Adega Única aposta na proximidade

É no enorme espaço da Adega Única, em Lagoa, que estão a ser engarrafados diversos vinhos de produtores locais e que se preparam os equipamentos para mais uma campanha da vindima, da qual nascerão os néctares de uma marca que resiste a mais de sete décadas de história.

É, aliás, a cooperativa produtora de vinhos que resta no Algarve e talvez seja esta a altura de perceber que faz falta, que precisa de estar junto do consumidor final e de ser valorizada.

Ao longo dos últimos dois anos, a direção da Única tem vindo a fazer um grande esforço para levantar a cooperativa e afirmá-la, de novo, como uma referência nos mercados. No entanto, tal como aconteceu com tantos outros negócios, a pandemia causada pelo novo coronavírus, a covid-19, quase deitou por terra todas as expetativas.

Ainda assim e apesar de viver na incerteza, o espaço continua de pedra e cal, a trabalhar para contornar as quebras que se registaram nos últimos meses. Na verdade, esta não é a primeira vez que passa por dificuldades. “Ainda não fiz as contas, mas à primeira vista diria que tivemos uma quebra de 85 por cento”, resume o enólogo responsável João do Ó.

A direção estava a apostar na consolidação da aceitação dos vinhos no mercado interno e a traçar um caminho para efetivar a exportação. Tinha participado em algumas feiras internacionais em 2019 e até já tinha dois negócios previstos para 2020, que não se concretizaram. “Perdemos esses dois negócios de 30 mil garrafas que seriam exportadas para a Inglaterra”, lamenta o enólogo.

A colaboradora Ana Agapito, por sua vez, avançou que está foi preparada uma candidatura voltada para a exportação, para ser submetida no final de julho, mas sobre a qual ainda não há certezas se será aprovada pela entidade competente.

“A quebra é o que é. Vamos tentar sobreviver, pois não conseguiremos recuperar as vendas até ao final do ano. Ninguém começará a ter filas à porta de um momento para o outro. Podemos, porém, fazer aquilo que nos compete, que é incentivar os produtos locais e a proximidade”, defende a colaboradora.

“Este ano é que se verá
a falta que uma Adega Cooperativa faz na região”.

É que o futuro, bastante incerto, leva a que a Direção defenda ainda com mais afinco a ideia de que a população deve olhar para a cooperativa através de outra perspetiva e com outro carinho. “De repente, o que aconteceu pode servir para despertar esse interesse nas pessoas. Porque é que vou incentivar um produtor de outro ponto do país, se há um ao meu lado que precisa de mim?”, questiona Ana Agapito. A ideia de união está subjacente e é por isso que a adega reforça que está de portas abertas para atender o consumidor de uma forma mais próxima. A filosofia que envolve o espírito da cooperativa, o que representa e a tradição devem, assim, ser valorizados.
Essa proximidade levou a que ninguém ficasse sem ser atendido durante a pandemia e a que, pelo contrário, houvesse um reforço desse atendimento mais personalizado e mais próximo.

“Um casal quer fazer uma prova, então estamos cá para personalizar, para adequar ao cliente.

Dou um exemplo, uma pessoa de Lisboa queria o nosso vinho e, nessa altura, tinha uma prima em Lagos que poderia levar a encomenda. Nós fomos entregar a Lagos. Outro cliente quer ‘bags’ de 20 litros, porque os de cinco não lhe servem. Nós arranjámos. Por outro lado, o consumidor final começou a procurar-nos mais diretamente, através de email, de telefone, de facebook”, conta Ana Agapito. Uma proximidade e personalização que podem ser os trunfos para chegar às pessoas e que, regra geral, uma grande empresa não consegue efetuar.

Para já, sem saber qual a evolução desta pandemia, a Única está aberta, o cliente pode comprar o vinho, visitar o espaço e fazer uma prova. Basta contactar para saber mais informações e fazer uma marcação, com a garantia que serão cumpridas as medidas de segurança sanitária exigidas.

Uma das novidades será a integração no projeto nacional ‘SmartFarmer’, uma página online de comércio eletrónico de proximidade que engloba diversos produtores locais, com o apoio da Câmara de Lagoa e da Associação de Municípios Portugueses de Vinho (AMVP).

Espaço museológico visitável
Uma das zonas da Única, a Adega Cooperativa de Lagoa, é reservada a um espaço museológico onde podem ser vistos alguns dos equipamentos que eram usados para engarrafar o vinho de Lagoa, que no passado já foi muito afamado. O espólio desta adega que avança a passos largos para os 80 anos, está agora disposto numa sala, que pode ser visitada, desde que cumpridas as regras de segurança sanitária. É neste espaço que se conhecem algumas das castas utilizadas na região, os sistemas de engarrafamento e de colocação das rolhas. Há ainda fotografias que mostram a importância que a vitivinicultura sempre teve para o concelho de Lagoa e que, após o advento do turismo começou a perder, mas que ainda perdura na memória de muitos lagoenses. E é um pouco esses tempos áureos que a Única quer agora recuperar com esta forte aposta na adega e em dar a conhecer os vinhos ali produzidos.

