primeiro como diretor, estive dois anos no Conselho Fiscal e, depois, convidaram-me a ser adjunto de comando. Como já lá estava, aceitei, quase como curiosidade, mas acabei por ficar viciado.
Esteve na corporação quantos anos?
Dois anos como diretor e, no total, 28 como elemento do comando, dos quais 23 como comandante. Antes fui adjunto de comando e segundo comandante.
Em tantos anos, o que mudou na profissão de Bombeiro?
Fui como voluntário, até porque tinha o meu emprego. Era funcionário da Caixa Agrícola, onde trabalhei durante 24 anos. Conjuguei as duas coisas, até que, mais tarde, a Câmara Municipal me requisitou para ficar como responsável da Proteção Civil, acumulando com o comando da corporação. Durante seis anos estive no município, nessa função e, depois, já não retornei ao banco. Passei para os Bombeiros ainda com esse cargo na autarquia e ainda cerca de três anos já como profissional na corporação e responsável pela Proteção Civil. Só depois é que saí desta função.
… estas duas áreas também se cruzam?
Sim, e acho que as duas devem estar juntas.
Já o banco e os Bombeiros nem tanto?
Não. Mas tive a facilidade dos diretores da Caixa Agrícola que sempre me dispensaram. Cheguei a passar semanas nos fogos… Nunca tive problemas e só tenho a agradecer aos colegas, que ‘seguravam as pontas’ e à direção da Caixa Agrícola, tanto de Lagoa como de Silves, que mais tarde se juntaram numa só. Sempre houve disponibilidade e sempre me deixaram à vontade para exercer estas funções. Às vezes, estava muitos dias fora do serviço.
Após tantos anos, o que o marcou na profissão?
Há muitas situações, mas foi mais a questão da camaradagem, do espírito de grupo. Não tanto agora, mas, no princípio, erámos uma família. Uma família mesmo, porque todos se apoiavam uns aos outros. A mentalidade agora já é um pouco diferente. Antigamente, o pessoal ia para os fogos e para substituir alguém era uma chatice, pois ninguém queria sair. Dizíamos: “Vão render-te para descansares”. E muitos respondiam “Aguento mais uma noite” ou “Aguento mais um dia”. Hoje, muitas vezes, estão a sair e já estão a perguntar a que horas são rendidos. Por outro lado, agora têm mais formação, são mais qualificados, incluindo com formação académica. O nível é melhor e estão mais preparados, mas perdeu-se aquele espírito voluntarioso dos ‘outros tempos’. Perdeu-se um pouco, mas também estou a dizer isto em relação há 28 anos. Veja que quando entrei na corporação tínhamos um corpo com 16 funcionários e agora são 55.
E Lagoa até é um concelho pequeno em relação a outros…
É verdade. Temos um corpo de Bombeiros maior do que a nossa dimensão. E é uma corporação forte. Os Bombeiros de Lagoa sempre funcionaram a nível do distrito, tanto que nós, no Barlavento, no Verão, constituímos uma brigada para os fogos. No Sotavento já não é assim, pois são várias corporações. Aqui, conseguimos enviar quatro carros sempre como primeira resposta do Barlavento. Somos quase, como se costuma dizer, o ‘7º Cavalaria’.
A VIDA DE REFORMADO
E como é agora a vida de reformado?
Neste momento, ainda estou de férias (risos). Ainda tenho essa sensação. A saída foi a 9 de novembro. Entrei em férias até ao final do ano e estou aposentado desde 31 de dezembro. Na altura, disse: “Eu saí dos Bombeiros, mas os Bombeiros não saíram de mim”. Ficamos sempre com aquele ‘bichinho’, embora não queira interferir no novo comando, porque não há duas pessoas iguais e cada um comanda à sua maneira. No entanto, é algo que fica. São 30 anos.
Então continua ligado à corporação?
Dou algum apoio. Tenho as amizades, tenho o presidente que, às vezes, fala comigo, tenho vários contactos que, ao longo de 30 anos, fui criando. São muitas relações de amizade, profissionais…
Qual acha que foi a marca que deixou nos Bombeiros?
Bem, o corpo de Bombeiros tem 46 anos de existência e eu fui comandante 23. Acho que deixei coisas boas, coisas menos boas… É como tudo na vida. Tentei fazer sempre o melhor, quer pelo pessoal, quer pela população.
Liderava um comando de proximidade?
Sim, sempre me dei bem com o pessoal. É lógico que trabalhar com cerca de cem pessoas, com feitios diferentes, vínculos à ‘casa’ diferentes, não é tudo perfeito. Passou muita gente por lá. Tive problemas com uns, com outros não. Sei que fiz coisas boas e menos boas, mas tentei sempre ser o mais correto, o mais justo. Não quer dizer que não tenha tido falhas.
