João José: do Desporto Escolar em Portimão ao cargo de selecionador nacional

Texto: Hélio Nascimento | Foto: CM Portimão, in Portimão Jornal nº39


Em entrevista ao Portimão Jornal, João José, 43 anos, figura incontornável da modalidade que abraçou ainda no tempo da escola, fala do seu percurso, do razoável crescimento do voleibol no Algarve e dos seus propósitos à frente da Seleção.

Vamos começar pelas raízes portimonenses: como foi a infância e os primeiros contactos com o desporto e com o voleibol em particular?
Penso que, como uma grande parte da minha geração, o primeiro contacto foi mesmo com o futebol de rua, passando mais tarde para o futebol federado e, bem mais tarde, com 15 anos, é que apareceu o voleibol através de um colega de turma que me levou para o Desporto Escolar.

Em que clubes jogou?
Comecei por representar a Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes pelo Desporto Escolar, seguiu-se a ACD Che Lagoense, Machico, Marítimo, Castêlo da Maia GC, VFB Friedrichshafen e AJ Fonte Bastardo.

Foi ‘mais a sério’ a partir de que altura?
‘Mais a sério’, enfim, não sei se há algum atleta que tenha chegado a profissional que não tenha levado a sério a sua modalidade ou o desporto desde a primeira vez que o experimentou. Mas penso que o ‘mais a sério’ a que se refere foi a primeira vez em que joguei numa equipa sénior. Tinha 16 anos e foi na ACD Che Lagoense. A forma intensa como vivemos aqueles poucos anos de clube levei para a minha vida desportiva e ajudou-me na minha formação, não só como atleta, mas, também, como pessoa.

Foi o desporto que o levou a sair de Portimão? E os estudos?
Sim, o desporto levou-me a lugares pelos quais nunca, nem nos meus mais rebuscados sonhos de criança, pensei por lá passar. Os estudos coloquei-os em pausa para poder ser profissional e terminei-os mais tarde.

Daí para cá têm sido muitas emoções, como vestir a camisola da Seleção Nacional…
Representar a Seleção Nacional, o nosso país, é um orgulho, uma responsabilidade, um dever, uma oportunidade, uma obrigação, é um privilégio, é poder cantar o hino nacional lá em baixo dentro de campo, tudo isto com satisfação, com alegria, prazer, empenho, dedicação, vontade de trabalhar, sacrifício do próprio em benefício de algo que é maior do que nós. É ter a capacidade de perceber que uma parte da nossa vida pessoal é colocada em pausa por um objetivo desportivo comum, isto de uma forma intrínseca, com vontade, sem medo, sem desculpas porque os problemas e as dificuldades que vamos encontrar não vamos deixar que sejam superiores à nossa vontade de as superar.

O 8º lugar de Portugal no Mundial da Argentina?
Integrar a Seleção no Mundial de 2002 foi igual a todas as outras. Houve anos em que ficámos muito aquém do que deveríamos ter feito, outros que estivemos muito próximo de o fazer e outros, como em 2002, que conseguimos a nossa recompensa, a nossa cereja no topo do bolo.

Foi nessa altura que Portugal passou a ser mais conhecido no panorama internacional?
Não tenho competência para responder a essa pergunta, pois não sei qual era o panorama anterior.

Em 2004 iniciou a sua carreira internacional e teve enorme sucesso. Que sentimentos guarda desses tempos?
Sem dúvida que tudo mudou quando fui para o Friedrichshafen. Agora era eu o estrangeiro, numa cidade onde o investimento principal no desporto, quer de patrocinadores, quer municipal, ia para o voleibol, num clube em que ganhar o campeonato e a taça era uma obrigação e se sonhava poder ter mais presenças em fases finais da Liga dos Campeões e vir um dia a vencer uma. Tive o privilégio de representar um dos clubes mais bem estruturados da Europa, num país culturalmente diferente do nosso, onde fomos muito bem-recebidos e acarinhados.

A família estava consigo?
A minha esposa sempre me acompanhou e o nosso filho mais velho nasceu lá. Aliás, eu sou de Portimão, a minha esposa é madeirense, o meu filho mais velho nasceu na Alemanha, o mais novo na Terceira e, neste momento, residimos todos no Porto.

Das muitas distinções que conquistou, quais são as que mais o marcaram?
Ter perdido a qualificação olímpica por dois pontos…

O voleibol nacional continua a progredir?
Só consigo responder em termos percetivos, mas penso que sim. Mas também pode ser tudo uma questão de perspetiva. Se pensarmos na modalidade no aspeto lúdico, de ocupação de tempos livres ou por uma questão de saúde, a modalidade e o seu número de praticantes têm crescido, porque de uma forma geral as pessoas estão mais disponíveis para a prática desportiva do que há 20 ou 30 anos. Os próprios pais também procuram que os filhos pratiquem pelo menos um desporto. No aspeto do rendimento ou desporto federado, tem existido um certo crescimento, com alguns períodos de estagnação. Se avaliarmos por esta perspetiva estamos a quantificar e a avaliar o seu crescimento pelo número de praticantes. Ou seja, se entrarmos na modalidade, na vertente de alto rendimento, preparar e projetar os nossos atletas no futuro, com o objetivo de potenciarmos aquilo que são as suas capacidades para o alto rendimento, penso que ainda temos um longo caminho a percorrer.

