Marchas populares são a bandeira do centenário e renovado Sporting Glória ou Morte Portimonense

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Eduardo Jacinto, in Portimão Jornal nº51


Chama-se Sporting Glória ou Morte Portimonense, um nome que logo à partida suscita curiosidade, e, quase a festejar 103 anos de existência, apresenta uma vitalidade que apraz registar.

O Portimão Jornal confirmou a alegria, quando, em plena e nova sede, várias dezenas de pessoas preparavam mais um desfile pelas ruas do concelho. Após dois anos de paragem, devido à pandemia, o regresso das Marchas Populares foi a melhor das vitaminas. 

Nuno Velasques, o presidente também marchante, é perentório quando diz que “isto está no nosso sangue”. Ficar dois anos parado “foi deveras complicado”, porque são as Marchas que “nos fazem saltar e nos mantêm vivos”. O Glória exibiu-se no Portimão Arena, Mexilhoeira, antiga Lota de Portimão, Alvor e Praia da Rocha, mas já desfilou fora do concelho e até meados deste mês a atividade prossegue.

São 48 os marchantes que têm andado nas Marchas Populares, e, entre eles, Francisco Velasques, pai do presidente e outro entusiasta por esta causa, de tal modo que até muda de semblante quando lhe falamos na pausa forçada.

“Foi uma desgraça! Sempre marchei com a minha esposa, os meus três filhos também, enfim, ainda bem que passou essa fase. Isto é uma alegria para mim”, exclama o agora padrinho da marcha do Glória, que desde os 18 anos passou por diversos cargos na Direção, desde diretor desportivo ligado ao futebol até à Direção. Hoje, aos 69 anos, a sua energia é contagiante.

Uma sede à altura dos pergaminhos 
Nuno Velasques está na presidência há cerca de dez anos, e, como diz, “nasci no Glória”. A ligação vem desde sempre, alicerçada em laços familiares, inclusive dos avós. “Fui secretário, depois vice-presidente e agora lidero a direção”, explica este técnico de vendas, de 48 anos, pronto a contar um pouco da história do Glória. Só “um pouco”, porque do passado há muito por desvendar.

O Glória ou Morte foi fundado em 19 de outubro de 1919 e vai, portanto, festejar os 103 anos de vida. Começou por ser um clube de futebol, com uma equipa forte, que rivalizou com o Portimonense e chegou a ser campeão do Algarve em 1931/32. Rezam as crónicas que o primeiro algarvio a representar o Benfica, de seu nome José Rosa da Luz, saiu do Glória para jogar no emblema da águia…

Nascido pela vontade de pescadores e operários da indústria conserveira, o clube teve a sede instalada na Zona Ribeirinha, por cima da Ponte Velha, até que a senhoria resolveu colocar um ponto final no arrendamento, “há cerca de uma dúzia de anos”. A passagem para a antiga lota permitiu manter a atividade, mas só isso, porque o espaço “estava em ruínas e não tinha condições”.

Mas tudo ia mudar. E para melhor, com uma sede à altura dos pergaminhos da coletividade, inaugurada, precisamente, no dia do centenário. “A presidente Isilda Gomes cedeu-nos este local e as condições agradam sobremaneira. Da minha parte estou totalmente satisfeito, pois, dispomos de um anfiteatro, de uma sala enorme, bar e cozinha. A primeira sede, recordo, tinha uma sala espetacular e a nível de acústica não havia melhor, mas não podemos chorar sobre o leite derramado. Estamos bem e renovados”, salienta Nuno Velasques.

Número de sócios tem aumentado
A nova sede situa-se na zona da Avenida 25 de Abril, paredes-meias com a delegação da Cruz Vermelha. “A localização é boa e até temos mais sócios”, agora à volta de 500, pagantes, um número que entusiasma o presidente.

“A criação do Grupo Coral, que tem três meses e meio e ainda é um bebé, trouxe também mais gente”, reconhece, referindo a festa que foi realizada – com baile – quando o citado grupo teve honras de apresentação geral aos associados.

Brevemente, vem aí uma surpresa, revela Nuno Velasques, aludindo à história das cinco populares coletividades da cidade (Clube União, Sociedade Vencedora, Boa Esperança, Pedra Mourinha e Glória ou Morte).

“Vai ser giro, mas não posso adiantar mais”, diz, com um sorriso cúmplice, antes de confessar que não tem dados sobre as razões que levaram os fundadores a optar por Glória ou Morte no nome de um clube que até tem uma caveira no símbolo. “Não sei dizer, sinceramente. Talvez nessa história se possa descobrir”.

Os sócios da coletividade pagam 20 euros anuais, uma quotização que seria de todo insuficiente para sobreviver caso não houvessem outras ajudas. “Sempre tivemos o apoio da Câmara Municipal, incansável neste sentido, bem como o da Junta de Freguesia. O resto das receitas vem das quotas e do bar, que só abrimos quando há eventos. Isto é pura carolice”, assume, com uma referência às muitas horas de trabalho e de dedicação, naturalmente em detrimento do descanso e da família, algo que é transversal a todos os elementos da direção.

Voltar a Lisboa e à Avenida da Liberdade
Falar das Marchas com as pessoas do Glória provoca sempre sorrisos rasgados. Os atuais padrinhos são o já citado Francisco Velasques e Maria da Luz, presidente da Junta de Freguesia, que “também nasceu muito ligada à coletividade”.

Os dois padrinhos, aliás, desde a tenra idade de três anos que começaram a marchar. “Temos elementos dos cinco aos 74 anos e Isilda Gomes é a nossa madrinha honorária”, revela Nuno Velasques.

