Novos saberes, partilhas e amigos na agenda da ‘geração grisalha
Texto: Hélio Nascimento | Foto: Eduardo Jacinto | in Portimão Jornal nº35
Somos um grupo de geração grisalha”. É assim, de modo peculiar, que Maria Fernanda Teixeira identifica a Universidade Sénior de Portimão, que integra o Instituto de Cultura da cidade, com a base sediada na Casa das Artes, um polo de atração para muito boa gente e que comporta mil e uma atividades, qual delas a mais fascinante.
“Vimos aqui de segunda a sexta-feira, para partilhar ideias, partilhar a vida, conviver e participar num vasto conjunto de aulas, desenvolvendo ações que tinham ficado de lado, face às nossas carreiras profissionais, e que, agora, são possíveis de levar a cabo. Temos essa vantagem, porque somos todos reformados”, reconhece a presidente, anfitriã do Portimão Jornal numa tarde de alguma conversa e de um incrível registo de como a vida é algo belo e singular.
As aulas são de uma diversidade imensa, desde a História da Arte à Contemporânea, à dança, teatro, música com cavaquinhos, e, para quem quiser aprender, inglês, francês ou espanhol.
“A Universidade Sénior existe há quase 30 anos e tem uma frequência aproximada de 120 a 160 alunos. Podiam ser mais, mas não dispomos de instalações para albergar maior quantidade de pessoas e algumas ficam com a inscrição em suspenso, até existirem novas vagas. Com mais espaço, tínhamos de certeza mais alunos”, garante Maria Fernanda.
Os professores estão todos em regime de voluntariado. São cerca de 20 e vêm todas as semanas, das 15 horas em diante. “As aulas de teatro e de dança costumam ser mais prolongadas” e decorrem sempre nas instalações da Casa das Artes, um polo do Instituto de Cultura de Portimão que também abarca outras valências, nomeadamente na música (o Grupo Coral é um desses exemplos) e nas artes, a cargo da dra. Estela, num total de mais cinco associações para lá da Universidade Sénior.
Inspiração para o momento e coragem para fases difíceis
O arranque do ano letivo começou com alegria e boa disposição, perante uma assistência numerosa. Maria Fernanda aproveitou para “partilhar algumas notas que reputo de relevantes”, dirigindo-se sobretudo aos novos alunos, frisando que “a Universidade Sénior é um local de novos conhecimentos, para trocar experiências e partilhar a vida”, e que, “independentemente do grau de amizade, do nível do conhecimento ou da força da relação, todos nos influenciamos mutuamente”.
A presidente, de palavra fácil e ótima comunicadora, prossegue: “Nunca somos inócuos. Há sempre quem busque em nós inspiração para o momento, ou forças para o dia, ou, até, coragem para uma fase mais difícil”.
A reportagem do Portimão Jornal está rendida às palavras de Maria Fernanda e ao seu entusiasmo. “Numa fase da vida em que temos muito que ensinar, em que as recordações nos fazem sorrir, em que a vida tem um especial encanto do caminho percorrido, a Universidade Sénior quer escrever algumas páginas novas, cheias de novos saberes, partilhas, amigos e muitos sorrisos”.
Os objetivos, de resto, são simples e inserem-se no que temos vindo a anunciar. “Queremos incentivar a participação de seniores em atividades culturais, cidadania e lazer, bem como contribuir para a melhoria da qualidade de vida e impulsionar a sua participação cívica e auto-organização, nomeadamente no período pós-reforma”. A propósito, diga-se que todas as pessoas reformadas se podem inscrever na universidade, independentemente da idade.
Maria Fernanda dirige-se depois com “especial carinho e gratidão” aos professores, que, “em regime de voluntariado e de forma tão generosa e disponível, têm transmitido ao nosso instituto os seus conhecimentos e as suas ricas experiências de vida, com as quais permitiram durante estes anos, e certamente continuarão a permitir, que aconteçam momentos únicos de aprendizagem, relacionamento humano e social que hão de influenciar de maneira positiva a comunidade onde estamos inseridos”.
A felicidade como bandeira
Leitura de poemas, demonstração de alguns passes de dança e de folclore, bem como uma fantástica passagem de modelos – a cargo, sobretudo, das alunas – e uma exibição musical de cavaquinhos pela tuna residente na Casa das Artes fizeram ainda parte da sessão de boas vindas, que terminou com um agradável lanche.
“Sou uma mulher simples e tudo o que faço é de coração”, releva Maria Fernanda, sem mãos a medir neste início de mais um ano de trabalho e camaradagem, sempre assente na valorização do ser humano.
“A nossa experiência, baseada nos resultados já obtidos, leva-nos a acreditar que vale a pena continuar com este projeto, com o mesmo entusiasmo inicial, tendo sempre em vista o objetivo que nos move, que é o de sermos felizes e fazermos felizes todos os que aqui se matriculam”.
Os alunos, de resto, são entusiastas e participativos, levantando sempre inúmeras questões. Num vasto lote de reformados (desde licenciados a, por exemplo, empregadas domésticas), são as mulheres que estão em vantagem, porque, como diz Maria Fernanda, parece que os “homens oferecem um bocadinho de resistência”.
