A vida tem mais encanto no Clube Desportivo de Odiáxere

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Eduardo Jacinto


São cerca de 300 atletas, 14 equipas e mais de 20 técnicos – o ‘cartão de cidadão’ do Clube Desportivo de Odiáxere dá logo mostras da vitalidade de um emblema assente na cooperação da comunidade desta freguesia de Lagos, fundado há 41 anos e com pergaminhos que contribuem para a história do associativismo do concelho e até do algarvio. Sofia Santos, uma ‘mulher de armas’, é a presidente, coadjuvada pelo marido Rui, que está sempre por perto e tem a seu cargo a vertente desportiva, nomeadamente o futebol, a única modalidade que de momento é praticada no Odiáxere.


A atual direção tomou posse em 2016, mas a presidente Sofia tem uma ligação mais antiga, que data de 2007, numa altura em que estava na Junta de Freguesia de Odiáxere e já dava especial atenção às iniciativas de cariz cultural. Os laços ficaram ainda mais fortes quando Rui Santos foi eleito presidente, em 2008, estendendo o mandato até 2012. “Quando o meu marido deixou a direção, o clube entrou numa crise e ficou entregue a comissões, que chegaram a ponderar, inclusive, entregar as chaves”, narra Sofia. 

Foi esta mulher, descontente com o que estava a acontecer, que resolveu ‘arregaçar as mangas’ e não deixou o projeto acabar. “Fiz uma lista com alguns dos elementos das anteriores comissões e cá estou”, atira, com um sorriso. Passaram já meia dúzia de anos e o Odiáxere readquiriu enorme pujança. Sofia Santos trata da contabilidade e da parte financeira, bem como de toda a logística e dos funcionários. Ser mulher, diz, “tem algo de positivo, sobretudo porque, parece-me, o respeito é maior”. 

O marido Rui confirma que Sofia “está a 200 por cento no clube” e conta mais um bocado da história da família, que não se resume ao casal, já que os quatro filhos têm igual sentimento. Gonçalo tem 27 anos e é o capitão dos seniores, Diogo, 19, treina os iniciados, e tanto a Joana como o Luís, de 11 e 9 anos, jogam nos escalões de formação. “Somos cá da terra, sempre apoiámos e temos imensa paixão”, justifica o patriarca. 

Foi com Rui Santos que o Odiáxere passou a ter todos os escalões, criando um projeto de base que não tardou a dar frutos. “Até 2012 conseguimos ter todos os escalões no ativo, dos mais pequeninos aos seniores, e os nossos iniciados foram ao Campeonato Nacional”, recorda. Só que a crise que o país viveu nesse período levaram-no a emigrar e a montar a sua empresa de construção noutro país. “Tive mesmo de sair, mas as já citadas comissões mantiveram o clube vivo, e, depois, a minha mulher encabeçou um grupo que não deixou isto ir ao fundo”. 

Apurar uma equipa para os Nacionais  
À boleia de Sofia, e de volta às origens, Rui voltou a pegar no futebol, em 2017/18, recomeçando o projeto e voltando a ter todos os escalões. “Hoje as equipas são a duplicar”, realça, aludindo aos três conjuntos de benjamins, dois de infantis, iniciados e juvenis, para lá da equipa de juniores, de sub-23, seniores e veteranos. “Todas lutam por boas classificações e estamos orgulhosos do trabalho dos nossos técnicos, dirigentes e todo o staff”, destaca o coordenador do futebol, que também é vice-presidente do clube. 

O Odiáxere tem cerca de 1200 sócios e continua a “recuperar mais alguns”, e, para corresponder à adesão da miudagem e dispor de mais espaço e melhores condições, tem uma parceria com a Câmara de Lagos para ser construído um campo de futebol de sete, contíguo ao relvado atual. “A candidatura foi aceite e estamos à espera da aprovação”, comenta Rui Santos, dando ainda conta de que tanto o Instituto Português do Desporto e Juventude como a Associação de Futebol do Algarve serão certamente bons aliados. 

