“Até dormia na Fatacil para cuidar dos cavalos porque as condições eram péssimas”

Nº 334 - Grande Prémio Cidade de Portimão 2008 - Arquivo CMP.Filipe da Palma

Francisco Rocha, criador de cavalos para competições internacionais e o primeiro expositor da Fatacil, em 1980, será homenageado neste domingo pela organização do certame, que começa hoje. Em entrevista a Algarve Vivo, indica quais as falhas existentes no sector destinado aos cavalos e aponta o parque de estacionamento do evento como solução para um novo espaço equestre.

José Manuel Oliveira

Neste domingo, 23 de agosto, Francisco Rocha, de 61 anos, proprietário do Centro Hípico de Belmonte, em Portimão, onde reside, será homenageado na Fatacil, em Lagoa, pela organização do evento, como expositor de cavalos desde a primeira edição em 1980. “É o reconhecimento pelo trabalho que tenho desenvolvido como criador de cavalos no Algarve, desde organizar concursos equestres, que qualificavam para participações nos Campeonatos do Mundo e da Europa e Jogos Olímpicos. Os cavalos destinam-se à exportação, sobretudo para a Alemanha, para a Bélgica, para França, quando apresentam qualidade e começam a competir. De resto, sou o único português que criou dois cavalos presentes em dois Campeonatos do Mundo, um em 2002 e o outro, em 2014, nascidos no Centro Hípico de Belmonte. Além disso, participaram em quatro Campeonatos da Europa. O meu filho fez parte da seleção portuguesa, tendo participado em 22 Taças das Nações, em três Campeonatos da Europa de jovens cavaleiros, dois de seniores e um Campeonato do Mundo”, destaca, em entrevista ao ‘site’ Algarve Vivo, Francisco Rocha.

O primeiro expositor da Fatacil recorda esses tempos: “Até dormia lá para cuidar dos cavalos porque as condições eram péssimas e algum animal podia magoar-se. A Fatacil não tinha seguranças, o recinto não era vedado. Naquele tempo, poder-se-ia dizer que não havia Fatacil como certame para exposição de cavalos. Eram outros tempos, os cavalos tinham outro valor e eram colocados presos a umas tábuas com uma rede sombreira próximo do campo de futebol, distante do local onde se realiza agora a exposição equestre. Nesse ano, participaram dez, 12 ou 14 cavalos para preencherem todos os lugares. Apesar de terem nascido no Centro Hípico de Belmonte, eram de várias raças e filhos de cavalos importados, nomeadamente alemães, holandeses, franceses e belgas. Depois, faço os cruzamentos e eles nascem aqui. Mas no primeiro ano da Fatacil só havia cavalos nacionais”.

E acrescenta: “não havia espetáculos de música. Existia mais convívio entre as pessoas e durante a noite comíamos, bebíamos e falávamos sobre cavalos, a nossa paixão. E quem ia expor fazia-o com vontade de mostrar os seus produtos, quaisquer que fossem, e não com intenção de fazer negócios. Prefiro o tempo atual, mas penso que a Fatacil não efetuou o investimento que devia ter feito”. Francisco Rocha explica o que falhou: “a Fatacil evoluiu muito, mas gastaram baastante dinheiro mal gasto ao nível de instalações, como por exemplo numa bancada pequena em pedra. O recinto é muito pequeno. Com o dinheiro investido, teriam melhorado os estábulos para os cavalos. Falharam as condições de exposição, de alojamento dos animais. Aliás, até é proibido. Qualquer cavalo, no mínimo, tem de dispor de 9 metros quadrados para poder estar estabulado. Há sempre cavalos na Fatacil, mas as condições existentes evitam que venham grandes criadores com animais de outro nível. Já chamei a atenção da organização, há anos foi construído um pavilhão, mas as pessoas não estão dentro do assunto e não querem ouvir quem percebe. Falta mais espaço à Fatacil. Os meus cavalos estão num estábulo com um espaço de 4m.x3m. A Federação Internacional Equestre não autoriza que nenhum cavalo esteja num espaço inferior a 3×3, o que provoca ‘stresse’ com dificuldade em se movimentar. Na Fatacil, os estábulos são pequenos, com 2,20m./ 2,40m. Criadores de outros cavalos com quem falo habitualmente não vêm porque não existem condições”.

