Dois jovens estiveram em isolamento em Porches após regresso a Itália

Texto: Ana Sofia Varela


Foi numa casa em Porches que dois estudantes estiveram em isolamento, após o regresso ao Algarve vindos de Itália. A atribulada história que viveram nos últimos dois meses ficará na memória de ambos. Isto porque, quando viajaram para aquele país em janeiro, levavam na bagagem a vontade de aprender mais, de concluir o estágio do curso de Imagem Médica e Radioterapia da Universidade do Algarve e o desejo de dar mais um passo para se formarem como profissionais de saúde. Foram ao abrigo do programa Erasmus que permite a mobilidade de estudantes em toda a Europa.

Escolheram um dos melhores sistemas de saúde do continente europeu, mas mal sabiam que iriam coexistir naquele local com um dos piores cenários da pandemia que se tem vindo a alastrar pelo mundo, o novo coronavírus COVID-19. Quando perceberam a gravidade da situação, quiseram regressar e foi nessa altura que encontraram muitos entraves.

Enquanto estiveram em isolamento no concelho, Maria Inês Laginha, natural de Porches, e Diogo Cordeiro, de Faro, contaram a experiência ao Lagoa Informa e a maneira como a autarquia colocou à disposição os recursos necessários.

Sem sintomas, sem testes
Após uma longa cruzada para chegar a Lagoa, como os jovens não tinham sintomas, não foram sinalizados para realizar testes ao novo coronavírus. Ambos ficaram numa casa de familiares desde a madrugada de dia 31 de março, depois da autarquia os ter ido buscar ao aeroporto, em Lisboa.

“Quando chegámos, a Câmara tinha enviado um motorista, o senhor Leonel, a quem muito
agradecemos, pois sabemos que se colocou também em risco”.

“Quando chegámos, a Câmara tinha enviado um motorista, o senhor Leonel, a quem muito agradecemos, pois sabemos que se colocou também em risco”, diz com humildade Maria Inês Laginha. “Lá, o senhor Leonel deu-nos novas máscaras para deitarmos fora as que tínhamos desde Londres e, à chegada a Porches, os nossos bens não entraram em casa. Tirámos as roupas e deixámos as malas à porta e, só no dia seguinte, lavámos tudo o que tínhamos trazido”, começa por explicar a jovem.

Já tinham sido referenciados, mas não houve contacto com o Sistema Nacional de Saúde, nem com a Linha SNS24. “O que aconteceu foi que o meu pai contactou o meu médico de família e, a partir dessa altura, ele disse que estaria disponível se tivéssemos alguma dúvida ou quiséssemos falar com alguém”, conta ao Lagoa Informa. No entanto, avisou que em caso de terem algum sintoma, como febre, cansaço, tosse ou dificuldade respiratória teriam de fazer o teste. Aliás, o médico já teria passado as informações à delegada de saúde sobre os dois jovens.

Apesar de ambos acreditarem que seria melhor serem testados para ter certezas, pois há quem não revele sintomas da doença, o recomendado foi que ficassem nesta casa durante duas semanas. A viagem foi feita por três estudantes, mas um dos colegas, Miguel Reis, decidiu ir para casa em Quarteira, onde terá estado isolado.

Falta o abraço
Apesar de estarem mais perto dos familiares e amigos, ambos sentem que falta um abraço aos pais. Sempre tiveram apoio, enquanto estiveram em Itália, e sabem que os progenitores estavam preocupados, pois seguiam as notícias daquele país, que iam sendo transmitidas nos canais portugueses. Quando falavam, ainda que à distância, tranquilizavam-os.

“Estivemos sempre em contacto com as nossas famílias e também com os nossos amigos, porque foi mesmo uma situação complicada em Itália”, admite Maria Inês que, por momentos, teve receio da pandemia. Nestas últimas duas semanas, o que os separou foi apenas uma janela. “Aqui fazemos o mesmo que lá, enquanto estávamos em quarentena, com a diferença que a nossa família pode vir aqui à janela e falamos. Conseguimos vê-los e é sempre um pouco mais gratificante”, assume Diogo Cordeiro, que tem visto os pais percorrerem cerca de meia centena de quilómetros, desde Faro, para o verem, ainda que à distância. “Falta o abraço, mas há-de vir, com tempo. Para quem já esteve tantas semanas em quarentena, isto não será nada”, comenta Diogo.

Itália em Emergência
No centro da pandemia, tentaram por três vezes voltar ao Algarve, mas sempre sem sucesso. Voltando a fevereiro, Maria Inês Laginha recorda que estava em Monza, a cerca de 20 quilómetros de Milão para realizar o estágio de final de curso, no Hospital San Gerardo, através da Universidade de Milão – Bicocca. Os três alunos da Universidade do Algarve, quando estavam a entrar nos dois meses de estágio, foram avisados pela Universidade de Milão que tinham surgido casos do novo coronavírus e que, por isso, toda a atividade seria suspensa e as todas as escolas, incluindo as de ensino superior, seriam encerradas.

