João Amado: Quis conquistar a Câmara para o PSD mas acabou a apoiar o PS

Texto e foto: Jorge Eusébio


Ao final da tarde do dia 27 de julho de 2017, a socialista Isilda Gomes apresentava a sua segunda candidatura à presidência da Câmara de Portimão. Na altura, um dos oradores foi o médico João Amado, na condição de mandatário, que iniciou a sua intervenção com a interrogação “será que estou no sítio certo?”

A pergunta fazia sentido pelo facto de a personalidade em questão estar muito habituada a fazer campanhas autárquicas, mas na ‘equipa’, adversária, a do PSD.

Hoje, João Amado recorda esse momento com um sorriso e diz que fez questão de começar a sua intervenção com essa interrogação por saber que “a minha presença ali, quer do lado do PSD, quer do próprio PS, iria causar alguma estranheza”.

Isto porque, “as pessoas acham que ser coerente é estar sempre a dizer a mesma coisa, independentemente da alteração das condições à volta”.

Coragem e liderança
A sua aproximação a Isilda Gomes tinha começado 4 anos antes, quando João Amado foi também mandatário, mas do candidato do social-democrata, Pedro Xavier. Os socialistas ganharam as eleições, mas sem maioria absoluta e “eu fui um dos defensores de que o PSD devia entender-se com o PS para resolver os graves problemas existentes, é preciso lembrar que a Câmara devia dinheiro a toda a gente, estava praticamente na falência”. Achava que, até do ponto de vista político, o seu partido “tinha tudo a ganhar ao mostrar que colocava os interesses do concelho acima de tudo”.

Esse acordo acabou por ser feito e teve como consequência a atribuição de pelouros ao vereador social-democrata. Tal opção, no entanto, foi muito contestada a nível interno e “os órgãos distritais resolveram castigar toda a gente que a defendeu, com várias sanções, tendo, no meu caso, optado pela suspensão”.

Foi nessa altura que “passei a conhecer melhor a dra. Isilda Gomes” que, ao longo do mandato, “fez o que era preciso fazer, que era pôr ordem na casa, pagar as dívidas e acabar com as muitas festas, festarolas, eventos e ideias megalómanas, que pareciam ser as prioridades do executivo anterior”.

De forma que, quando foi convidado para ser seu mandatário na segunda candidatura, aceitou e garante que “não me arrependo minimamente disso”. À atual presidente da Câmara reconhece “coragem, capacidade política e liderança”, qualidades sempre relevantes, mas que ganham ainda maior importância em alturas de crise, como a que vivemos.

João Amado diz que “acompanhei principalmente a primeira fase da pandemia e a dra. Isilda Gomes teve coragem para tomar as medidas que se impunham, às vezes até contra a Direção-Geral da Saúde e, se calhar, foi por isso que, na altura, não tivemos em Portimão uma situação mais grave”. Antes de assumir este apoio, desfiliou-se do PSD, “uma decisão que não foi fácil, pois era o meu partido desde os 18 anos, aí formei, ao longo da vida, grupos de amigos e desenvolvi uma ligação afetiva muito forte”.

As divisões internas no PSD
eram constantes e “havia pessoas que ficavam mais satisfeitas
em vencer eleições internas do que em tentar ganhar a Câmara”

Foi sempre no PSD que se desenvolveu o percurso político de João Amado, com exceção de “um pequeno período, entre os meus 14 e 15 anos, em que fui um ‘perigoso revolucionário’ do MRPP, tendo feito parte de uma célula de estudantes”.

Mas a personalidade de Sá Carneiro, que considera ter sido “o maior político português”, e a primeira campanha da Aliança Democrática, nas eleições de 1979, haviam de selar a sua ligação ao PSD para (quase) toda a vida.

Uma candidatura inesperada
O momento mais alto que viveu na política foi como candidato à presidência da Câmara de Portimão, em 2005, que, confessa, “não estava minimamente nos meus planos”. Acontece que “o PSD teve, durante muitos anos, um problema chamado Carlos Martins, que era visto como o candidato natural e que, por uma razão ou outra, não avançava”.

Isso mais uma vez aconteceu naquele ano, o que fez com que, “a poucos meses das eleições, o partido estivesse sem candidato e o então presidente da comissão política, Pedro Martins, convidou-me”. Para além do “poder muito grande que o PS tinha e continua a ter no concelho, o grande problema com que me deparei foi com um PSD extremamente dividido, houve até uma fação que apoiou uma candidatura independente para combater a nossa”.

Também com Jaime Dias, o nº2 da coligação então formada – o Portimão Primeiro, que integrava o PSD, o CDS, o PPM e o MPT – “a meio da campanha já estava aborrecido com a forma como as coisas corriam e no dia a seguir às eleições fez um acordo com o PS”.

A campanha acabou por ser levada a cabo “por mim, pelo Pedro Martins e por mais duas ou três pessoas”, que faziam tudo, inclusivamente, os cartazes e “até a letra do hino da campanha fui eu que a escrevi”. Acredita que, “com uma oposição unida podíamos ter vencido as eleições, mas, naquelas circunstâncias, tinha a perfeita noção de que a campanha não ia a lado nenhum”.

Lembra que as divisões internas no PSD de Portimão eram constantes, “havia pessoas que ficavam mais satisfeitas em vencer eleições internas do que em tentar ganhar a Câmara”.

