Brasa Doirada celebra uma década de carreira

Foto: Vera Lisa

Pedro Dias, Nelson Law, Nuno Higino e Daniel Cordeiro dão voz aos Brasa Doirada. O que começou como um convívio tornou-se um projeto sério. Em entrevista à Algarve Vivo, a banda partilha episódios desta carreira, que lhes ocupa as escassas horas livres. Uma paixão que continua, a par das profissões na enfermagem e engenharia do ambiente.

Como se conheceram?
Três de nós conhecemo-nos na Escola Superior de Saúde de Beja, onde estudámos enfermagem. Mais tarde, viemos trabalhar para os hospitais do Algarve. O quarto elemento, natural de Aljustrel, é engenheiro do ambiente e estava já em Portimão onde se tinha estabelecido como empresário. A amizade e a paixão comum pela música tradicional acabaram por nos juntar, tal como a saudade do Alentejo. Existia ainda um quinto elemento na génese do grupo — também ele de Aljustrel, cozinheiro de profissão e residente em Portimão — que acabou por sair do projeto por motivos profissionais. Foi entre cantorias em convívios, risos e desafios lançados por amigos que decidimos levar isto mais a sério e formar o grupo. O que começou como uma simples partilha entre amigos transformou-se num projeto com alma e raízes bem fundas.

Como surgiu a ideia de criar um grupo musical?
A música sempre fez parte das nossas vidas. O Nelson e o Pedro, por exemplo, passaram pelas tunas académicas na universidade, e essa experiência deixou uma marca profunda. Já o Daniel cresceu com o cante alentejano no sangue — o avô dele fez parte, durante muitos anos, de grupos corais, e isso foi uma grande influência. No fundo, todos nós sempre estivemos ligados à música de forma natural, quer no seio familiar, quer entre amigos. A ideia de formar um grupo surgiu de forma espontânea. Começámos por cantar em convívios, entre amigos e, rapidamente, começaram a surgir convites por parte de quem nos ouvia. Alguns proprietários de restaurantes que nos conheciam incentivaram-nos a dar um passo em frente e a criar noites de música alentejana nos seus espaços. Esses momentos deram-nos confiança e vontade de levar o projeto mais a sério — e assim nasceu o grupo.

São do Alentejo e de Lisboa, mas residem todos no Algarve. Foi a origem alentejana que vos levou a optar pelo cante?
Sim, é verdade que todos temos ligações fortes ao Alentejo — três de nós são alentejanos de raiz e um de nós é de Lisboa, mas com o coração bem virado a sul. Neste momento, estamos todos a viver no Algarve, mas a verdade é que nunca deixamos de sentir o Alentejo como casa. Foi essa ligação às nossas origens, às memórias de infância, às vozes dos nossos avós, que nos levou naturalmente até ao cante. Mais do que uma escolha consciente de estilo musical, o cante alentejano faz parte da nossa identidade. É algo que nos emociona e que nos liga à terra, à família e à cultura popular. O cante tem uma força agregadora e uma alma que nos representa — e quando cantamos, sentimos que estamos a honrar quem somos e de onde viemos.

Os algarvios têm aceitado bem este género musical?
Temos tido a sorte de tocar imenso por todo o Algarve, e a verdade é que a aceitação tem sido muito positiva. Notamos um grande carinho por parte do público, mesmo daqueles que não cresceram a ouvir cante alentejano. Sentimos que há curiosidade, respeito e, acima de tudo, emoção. Parte disso talvez se deva ao facto de procurarmos dar ao nosso trabalho uma identidade própria. Apesar de termos como base o cancioneiro tradicional do Alentejo, gostamos de explorar novos caminhos — criamos arranjos musicais mais arrojados, introduzimos novas sonoridades e trabalhamos composições com um toque mais pessoal. Procuramos inovar, sim, mas sempre com muito respeito pela essência do cante. O nosso objetivo nunca foi afastar-nos da tradição, mas dialogar com ela, torná-la viva e próxima das pessoas, mesmo fora do Alentejo.

O que tem de diferente o cante alentejano, que vos fascina?
O Cante é muito mais do que uma estrutura musical: é um estado de alma. É o eco das paisagens planas, dos silêncios cheios de significado, da alma coletiva das gentes que sabem esperar, sentir e partilhar. O que nos fascina é a autenticidade das letras, a verdade das vozes em uníssono, o poder emocional de uma música que fala de amor, saudade, terra e memória — tudo aquilo que também nos move como pessoas e músicos.

Como tem sido a aceitação do público nestes dez anos?
É verdade. Para nós é motivo de enorme orgulho e gratidão. Quando começámos, nunca imaginámos que este caminho nos levaria tão longe. O que começou como um grupo de amigos a cantar por gosto transformou-se num projeto consistente, com uma identidade própria e uma ligação muito forte ao público. A aceitação tem sido extraordinária. Temos sentido um carinho imenso, tanto por parte da comunidade alentejana espalhada pelo país, como também de públicos que, inicialmente, pouco conheciam o cante. Ao longo destes anos, já levámos a nossa música a muitos cantos do Algarve e não só, e em cada atuação sentimos que há uma resposta sincera — sorrisos, silêncios atentos, palmas sentidas. Isso dá-nos força para continuar. O público tem crescido connosco e é, sem dúvida, a maior razão de celebrarmos esta década com o mesmo entusiasmo de sempre.