“Fazemos muitos passeios, culturais e de lazer, e, no fim do ano, há sempre uma excursão grande. Tentamos viajar para um local onde exista uma Universidade Sénior, para promover o intercâmbio, para nos valorizarmos e enriquecer o nosso programa”, destaca a presidente, dando conta de um encontro realizado em Faro, com instituições algarvias, e de um outro promovido pela casa portimonense.
Uma mulher dos sete ofícios
Maria Fernanda Teixeira é uma mulher exemplar, uma mulher que abraça causas como o amor pelo próximo, o voluntariado e a defesa intrínseca dos mais desfavorecidos. Nasceu em São Tomé e Príncipe e foi inspetora da… Polícia Judiciária!
“Nunca trabalhei no Algarve. Estive em Leiria, Coimbra e vim para Portimão há cerca de dez anos”, narra a antiga inspetora, especialista em crimes contra as pessoas, embora “tenha corrido vários departamentos”.
Licenciada também em medicina, a presidente da Universidade Sénior tinha “uma atividade a mil”, pelo que, depois da reforma, “não conseguia ficar parada”. Uma vez que o voluntariado sempre foi uma das suas paixões, dirigiu-se, já em Portimão, ao hospital, oferecendo os seus serviços, que, de pronto, foram aceites. Ainda hoje continua a trabalhar como voluntária na unidade hospitalar da cidade.
“Queria também aprofundar o inglês, pelo que me dirigi a estas instalações, para me inscrever. Não havia vaga e tinha de ficar à espera, mas, quando viram a minha ficha, que tinha sido inspetora da PJ, chamaram-me de imediato”, recorda Maria Fernanda.
Começou por dar aulas do seu ramo, ensinando estratégias para as pessoas evitarem serem vítimas de crimes, roubos e assaltos. “Foram aulas muito interessantes, de que os alunos gostavam imenso” e que se prolongaram por quatro a cinco anos. “Entretanto, houve eleições e lançaram-me o repto para ser presidente da Universidade Sénior. Hesitei em relação ao convite, de início, mas acabei por aceitar. Desde 2019 que sou presidente. E faço tudo com muito gosto”, garante, apesar de ser um “cargo desgastante”, ao qual, porém, “me dedico a 100 por cento, como foi sempre na minha vida profissional e depois também no hospital”.
Igualdade de oportunidades para as pessoas mais velhas
Se já leu, naturalmente, algumas das linhas desta reportagem, ficou a saber os grandes propósitos de uma Universidade Sénior. Seja como for, e porque há muito mais, em termos gerais, para contar, veja também outra ideia do que é ‘envelhecer’…com qualidade de vida. Assim, a abordagem do envelhecimento ativo e bem-sucedido baseia-se no reconhecimento dos direitos humanos das pessoas mais velhas, e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e autorrealização. O planeamento estratégico deixa de ter um enfoque baseado nas necessidades e passa a estar baseado nos direitos, o que permite o reconhecimento dos direitos das pessoas mais velhas à igualdade de oportunidades e tratamento de todos os aspetos da vida à medida que envelhecem. Esta abordagem tem dupla importância: do ponto de vista individual é fundamental para uma velhice mais positiva, ativa ou bem-sucedida; por outro lado, do ponto de vista coletivo é do interesse generalizado que a sociedade seja constituída por pessoas saudáveis. Quanto mais saudáveis e ativas forem as pessoas mais velhas, maior a sustentabilidade dos serviços de saúde e de apoio social.
O programa de educação de adultos com mais sucesso no mundo inteiro
A Universidade Sénior de Portimão está inscrita na RUTIS, uma espécie de federação que engloba todos estes projetos. Trata-se da Associação Rede de Universidades da Terceira Idade, uma Instituição Particular de Solidariedade Social e de Utilidade Pública de apoio à comunidade e aos seniores, de âmbito nacional e internacional, criada em 2005 e que tem, atualmente, 305 membros, 45.000 alunos seniores e 5.000 professores voluntários. As Academias e Universidades Seniores (US) funcionam como respostas socioeducativas que visam criar e dinamizar regularmente atividades nas áreas sociais, culturais, do conhecimento, do saber e convívio, prosseguidas por entidades públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos. As US são hoje o programa de educação de adultos com mais sucesso no mundo inteiro, envolvendo milhões de pessoas nos cinco continentes, funcionando em horário laboral, durante a semana, seguindo o calendário escolar (abrem em setembro/outubro, fecham no Natal, Carnaval e Páscoa e encerram no pico do Verão), com disciplinas e atividades de artes, informática, desporto, ciências sociais e humanas e cidadania, entre outras. As disciplinas existentes variam de universidade para universidade, sendo as mais populares a informática, a saúde, história, inglês e cidadania. A idade mínima para frequentar é de 50 anos (embora possa haver exceções, desde que o aluno seja reformado) e o valor médio nacional das mensalidades é de 12 euros.