Fruto do excelente trabalho que tem sido desenvolvido, o Odiáxere teve dois elementos nomeados para os prémios de ‘melhor do ano’ do desporto algarvio. O treinador Paulo Duarte ficou no pódio e o jogador Tommy Batista – que, entretanto, rumou ao Louletano – foi mesmo o vencedor na categoria sénior. “Temos ainda uma menina, a Sofia Inocêncio, que é a capitã da Seleção do Algarve e tem ido aos treinos da Seleção Nacional”, remata, com orgulho. 

“O Odiáxere já teve futsal e judo, mas, de momento, não queremos dispersar, até porque a nossa responsabilidade junto da comunidade, quer no desporto quer nas atividades culturais e sociais, é enorme”, prossegue, falando da considerável estrutura do clube. Aliás, a reportagem do Algarve Vivo teve a oportunidade de constatar a azáfama de um fim de tarde, com muita gente envolvida, bem como a funcionalidade de todo o espaço, que, embora não seja a ‘perder de vista’, está cirurgicamente adaptado às necessidades, com alguns balneários de ‘reserva’, departamento médico, rouparia e lavandaria e o bar, aberto todos os dias. 

O próximo passo está devidamente identificado: apurar uma equipa para os Campeonatos Nacionais. “Será também uma boa oportunidade para consolidar a nossa formação. Sentimos que estamos perto, mas, se vamos lá chegar, não sei. Nos seniores queremos valorizar a presença no Distrital, sempre a crescer, com consistência”, afirma Rui, com Sofia a acrescentar que “se conseguimos chegar aqui, com trabalho e a dedicação de todos, vamos prosseguir, orgulhosos e com os pés bem assentes na terra”. 

Na linha da frente das causas sociais 
Entre as muitas iniciativas de caráter cultural que decorrem anualmente, o destaque vai para o Carnaval, que é uma referência no concelho, e depois, a lista é extensa, a começar pelo aniversário (17 de março) e pelos arraiais, com um Encontro de Marchas que já levou a Odiáxere os grupos do Cercal do Alentejo e da Costa da Caparica. Existe ainda um festival de acordeão, as noites de fado, os magustos, e, este ano, um Presépio ao Vivo! 

“Vai ser a primeira vez no clube, com a parceria da nossa Paróquia. Será apelativo para as crianças, com um momento solene na igreja, desfile, representação e o Presépio ao Vivo propriamente dito”, salienta Sofia, encantada com a presença de infantários e com a colaboração de várias instituições. A festa de final do ano é outro ponto alto, sendo mais um dos eventos que “nos ajudam a sobreviver”.

Neste contexto, o salão pode ser alugado, originando mais uma receita. “A Câmara Municipal de Lagos ajuda sempre, através do contrato-programa e outros apoios, mas temos muitas despesas”, numa alusão, por exemplo, ao que é necessário reparar a nível dos balneários, do relvado sintético, mais transportes e inscrições. “Sem o apoio da Câmara e da Junta nada disto era possível”. 

A coletividade está igualmente vocacionada para a área “muito sensível” das tarefas de cariz social, cedendo o salão ao Jardim Infantil e ajudando quem bate à porta. “Auxiliamos o Vicente, que tem paralisia cerebral, também intervimos numa causa em Almádena e até no Hospital do Barlavento”. O salão de festas, acrescente-se, serve igualmente para as ginastas seniores da Junta de Freguesia darem largas ao convívio e exercício físico. 

O Odiáxere recebeu de bom grado a certificação de três estrelas de entidade formadora, atribuída pela Federação Portuguesa de Futebol, e mantém boas relações com os emblemas vizinhos, nomeadamente o Esperança de Lagos, Casa do Benfica de Lagos e Bensafrim. “Cada um gere a sua casa e a rivalidade é normal, mas o que mais nos move é formar os homens de amanhã. Este espaço é fundamental para praticar desporto e conviver, até porque o futebol faz milagres, tirando os miúdos das ruas e dos maus hábitos”.  