E como vai o voleibol no Algarve? Tem uma expressão reduzida, porquê? Como pode melhorar?
Bem, segundo sei, tem crescido, pois penso que nunca tivemos tantos clubes de voleibol no Algarve como neste momento, ou, pelo menos, já havia muitos anos que não tínhamos. Gosto pouco de recorrer à questão cultural, mas, de facto, este é um tema em que é difícil não recorrer à resposta fácil, de a expressão reduzida do voleibol no Algarve ser uma questão cultural. Somos um país de futebol. Não é só o voleibol que tem pouca expressão, são as ‘modalidades’ no geral. O facto de fazermos a distinção entre futebol e modalidades, como se o futebol não fosse uma modalidade, já explica muita coisa.

Quando deixou de jogar já tinha a ideia de continuar na modalidade? Passou logo a treinador?
Sim, sempre existiu uma vontade de continuar ligado à modalidade, não sabia bem de que forma, se seria como treinador ou outra função, pois ser profissional de desporto em Portugal não é fácil. Sei que ainda poderia ter jogado mais uns anos, mas a oportunidade surgiu na Associação de Jovens da Fonte do Bastardo. Ainda atleta da Fonte, num ano de renovação da equipa técnica, tive a proposta para fazer a transição de atleta para treinador principal e não foi uma decisão fácil, pois ainda me sentia capaz de jogar por mais algum tempo. No entanto, como as oportunidades aparecem quase sempre de formas inesperadas, após alguma ponderação em família, acabei por terminar e precipitar o final da minha carreira, enquanto atleta, e iniciar uma nova etapa, enquanto treinador.

Como foi a chegada à equipa técnica da Seleção?
No meu segundo ano enquanto treinador da Fonte, surgiu um convite por parte do professor Vicente Araújo, atual presidente da Federação Portuguesa de Voleibol, para integrar a equipa técnica da Seleção Nacional sénior masculina como treinador adjunto, o qual aceitei, passando depois a pertencer ao quadro técnico da FPV.

E dirigir a equipa feminina?
Depois de dois anos como adjunto da Seleção Nacional masculina, fiz a transição para treinador principal da Seleção sénior feminina, onde, posso afirmar, foi sem dúvida a melhor experiência que tive na minha ainda curta carreira de treinador, não só pelos resultados desportivos, que foram razoáveis, mas pelo seu todo. A forma fácil como todos e todas se entregaram ao trabalho e souberam lidar com os constrangimentos, muitos deles devido à situação de pandemia que estávamos a atravessar. Todas as suas restrições e condicionamentos que dificultaram a preparação e a organização das competições…

O que representa ser agora responsável máximo da Seleção principal masculina?
A mesma responsabilidade, o mesmo desafio, o mesmo foco. Como conseguir manter o desempenho e a conquista dos objetivos desportivos em momento de renovação. Temos uma seleção já experiente, mas que tem de iniciar o seu processo de renovação. Penso que será um processo difícil nesse sentido, pois os atletas mais experientes, devido a alguma saturação causada pelo constante ritmo dos trabalhos de clube, com imediata integração nos trabalhos de seleção, começam a ter mais dificuldades em dispor da energia necessária que precisamos para conseguir trabalhar a um ritmo que nos permita obter resultados a nível internacional. E os mais jovens podem ainda não estar preparados para assumir esse papel. Os atletas que temos nesse nível são muito poucos e, qualquer um que não possa estar disponível, tem sempre impacto no grupo de trabalho. Para isso precisamos que o grupo seja constituído por atletas jovens e atletas experientes. Acreditamos que o grupo deve ser constituído pela maturidade e consolidação vinda da experiência e da energia e ambição próprias da juventude.

Nas atuais funções, qual o grande desafio e propósito?
O grande desafio será mesmo esse, introduzir jovens no grupo de trabalho, diminuir a responsabilidade de rendimento por parte dos mais experientes, mantendo os mesmos objetivos desportivos com o propósito de, a médio prazo, aumentarmos o número e o nível de atletas de nível internacional.

Melhor blocador do mundo

Natural de Portimão e nome sobejamente conhecido no voleibol português, João José, hoje com 43 anos, praticou vários desportos, mas foi no voleibol que se destacou, tendo dado os primeiros passos no Desporto Escolar na Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes. O seu primeiro clube sénior foi a ACD Che Lagoense, aos 19 anos tornou-se jogador profissional pela Associação Desportiva de Machico, na I Divisão Nacional, e em 2004 iniciou a sua carreira internacional, representando o clube alemão VFB Friedrichshafen, até 2013, onde conquistou 13 títulos (sete campeonatos, quatro taças e uma Liga dos Campeões), tendo sido capitão de equipa a partir da época 2005/2006. Representou a Seleção Nacional de 2002 a 2015 – capitão desde 2004 – e fez parte da equipa que esteve no Mundial da Argentina em 2002, que conseguiu o 8º lugar, sendo considerado, então, o melhor blocador do mundo. Nove vezes campeão nacional, venceu a Liga Europeia em 2010 e, em 2016, abraçou a carreira de treinador, na Fonte do Bastardo, passando a integrar a equipa técnica das seleções dois anos mais tarde. Esta época, assumiu o cargo de selecionador principal português.

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