Como se previa, as autárquicas tiveram o desfecho habitual em Portimão: a vitória do PS. João Amado manteve-se como vereador durante cerca de três anos e depois “como não tinha ambição de voltar a ser candidato, renunciei ao mandato”.

Paixão pela medicina
A medicina sempre foi a área profissional que quis seguir, apesar de não ter ninguém na família ligado a ela. Formou-se em Coimbra e, de regresso ao Algarve, fez a especialidade em cardiologia em Faro e o internato no então Hospital Distrital de Portimão, que é o atual Hospital de São Camilo, que dirige. Ao longo da sua vida “estive no setor público, no privado e no social” e entende que todos eles são válidos e que os dois últimos devem ser complementares do primeiro.

Na sua opinião, a saída de profissionais do setor público deve-se muitas vezes, não tanto à questão financeira, mas “porque a capacidade de evoluir e de fazer coisas diferentes é maior no setor privado”. Nos hospitais públicos “o processo de decisão é lento, os profissionais muitas vezes esperam uma eternidade para que um equipamento necessário seja adquirido, enquanto no privado numa semana o problema está resolvido”.

A construção de um novo hospital na região é, frequentemente, apresentada como a solução milagrosa para os problemas existentes ao nível da saúde pública. João Amado não concorda com essa ideia, acha que “ela serve, desde há muitos anos, como desculpa para aquilo que não se faz, pois a questão essencial está na falta de investimento em equipamento diferenciado e isso pode e deve ser feito com ou sem um novo hospital”.

Para diminuir a falta de médicos uma das medidas que defende é que se coloque um maior número de profissionais a fazer as especialidades em hospitais periféricos e não, como geralmente acontece, nos dos grandes centros. Muitos deles criariam raízes e até formariam família nessas zonas, o que levaria a que, com mais facilidade, aí se fixassem, resolvendo-se, dessa forma, parte do problema de recursos humanos.

Reconstrução do hospital foi o grande desafio
Para além de diretor clínico do Hospital São Camilo, João Amado é também – desde há 9 anos – provedor da Misericórdia de Portimão e já anunciou que sairá do cargo no final deste mandato. A decisão é justificada por entender que “ao fim de alguns anos à frente deste tipo de instituições, há o risco de se começar a pensar que ninguém é melhor do que nós e devemos sair antes que isso aconteça”.

Por outro lado, considera que “tudo o que me propus fazer está feito”. Um dos grandes desafios com que ele e a instituição se debateram foi a recuperação e viabilização do hospital da Misericórdia, que, depois de 1975 e até à abertura do Hospital do Barlavento, em 1999, funcionou como o Hospital Distrital de Portimão.

Nessa altura foi devolvido à Misericórdia, “mas só com as paredes e com ampliações e obras realizadas pelo Estado por legalizar, que muitas dores de cabeça nos têm dado”.

O então provedor, José Francisco Serralha, avançou com um projeto de recuperação e ”em 2005 convidou-me para diretor clínico do hospital”. Ao longo de vários anos foi feito um grande investimento para implementar diversas valências, sendo uma delas “o projeto piloto de cuidados continuados, de que fazemos parte desde o início e que foi uma das missões que mais me motivou”.

Entretanto, lamenta, boa parte das promessas feitas pelo poder político não foram cumpridas, o que deixou a Misericórdia em situação muito difícil e o futuro do hospital em risco. A solução passou por uma parceria com o grupo HPA (Hospital Particular do Algarve).
Nesta altura, garante, “temos todo o espaço aproveitado, com bloco operatório, internamento médico e cirúrgico, consultas externas nas várias especialidades, exames complementares e com médico permanente, 24 horas por dia”.

Os perigos do negacionismo
Para além do hospital, a Misericórdia conta com 2 lares com capacidade para 60 idosos, serviço de apoio domiciliário (100 utentes), centro de dia (com capacidade para 50 pessoas), duas unidades de cuidados continuados (45) e uma ala para os mais pequenos, com creche, pré-escolar e sala de estudo, para um total de 70 crianças. O período de pandemia que vivemos tem obrigado à tomada de medidas preventivas para tentar evitar a ocorrência de surtos. Uma delas foi o encerramento do centro de dia, passando o apoio aos utentes que dele necessitem a ser feito em regime domiciliário.

Os procedimentos que tiveram de ser feitos “implicam um custo elevadíssimo para a instituição, ao nível da compra de material de proteção individual, obras de adaptação e do reforço dos meios humanos”, diz João Amado.

O médico/provedor mostra-se moderadamente otimista com a possibilidade de, a curto prazo, vacinas contra a covid-19 ficarem disponíveis. Se forem eficazes, “provavelmente, poderemos estar, nesta altura, a passar pela pior fase da pandemia”. No entanto, “há ainda muitas incertezas, não sabemos, por exemplo, quanto tempo dura a imunidade ou quais serão os efeitos secundários das vacinas”.

Em face disso, “não podemos baixar a guarda, nem deixarmo-nos seduzir por discursos negacionistas, que são perigosíssimos”. João Amado percebe que “as pessoas têm muita vontade de voltar à sua vida normal, mas agarrarem-se a este tipo de disparates é o pior que podem fazer”.

You may also like...

Deixe um comentário