De África para a Praia da Rocha com escala no Alasca

Texto e foto: Jorge Eusébio


Salvador Varela é uma das figuras mais emblemáticas da Praia da Rocha. Já leva mais de 40 anos à frente de estabelecimentos de diversão na principal zona turística do concelho, primeiro ao leme do ‘Bar do Xico’, depois como dono do ‘Outro Bar’ e, mais recentemente, também do restaurante ‘Tropical’.

Para se transformar num dos principais rostos da animação local, Salvador Varela teve, desde logo, de percorrer milhares de quilómetros, uma vez que é natural de São Tomé e Príncipe.

Em busca de melhor vida e de mais oportunidades, o seu pai já tinha feito a viagem e, no final de 1971, teve condições para chamar a família. Salvador Varela diz que se adaptou bastante bem à nova realidade, mas não nega que o primeiro dia de escola foi complicado, acabando por “vir embora cerca de uma hora depois do meu pai me deixar lá”.

Mas depois regressou e rapidamente as coisas entraram nos eixos, pois “encontrei excelentes colegas e professores”. É certo que, ironiza, “por ser o único ‘azul escuro’ era motivo de curiosidade para eles e vice-versa”, mas a sua capacidade de comunicação e adaptação fez com que isso se tornasse uma vantagem e não um problema.

12º ano de escolaridade feito no Alasca
Desenvolveu a sua formação escolar, primeiro na escola do Pontal, depois passou para o Ciclo e mais tarde para o antigo Liceu.
Entretanto, foi, também, desenvolvendo o gosto pelo desporto, em especial pela vela, de que foi um bom praticante. Com um sorriso, diz que os adversários “já nem me podiam ver, pois ganhava quase sempre as provas em que participava”.

E, quando chegou à altura de fazer o 12º ano de escolaridade, voltou a fazer uma nova viagem de milhares de quilómetros e foi parar ao… Alasca, nos Estados Unidos da América.

Isso aconteceu porque, na altura, havia uma organização norte-americana que financiava intercâmbios de jovens estudantes. Salvador Varela candidatou-se, foi selecionado e lá abalou para os EUA.

Nova Iorque foi a primeira paragem. Juntamente com outros estudantes manteve-se durante algum tempo num centro de orientação, onde aprendeu os costumes e tradições locais. Findo esse período, cada um deles foi colocado numa família que integrava o programa. A ele tocou-lhe uma que vivia no Alasca e ali ficou ao longo de um ano letivo.

Apesar de ter apanhado uma temperatura um ‘bocadinho’ diferente daquela a que estava habituado, diz que adorou a experiência, também acabando por adaptar-se rapidamente. No princípio fazia-se entender graças ao ‘inglês de praia’ que aprendeu no Algarve, mas rapidamente melhorou o seu vocabulário e, ao fim de poucos meses, garante, “até já sonhava no idioma local”.

Também experimentou o futebol americano, de que gostou muito, é “um desporto fantástico”, que tem certas semelhanças com o rugby, que tinha praticado em Portugal.

Havia apenas uma regra que não apreciava particularmente, a de só se poder beber bebidas alcoólicas a partir dos 21 anos. Mas, como para todos os problemas há uma solução, os jovens locais ultrapassavam a proibição no decorrer de festas que organizavam.

Salvador Varela diz que deixou naquela terra inóspita e fria amizades calorosas para toda a vida e pretende voltar a muito curto prazo, até porque “algumas dessas pessoas já estão com uma idade avançada e, se as quero voltar a ver, tenho que lá ir rapidamente”.

Outra viagem que quer fazer é à sua terra natal, São Tomé e Príncipe, à qual nunca mais regressou por falta de tempo.

Espírito empreendedor
O seu espírito dinâmico e empreendedor começou a manifestar-se ainda na escola e no liceu, em que organizou diversos eventos.
Quando ingressou no mundo do trabalho, essas características, bem como a sua capacidade de comunicação e o espírito positivo, rapidamente levaram-no a tornar-se uma das personalidades mais conhecidas da Praia da Rocha.

Começou como empregado no ‘Bar do Xico’ e, ao fim de pouco tempo, “as pessoas já pensavam que era eu o dono e, por isso, algumas até me tratavam por Xico”. Considera ter sido um bom funcionário, “trabalhador, honesto e leal”, o que lhe abriu a porta do ‘Outro Bar’.

Foi por volta de 1997 que soube que o espaço, que na altura era uma casa de férias, ia ser vendido. Contactou a proprietária, disse-lhe que estava interessado e pediu-lhe para esperar um pouco antes de tornar público o anúncio de venda.

Falou com o seu patrão, que gostou da ideia, e que lhe disse que não queria que continuasse como empregado, mas que fosse sócio naquele projeto. Duas outras pessoas entraram no negócio e “uma delas emprestou-me dinheiro para comprar a minha parte”. Foi uma grande prova de confiança e a única forma de conseguir ser sócio, pois “se fosse ao banco, não conseguiria o empréstimo”.

Queda da falésia
O estabelecimento abriu em 1998 e foi, desde logo, “um sucesso”. Em parte atribui isso ao facto de, ao contrário do que acontecia com a maioria dos bares da Praia da Rocha, aquele ter como foco essencial o cliente português, o que lhe permite não estar tão dependente dos três ou quatro meses da época alta turística.