Os desfiles por altura dos Santos Populares recomeçaram em força em 2000, depois houve uma paragem, e voltaram em 2014. “Levámos Portimão à Avenida da Liberdade, em Lisboa, no ano de 2016, em conjunto com as outras coletividades da cidade. Tenho o sonho de lá voltar, com uma marcha só nossa”, enfatiza o presidente, satisfeito por contar com muita juventude no grupo, embora lamente que os rapazes ainda sejam poucos.

“Temos muitas raparigas, mas falta despertar mais rapazes para as marchas. Seja como for, os pares são suficientes”, garante quem também se veste a rigor para levar as cores do Glória por esse Algarve fora. “Fui padrinho durante alguns anos, mas ultimamente tenho desfilado como marchante”.

O Glória vive igualmente dos bailes e dos festejos do Carnaval, um outro “ponto forte, cuja tradição não queremos perder”, pelo que os foliões ficam já a saber que o Entrudo será festejado a rigor no próximo ano. Quanto aos bailes, foram durante muito tempo “o sustento e grande receita” do clube.

O ‘cérebro’ das marchas
Nuno Vicente, vice-presidente, é o ‘cérebro’ e grande mentor das marchas. É ele que desenha os fatos e faz a coreografia, sempre com a concordância de todos. “Dá muito trabalho e tira horas de sono e de presença em casa. Temos de ensaiar muito, e, este ano, só começámos a treinar em março, quando o hábito é arrancar logo em outubro”. O mote do centenário, porém, fazia todo o sentido, daí que tivesse sido mantido, tal como idealizado antes da pandemia.

“Temos uma costureira que nos ajuda a fazer as roupas e as marchantes também colaboram. Tudo por carolice, está bom de ver, e é assim que saímos para a rua”, num verdadeiro espírito de equipa e trabalho em conjunto, ao qual a Direção, obviamente, se associa. Os ensaios, por norma, decorrem no Pavilhão da Pedra Mourinha, um espaço gentilmente cedido e que se adequa às necessidades de colocar cerca de meia centena de protagonistas em ação.

“A marcha de 2023 já está em preparação”, atira Nuno Vicente, à laia de revelação. “O tema e a coreografia existem e um colega avançou com a letra. A roupa vai continuar a ter maior frescura”, anuncia, guardando o resto para daqui a um ano. O vice-presidente tem 49 anos, ‘anda’ no Glória desde que nasceu e resolveu pegar na marcha há seis ou sete anos, porque sempre teve “algum jeito para as artes”, como nos diz.

“É complicado proceder a todos estes preparativos, mas é gratificante, e até temos um deficiente connosco”. Nuno Vicente destaca ainda a necessidade (geral) e a satisfação (própria) de contribuir para a “cultura da cidade e para a sociedade”, apelando a que “mais carolas transmitam estes valores para as futuras gerações”.

E faz falta o folclore, vinca, ao mesmo tempo que Francisco Velasques, o decano da instituição, quer ver “mais clubes a dedicarem-se às marchas”.

Maria da Luz, a madrinha

Maria da Luz, presidente da Junta de Freguesia de Portimão, é a madrinha da marcha. Foi convidada há dois anos e teve de esperar que a pandemia permitisse, finalmente, sair à rua. “Agora, claro, não ia falhar, até porque as marchas fazem parte da nossa cultura e importa preservar esta identidade”, sublinha, apelando à participação dos cidadãos neste tipo de eventos. “A Junta tem como princípio apoiar os clubes e as associações da cidade, e, por isso, tanto o Glória como as outras coletividades serão sempre alvo da nossa atenção. Estamos em total sintonia”, afirma Maria da Luz, pronta para mais uma noite de festa. “Se vou marchar? Sou madrinha e marchante e faço-o com todo o prazer. É uma estreia e estou a gostar imenso”.

Futsal, teatro e noites de fado

Nuno Velasques tem mais projetos em carteira, todos eles apontando à valorização do clube e ao desejo de angariar novos associados, contribuindo, igualmente, para dotar a cidade de maior oferta de motivos de lazer. “Vamos manter o futsal, que faz parte da essência do Glória, participando no torneio de Verão da Pedra Mourinha, como fazemos há anos, formando uma equipa com as nossas cores”, acentua o presidente, dando a seguir conta de um desejo que vai ganhando raízes. “Gostava de criar uma escola de teatro, inclusive porque temos condições para isso. Mas cada coisa a seu tempo. Seja como for, quem quiser colaborar connosco é bem-vindo, a exemplo do que sucedeu com o Grupo Coral”. Os bailes estão sempre presentes, com uma calendarização preenchida, e, não tarda, vêm aí as noites de fado. “Em setembro, aos sábados, vamos organizar essas sessões de fado. Tivemos uma experiência, há cerca de dois anos, e constituiu um sucesso, com cerca de 150 pessoas na sala. Agora temos mais condições”, garante, após algumas obras que beneficiaram o amplo espaço, funcional e acolhedor.

Emília Inácio, a benjamim

Emília Inácio é uma das mais novas da marcha do Glória. Tem nove anos, frequenta o terceiro ano de escolaridade e irradia alegria. Enquanto aguarda pelos últimos ‘retoques’ no vestuário com que vai desfilar – a cor dominante é o azul – confidencia ao Portimão Jornal que esta é já a terceira vez em que participa nas Marchas Populares. “Gosto muito. É uma paixão, quer pela música, quer pelas pessoas e pelo ambiente. Tudo junto é um prazer e andava a sonhar com isto há muito tempo, porque estivemos dois anos parados”, explica Emília, a transbordar graciosidade. “Nervos? Às vezes tenho um bocadinho, outras vezes não”, diz a sorrir e à espera da concordância de Nuno Velasques. “No primeiro dia é que há mais nervos”, acaba por admitir.

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