Como conciliam as vossas profissões com os concertos?
A conjugação entre o hospital e o palco é, de facto, um verdadeiro exercício de logística emocional e física. A nossa profissão nos hospitais exige muito de nós. E a música, quando é levada a sério e feita com alma, também exige. Há dias em que saímos de um turno difícil e vamos diretos para uma atuação, e vice-versa. Não é fácil, mas tem valido a pena. Tudo isto só é possível graças ao apoio incondicional das nossas famílias, à compreensão dos nossos chefes de serviço e dos colegas de trabalho. As nossas esposas são verdadeiras heroínas — seguram a casa, os filhos e tantas ausências com uma força e uma generosidade indescritíveis. Sem elas, este projeto simplesmente não existia. São o nosso pilar silencioso. E aos nossos filhos, que tantas vezes adormecem sem um beijo de boa noite porque o pai está no hospital ou num palco… deixamos este mimo escrito: cada nota que cantamos tem um bocadinho de saudade vossa.

Têm algumas situações caricatas que possam partilhar?
Temos várias. Muitas vezes no dia seguinte aos espetáculos, estamos nós no hospital a trabalhar, e alguém nos diz:  “Ontem vi-vos e chorei de tanto rir. Emocionei-me”. Já nos aconteceu também estarmos a arrumar material de palco e ouvirmos alguém perguntar: “então onde está o chinês?”, numa alusão ao Nelson, o nosso diretor musical, de ascendência asiática, que se tornou quase uma marca do grupo. Já nos perguntaram no aeroporto em Sevilha onde seria o próximo concerto dos Brasa Doirada, e se levávamos o chinês escondido na mala de viagem.

Porquê Brasa Doirada?
O nome vem de uma moda alentejana chamada ‘O Verão, o Alentejo e os Homens’, que começa com a frase ‘O verão, a brasa doirada e Celeste…’. Cantámo-la tantas vezes nos nossos convívios que passou a ser quase uma identidade nossa. Devido a essa música o nome ‘Brasa Doirada’ ficou, pegou, e hoje é reconhecido com um carinho especial.

Quais são os temas das vossas músicas? São originais?
Temos dois temas originais editados — ‘Tradição’, no álbum Reserva 2015, e ‘Linda Moça Alentejana’, lançado recentemente — com letras do Daniel e melodias em parceria com o Nelson. As nossas músicas abordam o amor à terra, às pessoas, às tradições e à vida. Mais do que cantar modas, cantamos o que nos faz ser quem somos.

Há dez anos imaginavam que poderiam estar onde estão hoje no panorama musical?
Nem nos nossos sonhos mais ousados. Sempre acreditámos no que fazíamos, mas nunca imaginámos que um dia seríamos reconhecidos, acarinhados e chamados a subir a tantos palcos. O caminho foi feito com alma, humildade e muito trabalho — talvez por isso tenha dado frutos. O que temos vivido ultrapassa qualquer expetativa. É verdade que este percurso não foi obra do acaso.

Mas houve uma aposta grande na banda?
Investimos muito, quer em termos musicais, quer em termos de estrutura e organização. Ao longo dos anos, tornámo-nos praticamente autossuficientes, porque cada um de nós abraçou um papel essencial para que tudo funcione, dentro e fora do palco. O Nelson, com o seu ouvido apurado e enorme sensibilidade musical, é o nosso diretor musical — cria arranjos, instrumentais, solos e assegura a identidade sonora dos Brasa Doirada. O Daniel é o nosso guardião do cancioneiro. Faz a seleção das modas que mais se enquadram na fase em que estamos enquanto banda, e é também o elo de ligação com os outros músicos com quem partilhamos palcos, muitas vezes em contextos complexos, com horários cruzados e logísticas exigentes. O Nuno, por sua vez, assume o papel de manager — gere toda a nossa agenda, negociações, cachets, deslocações e condições contratuais. O Pedro é o rosto do humor nos nossos concertos — aquele que transforma uma moda em gargalhada, que cria empatia imediata com o público. Mas é também o nosso ‘road manager’, assegurando toda a organização em dias da atuação. É o gestor da marca Brasa Doirada, sendo o responsável pelas redes sociais e pelos conteúdos que nos ligam ao nosso público fora dos concertos. Cada um tem o seu papel, e todos respeitamos profundamente as funções que desempenhamos. A música pode ser o que o público vê e ouve… porém, por trás de cada espetáculo, há horas de planeamento, dedicação e trabalho.

Que mensagem final deixam?
Os Brasa Doirada são muito mais do que um grupo musical. Somos amigos, cuidadores, apaixonados pela vida e pelas pessoas. Em cada concerto, entregamos o coração — com música, humor e autenticidade. Queremos continuar a ser geradores de emoções boas, para todos os que se cruzam connosco, no palco ou na vida. A todos os que nos ajudam a conciliar esta paixão com as exigências do dia a dia — chefes, colegas, famílias — o nosso mais sincero obrigado. Sem vocês, a nossa música não faria sentido. Ao longo destes anos, tem sido um abraço entre amigos, uma homenagem ao Alentejo, uma ponte entre o passado e o presente. Somos enfermeiros, músicos, pais, maridos, filhos — somos, acima de tudo, pessoas apaixonadas pela vida e por aquilo que ela nos permite partilhar com os outros. Em cada concerto, procuramos deixar boas emoções, sorrisos largos e corações mais leves. E enquanto assim for, cá estaremos, a cantar, a cuidar… e a sentir.

PRÓXIMOS CONCERTOS 

Agosto
Dia 10 –
Salir
Dia 13 – Amora
Dia 15 – Peroguarda
Dia 16 – Sabóia
Dia 17 – Santa Catarina, na Fonte do Bispo
Dia 23 – São Luís
Dia 24 – Chinicato

Setembro
Dia 13
– Olhão
Dia 21 – Luz de Tavira

A restante agenda estará disponível nas redes sociais do grupo

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