É uma estrutura muito grande…
Sim, e qualquer equipamento custa muito dinheiro. Nunca se pode decidir pensando só naquela ideia de que temos que ter aquele material. Temos que pesar. Precisamos do material, mas depois pode faltar para os vencimentos ao fim dos mês… Tive sempre esse cuidado de tentar equilibrar.
Ter sido bancário ajudou na gestão das contas?
Também. Tem de haver sempre a vertente financeira, porque os equipamentos são muito caros. E estamos a falar de um universo de mais de 50 profissionais e cerca de 50 não profissionais.
Quanto custa por exemplo um carro dos bombeiros?
Entre 150 a 200 mil euros.
Quem está no exterior não tem noção destes valores?
Não. Olhe, um capacete para um fogo urbano custa 700 euros. Um capacete! O fato custa mil euros. Um equipamento completo para combate a fogo urbano custa dois mil euros. Se vão cinco estamos a falar de dez mil euros. E o pessoal tem de ter e sentir segurança. Não pode ir sem esse equipamento. Só que, ao mesmo tempo, também têm de pôr comida na mesa. Era por isso que dizia há pouco, não podem faltar os vencimentos e tem de haver esse equilíbrio. Às vezes, não temos possibilidade de dar tudo o que eles merecem, porque depois falha ou não dá para todos. Tentei sempre fazer esse equilíbrio e, até à data, nunca houve atraso de pagamento de vencimentos. Chegava o fim do mês e todos receberam sempre o vencimento. Lá está, sempre tive também algum cuidado para ‘não esticar o pé para fora do lençol’. Ainda assim, Lagoa está bem abastecido a nível de equipamentos.
Vai ter saudades?
Ainda estou a pensar que estou de férias (risos). Foi uma grande parte da minha vida em que conjugava o emprego no banco e os Bombeiros. Durante o dia trabalhava no banco e à noite ia para os Bombeiros. Fora aquelas ‘fugidinhas’, porque ia sempre tomar café aos Bombeiros às 7h45, entrava no banco às 8h30, e quando saía do banco ia para lá. Quem perdeu com isto foi a família. Mas sim, vou ter saudades….
Tem de arranjar um passatempo. Pode ser a política?
Não. Já estive muitos anos ligado à política, sobretudo através da Junta de Freguesia. Foi um capítulo que encerrei e acho que já dei a minha parte à sociedade. Continuo a ser militante, nunca deixei de ter o meu partido, de defender os meus ideais, às vezes opino, mas foi algo que já passou e que não vai voltar.
“População reconhece valor dos Bombeiros”
Quais são as principais dificuldades que os Bombeiros enfrentam?
Hoje, ser voluntário… Já há poucas entidades patronais que possam dispensar o pessoal para fazer isto. Na atualidade é muito difícil ser voluntário num corpo de Bombeiros. Já se trabalha mais com profissionais.
As corporações investem mais nesta profissionalização?
Neste momento, sim, mas principalmente no Algarve… No resto do país não é bem assim. Aqui, na região, é assente em profissionais que acumulam o voluntário. Todos fazem mais 10 ou 12 horas por semana de serviço voluntário, para além do horário normal.
O que distingue os Bombeiros de Lagoa?
Temos coisas melhores e outras menos boas. Cada caso é um caso. A nível de resposta temos tudo. Lagoa tem equipas de salvamento em grande ângulo, de mergulho, bem como três Equipas de Intervenção Permanente (EPI), e socorristas de grande nível. O corpo de Bombeiros é maior do que o concelho e se pensássemos só no concelho, estávamos muito bem, mas estamos inseridos num todo. Sempre foi assim, mas, o comandante Vaz Pinto incutiu isso com mais veemência desde que veio para o Algarve. Deu mais força. Nós trabalhamos num todo no Algarve e o corpo de Bombeiros de Lagoa tem peso nesse aspeto.
Mas há também os outros serviços?
Sim, o serviço de transporte de doentes, de emergência, de fogos. Temos sempre limitações como todos os outros. Só nós, dentro de casa, às vezes, é que sabemos.
Considera que é uma profissão reconhecida pela sociedade?
Pela sociedade é, pelo Estado, pelas entidades que deviam dar algum apoio, algum reconhecimento, não. Lembram-se de nós, normalmente no Verão e quando há os grandes incêndios ou quando há as grandes desgraças. Nessa altura, os bombeiros são os maiores. Há promessas, há tudo. Atenção, isto pelas entidades oficiais. A população reconhece-nos e já houve episódios em que assisti a esse reconhecimento.
O Estado podia fazer mais?
As entidades oficiais geralmente fazem uns grandes elogios, dão muitas ‘palmadinhas’ nas costas, mas ficam-se por aí. Se não fosse aqui o município de Lagoa, que nos ajuda muito… Tanto o Francisco Martins, como agora o Luís Encarnação. Quem suporta isto aqui é o poder local e, felizmente, verdade seja dita, temos um município que nos apoia. Nem todos têm. No Algarve até há apoio das autarquias, mas em certos locais do país há situações muito complicadas.