A estratégia dos bombeiros de Portimão para vencer os incêndios
Texto e fotos: Jorge Eusébio
Há alguns anos que a estratégia se repete em Portimão, por esta altura: os bombeiros não ficam no quartel à espera que deflagrem os incêndios florestais. Para ganhar minutos que podem revelar-se preciosos, alguns dos seus operacionais ficam pré-posicionados em ‘postos avançados’.
Uma equipa, que é composta por cinco elementos e um veículo, mantém-se, desde o mês de maio, durante o dia, na antiga escola primária da Senhora do Verde, que se situa na parte do concelho de maior risco, e à noite desloca-se para o Autódromo do Algarve.
Desta forma, diz o comandante da corporação, Richard Marques, “reduzimos em cerca de dez minutos a chegada do primeiro meio de combate a qualquer fogo que ocorra naquela zona ou nos concelhos limítrofes”.
Para além disso, e em função do estado de alerta existente em cada dia, são pré-colocadas entre uma a três máquinas de apoio e respetivos condutores em zonas como o Porto de Lagos ou Rasmalho.
Ações de prevenção ao longo de todo o ano
Mas não é só nesta altura que os Bombeiros de Portimão pensam em incêndios florestais. A corporação tem uma equipa especializada que se dedica a esta temática ao longo de todo o ano, a qual, garante este responsável, tem sido muito útil no apoio e acompanhamento de queimas e queimadas, precavendo qualquer descuido que possa ocorrer.
Esse trabalho é muito importante pois “a grande maioria dos fogos deve-se a situações de negligência, relacionadas exatamente com queimas ou queimadas e com o uso indevido de maquinaria agrícola”.
Para além dessas há, também, algumas situações que têm origem criminosa e recentemente registaram-se três ignições suspeitas no concelho, que estão a ser investigadas pelas autoridades.
Quando, apesar de todo este trabalho de prevenção, os fogos surgem e é preciso combatê-los muitas vezes Richard Marques é chamado a comandar todo o dispositivo, não só em Portimão como noutras zonas do Algarve e do país.
Fatores que mais complicam o combate às chamas
Nessas alturas, uma das suas grandes preocupações tem a ver com a situação meteorológica, “nomeadamente, o vento, que é o fator que influencia de forma mais incisiva a evolução dos fogos”.
Outro elemento muito relevante é a orologia do terreno, sobretudo os declives acentuados e vales ‘encaixados’ que impedem ou dificultam a chegada dos ‘soldados da paz’ às zonas onde o fogo lavra, o que torna muito difícil o combate. Um terceiro elemento fundamental é o material combustível existente, ou seja árvores, vegetação e pasto que funcionem como autêntica auto-estrada para a deslocação rápida das chamas.
Quando os fogos ficam dominados e as chamas são apagadas é colocada no terreno a Brigada de Operações de Rescaldo, composta por duas equipas, uma de bombeiros e outra de sapadores florestais apoiadas por máquinas de rasto. Trata-se de um grupo “criado no ano passado e único no país, que desenvolve um trabalho muito importante, pois assegura a consolidação da extinção para evitar reacendimentos”.
Este ano, com o tempo seco que se tem feito sentir, Richard Marques considera que há condições para que surjam incêndios e que alguns deles “possam desenvolver-se de forma abrupta e adversa para quem tem a missão de os combater”, pelo que deve haver o máximo de cuidado, atenção e prevenção para que não tenhamos um Verão muito ‘quente’ no que diz respeito a incêndios.
O desafio da covid-19
A covid-19 fez com que a corporação portimonense tivesse de se organizar de uma forma diferente daquela que era habitual.
Foram criados três grupos operacionais, cada um deles constituído sempre pelos mesmos elementos. Enquanto um desses grupos está no quartel há um segundo pronto para substitui-lo caso surja algum problema e um terceiro em descanso.
Richard Marques diz que “desta forma temos a garantia de que, se aparecer um caso positivo de covid-19, ele fica limitado a um único grupo”. Os elementos que dele fazem parte entram em situação de isolamento, são sujeitos a uma bateria de testes e substituídos pelo grupo ‘suplente’, “não colocando em causa a nossa resposta externa”.
Ao longo destes meses, uma parte muito relevante do trabalho dos bombeiros e da proteção civil teve a ver com ações de sensibilização sobre a pandemia, em parceria com a Unidade de Saúde Pública, nas creches, jardins de infância, junto de migrantes e da comunidade cigana, forças de segurança, agentes de prevenção, monitores de férias e outras camadas da população.
Medidas começaram a ser pensadas em fevereiro
Um dos grupos de maior risco é o dos idosos e, por essa razão, têm sido monitorizados todos os lares do concelho, legais ou não, definidas regras e planos de prevenção e realizados testes.