Um último destaque para os ‘Meninos da Vila’, um grupo de sete ou oito jovens, com idades compreendidas entre os 18 e os 20 anos, responsável pela comunicação e marketing do clube. Além disso, são eles que filmam os jogos e divulgam nas redes sociais todos os eventos e notícias.


Paulo Duarte, o treinador da nota artística 

Paulo Duarte “respira” futebol desde os dez anos, dos tempos de jovem jogador, mas, muito cedo, mal chegou à idade sénior, entrou logo na via do treino. O treinador do Odiáxere tem 40 anos, metade deles dedicados à carreira de técnico. Começou no Silves – fez lá a formação – e depois passou pelo Lagoa e Carvoeiro United antes de chegar ao Odiáxere, onde cumpre a segunda época. 

“O foco principal? Vivemos de vitórias e queremos sempre ganhar, mas o que colocamos em primeiro lugar é o trabalho que nos leva às vitórias. Temos uma forma de jogar distinta, em que privilegiamos a beleza e a qualidade do nosso futebol”, assinala Paulo Duarte, adepto confesso da ‘nota artística’. Foi por isto, certamente, que esteve nomeado para ‘melhor treinador’, na gala da Associação de Futebol do Algarve, em despique com Ivo Soares (Moncarapachense) e David Antão (Ferreiras). Não ganhou, mas a satisfação foi imensa. 

“Dos três nomeados, um subiu à Liga 3 e ganhou a Taça do Algarve e o outro venceu o Distrital e foi finalista vencido da Taça. Ou seja, se o Odiáxere ficou no 5.º lugar e nada venceu, é porque foi valorizada a questão qualitativa e a tal forma bonita de jogar”, sublinha o técnico. “É isso que me dá prazer, termos a nossa identidade e perceber, hoje, que tanto os sub-23 como os juniores acreditam neste processo, para lá do resultado”. 

Paulo Duarte enfatiza também a presença de cinco juniores no seu plantel, quatro deles de primeiro ano, sinal de que “a qualidade não tem idade” e que “apostamos sempre na formação”. A terminar, o treinador rende-se à “dinâmica, organização e envolvência da massa humana” no Clube Desportivo de Odiáxere. “Quem passa à beira da estrada não faz ideia do que é esta coletividade. Fiquei surpreendido. E os dirigentes transmitem confiança e têm paciência, sabem que é preciso dar tempo para que os bons resultados surjam”. 


Sofia Inocêncio, a miúda que vai à seleção

A mãe não queria que ela jogasse futebol, mas o pai sempre lhe deu apoio. Hoje, “é a minha grande fã”, confessa Sofia Inocêncio, entre sorrisos, dando largas à alegria contagiante dos seus 14 anos. Natural de Portimão, joga desde os oito – começou na Geração Benfica – e há três épocas que está no Odiáxere. 

“Fiz natação e ténis, mas o futebol é a minha paixão”, assume a médio centro, que joga com rapazes no clube e com raparigas na seleção. É que Sofia é a capitã da Seleção do Algarve e tem sido chamada várias vezes aos treinos da Seleção Nacional.

“Com os rapazes até se evolui mais, porque o jogo é mais intenso. Sinto-me à vontade e não estranho quando chego à seleção, não custa fazer a transição e até já estou habituada”. 

Sofia frequenta o 9º ano de escolaridade, mas ainda não escolheu curso, porque certeza há só uma: “Sei que quero ser futebolista e quero levar isto a sério”, diz a miúda, que gosta particularmente de ver jogar Andreia Norton e também Jéssica Silva, Kika Nazareth e Pauleta, atletas do Benfica e internacionais portuguesas. 

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