Fernando Gonçalves faz arte com rolhas de cortiça

Era mecânico de transportes públicos, com 32 anos de casa, mas os confinamentos durante a pandemia colocaram-no fechado em casa. Foi, nessa altura, que Fernando Gonçalves descobriu um novo passatempo, ao qual dedica agora a maioria do seu tempo. Faz vasos para suculentas e plantas de pequeno porte, revestidos a cortiça, chaveiros, miniaturas de casas e outras pequenas peças.

“Fiquei em casa nove meses e comecei a fazer estas coisas por brincadeira, mas agora dediquei-me mais a sério a este passatempo”, conta o artesão. Está há um ano sem trabalho e precisou de encontrar uma atividade para ‘ocupar a cabeça’.

No caso das casas, “os telhados saem e as pessoas conseguem ver o que está lá dentro. Tenho o Centro de Saúde, a igreja, uma quinta e também faço as figuras em cortiça para colocar no interior”, descreve.

Primeiro fazia só essas réplicas de edifícios públicos, mas a filha lançou-lhe o desafio de construir pequenos vasos, até porque podia ser mais atrativo para as pessoas. “Comecei a fazê-los com vários formatos. É o que me vem à cabeça… Pego numa tábua, vou colando as rolhas. Nunca sei bem o que vai sair dali, mas vou ajeitando, até chegar ao produto final”, refere.

Os vasos são feitos com uma base de madeira, que tem pequenos pés por baixo para ser mais fácil levantá-los sem os deixar cair. Assim, conforme explica o artesão, a base é forrada com pequenas tiras, muito finas, de cortiça. Também desfaz as rolhas de cortiça com uma lixa, para que depois possa colocar à volta da tábua, com cola, com o objetivo de esconder a madeira. Segue-se a colagem das rolhas em altura e a colocação de um plástico para forrar a zona onde a planta e a terra estarão. Quando é regada, a água não escorre e não estraga a madeira, descreve o artesão.

“Geralmente só uso as suculentas, que são plantas pequenas e não precisam de muita rega. É só borrifar e pôr um bocadinho ao sol”, acrescenta. Por esta razão e por ter pequenos pés na base, a peça pode ser colocada no chão, numa prateleira ou em qualquer outro local deste género, porque não estragará o móvel. E quem pensa que é fácil, Fernando Gonçalves garante que para fazer um vaso médio utiliza cerca de 500 rolhas e pode demorar até cinco dias para conseguir concluí-lo.

Filha também se dedica às artes manuais
Quase que em parceria, também a filha faz alguns trabalhos em macramé e com materiais, como os pacotes de leite. No caso da ajuda que dá ao pai é a partir desta técnica de tecelagem manual à base de nós. “Eu faço o vaso e ela entrelaça as cordas da floreira para pendurar, porque para isso não tenho jeito. Ela tem pouco tempo, porque trabalha, mas quando consegue ajuda-me”, exemplifica Fernando Gonçalves.

E as encomendas já vão sendo algumas, sobretudo depois de ter começado a colocar as peças decorativas à venda em alguns locais, como cafés e supermercados locais. Por sua vez, a internet auxilia na divulgação mais rápida e para qualquer ponto, por isso Fernando Gonçalves tem uma página no Facebook (Espaço Criativo), onde os interessados podem entrar em contacto com o artesão para fazer uma encomenda.

“Tenho tido algumas vendas. Não dá para nós comermos, nem pensar. Compro as flores a 1,5 euro, vendo um vaso grande com oito flores a 10 euros… Nem paga as plantas, quanto mais o trabalho, mas estou entretido”, diz, feliz.

As artes manuais nunca foram uma opção para Fernando Gonçalves, que assegura nunca ter tido habilidade para este tipo de produtos. Só que a pandemia veio contrariar esta ideia e mostrou-lhe que, afinal, não é bem assim. Resolveu escolher a cortiça como material, porque é um produto que é português e que as pessoas jogam para o lixo depois de utilizarem, e assim é valorizada. Isto claro está, como acréscimo ao facto de ter visto que conseguia trabalhar este recurso e elaborar estas peças decorativas.

“Tenho algumas pessoas de restaurantes que, antigamente deitavam fora as rolhas, mas que agora mas dão”, acrescenta. Também é na praia que vai recolher algumas pedrinhas para compor os vasos, acompanhado por um dos netos que já mostra vontade de seguir as pisadas do avô.

E voltando às encomendas, quem adere à compra destes produtos é da região algarvia, como Lagoa, Portimão e Faro, mas também há quem os queira em Espanha. E é pedido quer por pessoas mais novas, como mais velhas.

O problema é que, às vezes, o artesão demora “muito tempo a fazer os vasos, sobretudo no Inverno, quando a cola não seca tão depressa como no Verão”, justifica. “Não uso cola quente, porque descola-se tudo depressa, uso mesmo cola”, explica.

Há várias formas e feitios de vasos, sendo este o objeto que ganha mais destaque a par das casas. No entanto, Fernando Gonçalves também cria comboios, bases para colocar as panelas na mesa, chaveiros para colocar atrás da porta de entrada. E podem ser mantidos ao natural, mas há também quem prefira um pouco de verniz para dar cor.

O certo é que tudo é construído com materiais reutilizados, que as pessoas jogam fora e que o artesão vai aproveitando.

Feiras e outros eventos
Fernando Gonçalves já participou na Feira de Artesanato, Turismo, Agricultura, Comércio e Indústria de Lagoa (FATACIL), na da Senhora da Luz e, em dezembro, estará na Feira de Natal de Lagoa.

“Não sei se estarei eu ou se vai a minha filha, mas as minhas peças estarão lá. Na FATACIL, ela foi lá ajeitar os vasos e as casas, para o stand ficar mais bonito, porque ela tem mais jeito”, conta. Quem quiser encontrar as peças de Fernando Gonçalves também poderá ir às Feiras de Velharias de Lagoa e de Silves.

De mecânico a artesão
Apesar de criar novas peças e de as vender a um baixo preço, onde quase só contabiliza o custo das flores, este é um passatempo bem diferente do que fazia antes na sua profissão.

“Sempre estive habituado a trabalhar. Foram muitos anos e, de repente, vi-me nove meses em casa. Quando voltei ao trabalho já não consegui continuar muito tempo, porque é uma profissão que já não dá para a minha idade”, confessa.

Com 61 anos, trabalhou durante 32 na mesma empresa, como mecânico de transportes públicos, na Frota Azul, em Portimão. “Era um trabalho de responsabilidade, gostava muito do patrão, mas era complicado continuar. É saturante e, por vezes, também já não há solidariedade dos colegas como havia antigamente”, diz. Por isso, os trabalhos com a cortiça funcionam como um escape.

“Vou buscar os meus netos a casa da minha filha de manhã, vou levá-los à escola, depois estou ali entretido a fazer estas ‘coisinhas’, para o tempo passar. Não sou pessoa de ficar em casa sem fazer nada e, assim, vou tendo ‘entretenha’ e não penso em mais nada”, brinca.

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