“Até essa altura, só a região da Lombardia estava condicionada, e ninguém saia ou entrava. Iniciámos a nossa quarentena, só íamos ao supermercado uma vez por semana, sempre com luvas e máscaras, mas era um grande risco. Não havia ninguém nas ruas, a não ser quem fosse a farmácias, hospital ou supermercados”, conta a jovem lagoense. Na primeira semana de quarentena verificaram que nem todos estavam a cumprir as recomendações de forma rigorosa, mas não havia muitas notícias. Portanto pensavam que pouco depois poderiam voltar ao Hospital San Gerardo para continuar o estágio. “Mas passados uns dias, aquilo foi um ‘boom’. Foi repentino e, por isso, o Estado de Emergência foi alargado a toda a Itália”, descreve.

Tentativas falhadas
Apesar do apoio de familiares, amigos e orientadores de estágio italianos, faltou apoio na hora de regressar a Portugal. “Os orientadores ajudaram-nos a tentar encontrar voos. Contactámos a embaixada, mas foi complicado. Por isso, tentámos por duas vezes arranjar voos por nossa conta. O primeiro era de Roma para Sevilha. Comprámos, mas foi cancelado. Noutra tentativa, comprámos um que partia de Milão, fazia escala em Frankfurt, na Alemanha, e depois seguia para Lisboa. Também esse, meia hora depois, foi cancelado. Começámos a ficar um pouco mais assustados, porque estávamos no norte de Itália, numa região bastante crítica. Estávamos a ficar com medo de não conseguirmos sair. Isto porque, também víamos as notícias de Portugal e do eventual fecho das fronteiras”, descreve.

“Estivemos sempre em contacto com as nossas famílias e também com
os nossos amigos, porque foi mesmo uma situação complicada em Itália”.

Foram então contactados duas vezes por Berta Nunes, secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, que os tentou tranquilizar, assegurando que o caso deles estava a ser visto. Esperaram uma semana e nunca mais foram contactados pela governante.

“Começámos a ficar ansiosos de novo, mas nisto uma agência de viagens entra em contacto connosco, para dizer que tinha uma parceria com o Estado. Não era um repatriamento, porque nunca houve essa situação. Todas as despesas que tivemos foram asseguradas pelas nossas famílias”, defende. Apenas um dos voos teve reembolso imediato da companhia.

Essa agência reservou bilhetes num voo de Milão para Lisboa. O orientador italiano estranhou, uma vez que todos os aeroportos estavam a cancelar voos, sobretudo aquele que seria o local de partida para os jovens. Ainda assim, acompanhou-os, colocando-se em risco de contaminação.

“Afinal, o aeroporto estava encerrado, fomos barrados por forças militares e tivemos de regressar a casa de novo. O nosso orientador que estava a trabalhar no hospital, teve de sair no seu horário de trabalho e arriscou-se, porque o único percurso que pode fazer é entre casa e trabalho, conforme a autorização prévia.Quem não cumpre é multado e estas coimas são bastante elevadas”, afiança.

Foi nessa altura que decidiram contar esta história à televisão. “Quando aparecemos na TVI, falámos, reportámos o nosso caso e a partir daí tiveram um pouco mais de atenção connosco. Ligou-nos o adjunto da secretária de Estado das Comunidades e informou-nos que a Universidade comparticiparia certas despesas nossas”, afirma.

Na sexta-feira à noite, 27 de março, foram avisados que teriam um voo no domingo de Roma, com escala em Heathrow, em Londres, e destino final em Lisboa. Teriam de se deslocar do norte de Itália, a partir do aeroporto de Malpensa até Roma, onde tiveram de pernoitar no aeroporto. “Entretanto, o presidente Luís Encarnação, enviou um motorista da Câmara para nos ir buscar a Lisboa”, relata. O autarca soube pelos familiares e tentou ajudar conforme podia.

Manter a calma
Ambos revelam ter tido medo, por estarem numa situação caótica, longe da segurança de casa e pela barreira linguística. “Apesar de falarem inglês, o italiano é predominante. Sempre tivemos um grande apoio dos orientadores da Universidade a quem nós agradecemos muito porque foram cinco estrelas e sempre preocupados connosco, até à última foram-nos levar ao comboio e asseguraram -se que estava tudo bem com a nossa partida”, elogia Maria Inês.

Já Diogo Cordeiro garante que o segredo passou “por manter a calma e viver um dia de cada vez, tentando arranjar atividades para se abstrair do cenário vivido lá fora”, resume.

O que o futuro reserva
No curso que estão a frequentar, Maria Inês Laginha e Diogo Cordeiro tratam três áreas relacionadas entre elas. São a radiologia, a medicina nuclear e a radioterapia. Em Itália só tiveram oportunidade de contactar com a radiologia, devido ao escasso tempo de estágio que tiveram, que engloba exames como um simples raio-x, a Tomografias Axial Computorizadas (TAC), ressonâncias, mamografias, angiografias ou densiometrias ósseas. A medicina nuclear também é uma área de exames de diagnóstico, enquanto a radioterapia se traduz na aplicação de tratamentos. “Agora estamos todos no mesmo barco. Todos os estágios, quer os de Erasmus, quer os que estavam a decorrer em Portugal, foram suspensos. Estamos todos em casa e não sabemos como será, porque esta é uma situação nova”, resume Maria Inês. As hipóteses podem passar por regressar ainda este ano ou repor no próximo ano letivo.

You may also like...

Deixe um comentário