Na opinião deste criador de cavalos, a Fatacil teria de mudar de local. E aponta soluções: “O sector destinado aos cavalos poderia passar para o parque de estacionamento. Por isso, deveria encontrar-se outra solução para estacionar os carros. É que na situação em que se encontra, a área dos cavalos não tem condições para poder evoluir. Uma evolução correta para os cavalos era não terem sido feitas as ‘boxes’ com uma dimensão de 3×3 metros, não haver cavalos expostos em baias, o que é proibido, e existir um recinto em condições para se poder mostrar os cavalos. As dimensões são muito pequenas, péssimas e essa situação não permite uma competição de elevado nível no recinto, além de provocar ‘stresse’ nos animais. Se o local tivesse condições e se durante um dia ou dois dias da Fatacil fossem apresentadas provas de gabarito tanto de ensino como de obstáculos, o certame teria outra imagem”.

Francisco Rocha aproveita para deixar um recado: “Faz falta a certas pessoas deslocarem-se a outros países para verem como devem ser as condições para cavalos. Nada têm a ver com o que se passa cá. As exposições nesses países, nomeadamente na Alemanha, abrem durante duas horas à tarde e outras tantas à noite, para os cavalos, e fecham. Mais ninguém se aproxima deles. Fotografar ou filmar, como está agora na moda, só de longe. Na Fatacil, quem o fizer junto de um animal correrá o risco de ser mordido”.

“Nenhum criador pega num cavalo de 300 ou 400 mil euros e coloca na Fatacil, deixando-o aí durante a noite por poder correr riscos”

Francisco Rocha leva apenas um cavalo todos anos à Fatacil. “Não corro o risco de expor um dos de top, dos caros. Nenhum criador pega num cavalo de 300 ou 400 mil euros e coloca na Fatacil, deixando-o aí durante a noite por poder correr riscos. Os animais têm de se deitar, descansar e o espaço, repito, não tem condições. Cavalos deste tipo nunca estiveram presos a uma baia”, alerta.

Nesta 36ª. edição do evento, em que será homenageado, abrirá uma exceção. “Por acaso, até vou levar alguns para as pessoas verem o que são cavalos a sério. Apresentarei cinco garanhões – um de dois anos, um de três, um de quatro, um de cinco e outro de seis. Um deles destina-se à exposição e os restantes serão para saltar em liberdade. Trata-se de um alemão, um belga, um francês e dois nascidos no Centro Hípico de Belmonte. O mais novo tem dois anos. Os outros têm três, quatro, cinco e seis anos. São cavalos reprodutores que estão a competir em provas internacionais. O peso é variável, entre os 500 e os 600 quilos. São filhos e netos de campeões olímpicos, campeões do mundo. Vou levá-los à Fatacil no domingo, dia da minha homenagem, apresento-os a saltar em liberdade e trago-os para casa. Não os deixo em exposição por ser um risco muito elevado. Não existem condições de segurança para os animais. Sou muito amigo do organizador da Fatacil Emídio Pais e só exponho cavalos porque me pedem. Sei que para mudar as coisas também é preciso dinheiro, mas também conhecimento por parte de pessoas responsáveis. Houve um ano em que a organização cortou com a participação de cavalos e aquilo foi uma desgraça”.

Na Fatacil “não há compradores para o meu tipo de cavalos”, nota Francisco Rocha. E esclarece: “Valem todos mais de cem mil euros. Não há ninguém em Portugal que compre um animal destes. Se existissem condições de espaço para a exposição de cavalos na Fatacil haveria outra capacidade de atração para o público, com apresentações em liberdade. Tal situação poderia contribuir para a presença de outro tipo de visitantes de várias zonas do país e até do estrangeiro. As pessoas, hoje, deslocam-se aonde há um lote de cavalos bons, tal como eu quando vou a grandes eventos em vários países para ver o que está na moda. É como um jogo de futebol envolvendo equipas com jogadores de elevado nível”.

“Um encargo diário nunca inferior a 30/40 euros”

A crise reflete-se também no sector dos cavalos. “Mas como em tudo, os muito bons estão sempre vendidos, os menos bons são difíceis de vender. Os preços são variáveis, mas já houve um cavalo que foi vendido por 18 milhões de euros. Um dos mais caros de obstáculos foi recentemente vendido por 14 milhões de euros para a Arábia Saudita. Já tive no meu centro hípico em competição a princesa da Jordânia e campeões olímpicos”, lembra Francisco Rocha.

O dia-a-dia dos cavalos deste criador passa por “uma guia mecânica, na qual trabalham durante uma hora. Em seguida, são montados durante mais uma hora. Depois, têm um ‘padock’ para descomprimirem durante mais quatro ou cinco horas, estando na rua em liberdade. Voltam para casa, onde passam a noite. Comem normalmente por dia entre 12 e 14 quilos de feno, que eu próprio fabrico, e cinco quilos de concentrado de rações. E têm o apoio de um veterinário, meu filho, e de uma veterinária. Estes cavalos de competição, incluindo as vitaminas que tomam, representam um encargo diário nunca inferior a 30/40 euros”, esclarece.

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