Depósitos cheios com vindimas à porta
Ainda a adega tem os depósitos cheios de vinho da última campanha e já se aproxima outra vindima. A pandemia levou a que o produto não escoasse como é habitual, o que levará a dificuldades de armazenagem para muitos produtores.

O enólogo da cooperativa sediada em Lagoa acredita que esse facto levará a que a Única receba muito mais uvas neste Verão. “Não era algo que nós quiséssemos, porque vamos ter os depósitos muito cheios. Não se vendeu quase nada e acredito que a maioria das adegas deve ter ‘stocks’ grandes. A questão é que muitas delas compravam uvas a pequenos produtores. Ora, se eles não tiverem onde colocar as uvas, se calhar vão optar pela venda a esta adega”, supõe João do Ó.

Para já, foi convocada uma Assembleia Geral para este domingo, 26 de julho, que entre outras questões, decidirá qual será o preço das uvas este ano, valores que não podem ser iguais aos de 2019, por todas as condicionantes existentes.

“Perdemos dois negócios de 30 mil garrafas que seriam exportadas para a Inglaterra”.

O enólogo considera, porém, que se calhar, “este ano é que se verá a falta que uma Adega Cooperativa faz na região”. Não quer fazer futurologia, mas justifica ao colocar em evidência as consequências para os pequenos viticultores de as adegas não conseguirem comprar uvas. “O que vão fazer? A única hipótese seria vender as uvas a granel para outras regiões do país, mas depois não pode ser um vinho com Indicação Geográfica Protegida (IGP). Teria de ser um vinho de mesa, o que desvaloriza logo”, explica.

A verdade, para este responsável, é que estão todos no mesmo barco e o futuro não se afigura risonho. “Ninguém sabe como a situação estará daqui a dois ou três meses. Os restaurantes estão a um quinto do que estavam e mesmo com as restrições de lotação, não há tanta procura quanto isso”, afirma.

É que estavam a ser dados passos junto da restauração para que este canal apoiasse os vitivinicultores do Algarve, com a inclusão destes néctares na carta de vinhos. Uma realidade pela qual sempre lutaram e que demorou muitos anos até que essa aposta começasse a dar os seus frutos.

Engarrafamento de produtores já começou
A adega esteve em julho a engarrafar alguns dos vinhos de produtores locais, enquanto não começava o processo de vinificação das uvas que a adega compra para fazer os seus vinhos premiados. “A prestação de serviços é um complemento e, neste momento, envolve mais de 20 vinhos” de muitos vinicultores desta zona, refere João do Ó.

“Não se vendeu quase nada e acredito que a maioria das adegas deve ter ‘stocks’ grandes. A questão é que muitas delas compravam uvas a pequenos produtores. Ora, se eles não tiverem onde colocar as uvas, se calhar vão optar pela venda a esta adega”.

Um processo que dá bastante trabalho, porque a adega nunca esteve preparada para a prestação de serviços e que obriga a que haja uma conciliação de etapas e horários. “A adega é muito antiga. Para filtrarmos aqui o vinho, temos que esticar mais de cem metros de mangueira e, no final, temos que escorrê-las todas. O edifício foi pensado para fazer milhões de litros, para trabalharem 40 pessoas sem nunca parar”, diz. Hoje, não chegam a dez trabalhadores e, por esta razão, têm de estipular fases, horários e coordenar tarefas.

Apoios e medidas não chegam para todos
A adega cooperativa Única recorreu ao ‘lay off’ durante dois meses e agora candidatou-se ao subsídio de armazenagem, medida anunciada pelo Ministério da Agricultura. Estão disponíveis 10 milhões para o país inteiro, mas não devem chegar para todos. Permitirá, contudo, que as adegas recebam uma ‘renda mensal’ pelos vinhos que estão em ‘casa’, ou seja que não são vendidos, enquanto o mercado não retoma. Há ainda outra linha de apoio que é a destilação, mas que não deverá compensar para a adega Única, segundo explica o enólogo, porque prevê um pagamento de 30 cêntimos por cada litro, que, na realidade, apenas daria para o transporte do vinho, conclui João do Ó.

Qualidade dos vinhos pode também ficar ‘abaixo’
Num ano em que quase tudo correu mal, também as expetativas quanto à qualidade dos vinhos que serão produzidos não são as ótimas. “Este ano, choveu até mais tarde. Até há cerca de três semanas ainda houve orvalho pela manhã, o que é mau, por causa do míldio e o oídio. Estes fortes calores, nesta altura, também não são bons, porque a partir de uma certa temperatura ambiente a maturação não avança. É por estes fatores que digo que a qualidade poderá ser um pouco mais inferior, mas só na altura é que saberemos de facto”, alerta.

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