O negócio dos bares e da noite é, por vezes, associado a situações menos agradáveis, mas Salvador Varela diz que, no seu caso, nunca se deparou com qualquer problema que não se resolvesse sem grandes dramas.

O único caso negativo que refere foi o de uma queda que teve ao tentar impedir uma turista de se atirar da falésia. Ao longo destes anos já houve vários ‘mergulhos’ naquela zona, mas “normalmente ninguém se aleija a sério, mas eu acabei logo por partir o braço e a omoplata”, lamenta.

Tal como sempre aconteceu na sua vida, procura focar-se, sobretudo, na parte positiva, nos muitos amigos que fez, na alegria que tem proporcionado a muita gente, às amizades e até aos muitos casamentos que ‘nasceram’ naquele espaço. Agora muitos desses casais têm filhos que também se vão divertir ali e é vulgar pedirem a Salvador Varela que “olhe por eles”, ou seja, que não os deixe meterem-se em confusões nem pisar o risco.

E é uma solicitação que entende pois ao longo das últimas décadas a diversão, sobretudo noturna, mudou bastante e não propriamente no melhor sentido, com uma geração cada vez mais nova a ‘tomar conta da noite’.

Antigamente “não havia grande problema ao sair, agora com frequência vamos ouvindo notícias de situações graves”, pelo que é preciso ter mais cuidado e “ler bem os ambientes para onde vamos”.

Videovigilância reforça segurança
No caso da Praia da Rocha, considera que é uma zona segura. Ao longo de todo o ano, a polícia está atenta ao que aí se passa, em especial no Verão quando há grandes reforços do seu contingente.

Ainda assim, concorda com a instalação de videovigilância, pois entende que isso vem reforçar os níveis e, sobretudo, a sensação de segurança dos muitos residentes e turistas que a frequentam.

Um dos problemas principais é a escassez de estacionamento automóvel existente nas redondezas. Salvador Varela diz que, olhando para trás, é hoje fácil concluir que essa era uma questão que, desde o início, deveria ter merecido um outro tipo de resposta. Teria sido importante que, por exemplo, tivesse, desde sempre, sido obrigatória a criação de um determinado número de espaços de estacionamento por cada prédio construído.

Agora, esse é um problema muito difícil ou mesmo impossível de resolver, pois não existem muitos terrenos que possam ser utilizados para esse fim e os poucos que existem têm um valor de mercado astronómico.

Ainda assim, foram tomadas decisões que, na sua opinião, são positivas, como a construção de um silo e a utilização, durante o Verão, de uma das faixas da V3 para estacionamento. Isso “alivia um pouco o problema, mas está longe de o resolver por completo”.

Menos entusiasmo mostra pelo elevado número de parquímetros que foram colocados naquela zona, embora reconheça que se não existissem, na época alta poucos espaços de estacionamento sobrariam para os clientes, pois seriam ocupados ao longo de todo o dia e noite pelos funcionários dos bares, hotéis e outros estabelecimentos.

Trânsito cortado
Uma das decisões tomadas já há muito tempo pela Câmara foi a do fecho, ao longo de todo o ano, à circulação automóvel de uma parte da Avenida Tomás Cabreira, o que provocou reações positivas e negativas.

Salvador Varela refere que, sobretudo no Verão, não havia condições para compatibilizar o elevado número de pessoas que se concentra naquele espaço com o tráfego rodoviário.

Aliás, diz ter sido um dos responsáveis pelo primeiro passo para que essa decisão fosse tomada. Na altura em que ainda estava no ‘Bar do Xico’ já havia grandes problemas em conseguir ter tantos clientes e automóveis a partilhar o mesmo espaço.

Resolveu, então, redigir um abaixo-assinado, a pedir o fecho da rua à circulação automóvel aos fins de semana, feriados e Verão. Conseguiu que o documento fosse assinado por quatro ou cinco mil pessoas, foi defendê-lo numa reunião de Câmara e conseguiu os seus intentos.

Nos últimos dois anos, tal como todos os empresários do setor, viveu tempos complicados, devido às restrições provocadas pela pandemia. Durante muito tempo teve o interior do estabelecimento encerrado, até mesmo depois das regras terem sido aliviadas, pois “era complicado estar a fazer testes aos clientes à entrada e, como as noites eram fracas, acabei por tomar essa opção”.

Ainda assim, muitos dos seus clientes habituais não desistiram de continuar a passar pela esplanada, e de ali ficar uns instantes a contemplar a praia e o mar.

Agora, as coisas voltaram à ‘normalidade’ possível e Salvador Varela acredita que os próximos tempos sejam de recuperação e que cada vez mais pessoas retomem o hábito de se divertir e passar férias na Praia da Rocha, caso, naturalmente, não apareça uma nova variante da covid-19 ou que outra circunstância, como uma guerra, venha provocar um novo período de crise.

Mas, optimista como sempre, vai fazendo o que lhe compete para que a principal estância turística de Portimão volte a ter o fulgor de outros tempos. O ‘Outro Bar’ está a funcionar em pleno e, depois de sofrer obras de conservação, o seu mais recente projeto empresarial, o restaurante ‘Tropical’, situado em pleno areal, também reabriu.

You may also like...

Deixe um comentário