Nesse âmbito foi feita uma parceria com a Pousada da Juventude que disponibilizou as suas instalações, onde poderiam ficar, de forma isolada, 120 pessoas, o que seria suficiente para acolher os idosos de qualquer lar onde surgisse um foco.
No Portimão Arena foi também preparado, no período mais crítico, um hospital de campanha com capacidade para uma centena de camas, o qual foi, entretanto, acondicionado e que pode voltar muito rapidamente a ser montando para responder a qualquer situação de emergência.
Entre diversas outras respostas e iniciativas há, ainda, a destacar a montagem de quatro Zonas de Apoio à População, nas três freguesias do concelho, com um total de 423 camas.
Todo este processo, diz o comandante, “começou a ser pensado e planeado em fevereiro, muito antes da covid-19 ser reconhecida como uma situação de emergência de saúde pública porque percebemos que isto podia correr menos bem e porque a nossa forma de estar é esta: trabalhar em antecipação”.
Especialistas podem entrar em ação em qualquer momento
O corpo de Bombeiros de Portimão é composto por um total de 134 operacionais, dos quais 52 são profissionais e os restantes voluntários, mas todos, garante Richard Marques, têm formação e capacidade para exercer da melhor forma as suas funções. Trata-se de um número de operacionais que considera ser o “adequado” para responder às necessidades que existem.
Nos últimos anos, tem-se registado um crescente peso das mulheres, que constituem, nesta altura, cerca de 31% do total dos recursos humanos.
Quanto à forma como estes elementos estão organizados, ao contrário do que acontece na maioria das corporações, diz o comandante, “não quisemos criar unidades especializadas que sejam chamadas em bloco em caso de necessidade”.
Os elementos com formação diferenciada, por exemplo, em salvamento em grande ângulo ou mergulho, “estão espalhados pelas várias unidades operacionais, o que nos garante que, a qualquer hora do dia ou da noite, a primeira linha de resposta está garantida – o que resolve mais de 90% dos casos – sem necessidade de esperar pela mobilização e deslocação de um grupo especializado”.
Compra de veículo escada de grandes dimensões é o próximo objetivo
Em termos de espaço, o quartel foi, recentemente, alvo de obras de beneficiação, o que permitiu criar mais e melhores espaços de alojamento para os bombeiros e bombeiras, o que era uma das grandes lacunas, bem como alargar a área de gestão de emergência.
Ao nível das viaturas, tem havido um reforço de meios ao longo dos últimos anos, financiado, essencialmente, pela Câmara de Portimão, e ainda este ano vai chegar um veículo tanque com características especiais, podendo ser usado quer em ações de combate a incêndios, quer no fornecimento de água às populações.
O próximo grande objetivo é a aquisição de um veículo escada, para substituir o que existe, que já tem 40 anos e um comprimento de apenas 30 metros, quando “na Praia da Rocha há prédios com 90 metros de altura”.
No entanto, este é um equipamento muito caro, terá um custo superior a um milhão de euros, pelo que só através de uma candidatura a fundos comunitários poderá haver capacidade financeira para se proceder à sua aquisição.
Dois filhos nasceram enquanto lutava contra fogos
A relação de Richard Marques com o mundo dos bombeiros iniciou-se muito cedo, logo aos 9 anos, na fanfarra dos Bombeiros de Faro e “quando se ganha este ‘bichinho’ tão cedo, ele acaba por acompanhar-nos ao longo da vida”.
Em determinada altura até exerceu funções fora deste universo, mas “depressa percebi que teria de voltar para o setor porque é, de facto, aquele de que gosto e onde me sinto bem”. Isto apesar de saber que é uma atividade que não dá descanso, pois “é impossível falar a sério em folgas ou férias, mas a disponibilidade permanente é algo que já faz parte de mim”. Muitas vezes, o dever faz com que a vida familiar se ressinta e que não esteja presente em momentos muito importantes. No seu caso, dois dos filhos nasceram em alturas em que se encontrava a combater incêndios, só os tendo verdadeiramente conhecido depois dos mesmos estarem extintos.
Com 41 anos de idade, Richard Marques está há seis à frente dos Bombeiros de Portimão, onde encontrou um grupo de trabalho de que, visivelmente, se orgulha e que “funciona em equipa, não dependendo da presença de uma única pessoa para que as respostas a qualquer situação sejam dadas da melhor forma”.
Para além dos operacionais, destaca o trabalho da Direção, que “compreende qual é a missão primária dos Bombeiros e tudo faz para que ela seja conseguida” e da Câmara de Portimão, que “confia e financia toda esta estrutura”.
Inquirido sobre se tenciona manter-se muito mais tempo neste cargo, garante que “tenho esta camisola vestida, dou o melhor de mim, estou focado e concentrado neste trabalho, mas sei que nesta área trabalhamos por missões e, no momento que me atribuírem outra, procurarei levá-la a cabo com o mesmo empenho e profissionalismo”.