Nunca é tarde para representar no palco da vida
Na faixa etária dos 60 aos 86 anos, os atores do Grupo de Teatro Sénior da Freguesia de Portimão obtêm motivação suplementar sempre que a cortina sobe e encaram a plateia.
Fernando Manuel Vieira
Em 2006 a Junta de Freguesia de Portimão criou um grupo de teatro sénior, composto atualmente por 17 elementos, dos quais 13 senhoras e quatro cavalheiros. Ao longo da última década, levaram à cena diversas peças, resultantes de um trabalho de equipa em que perpassam muitas das próprias experiências.
A mais recente produção, sugestivamente intitulada ‘A Valsa da Vida’, culminou com chave de ouro a 17.ª Semana Sénior de Portimão, através de três espetáculos que esgotaram a sala do Boa Esperança.
O público ficou rendido à desenvoltura corporal e expressividade comunicativa que os intervenientes revelaram em palco. A propósito, a encenadora Rita Rodrigues sublinha: “Estes atores de mão cheia são bastante heterogéneos e entregam-se de corpo e alma. Além disso, estão todos ao mesmo nível. Não há aqui quem mais brilhe em cena, pois todos têm as mesmas oportunidades.”
Segundo a técnica, que já tinha trabalhado com crianças e adultos, “este é o meu primeiro grupo sénior e um aspeto que registei desde logo é a preocupação de todos com o visual, para se apresentarem impecavelmente perante o público.”
“Depois da estreia em Portimão, o grupo deverá apresentar-se noutras localidades, como já sucedeu em S. Teotónio, no concelho de Odemira, Tavira, Vila do Bispo, Lagos, Monchique. S. Bartolomeu de Messines, Vila Real de Stº António e Mexilhoeira Grande, conforme os convites e as condições existentes”, adianta Rita Rodrigues.
‘VALSA’ REGRESSA EM JANEIRO
A encenadora conta com o “precioso apoio” do assistente de produção Paulo Santos. “Há sete anos que colaboro com este grupo, do qual sou um apaixonado, e considero todos os elementos como fazendo parte da minha família. Neste momento são o meu referencial de vida”, confessa o coencenador.
‘A Valsa da Vida’, cujos trabalhos preliminares começaram no início do ano, deveria ter estreado no Teatro Municipal de Portimão (Tempo), que entretanto foi para obras. Questionado se a mudança de espaço terá limitado o número de espetadores, Paulo Santos garante: “Face à recetividade, já estão previstos mais espetáculos para janeiro do próximo ano, com sessões no grande auditório do Tempo.”
Quanto à metodologia adotada, explica à Algarve Vivo que “as narrativas foram criadas absorvendo alguma informação das conversas havidas em casa de três famílias de idosos de Portimão, mas a essência final, aquilo que o grande público teve ocasião de ver, foi valorizado após as reações colhidas depois de representarmos a peça junto desses colaboradores.”
Paulo Santos está envolvido neste projeto há oito anos e recorda: “O propósito inicial da Junta de Freguesia era tirar as pessoas de casa, dar-lhes uma motivação e colocá-las em contacto com as artes. Por aqui já passaram os encenadores Carlos Pacheco, Cristina Bravo e Sofia de Brito. Uma década volvida, o grupo retribui à comunidade onde se insere todo o carinho que vem recebendo. Quanto aos atores, muitos deles connosco desde a primeira hora, são fantásticos e têm uma assinalável capacidade de transformação.”
TEATRO… E CINEMA
Elementos do Teatro Sénior da Freguesia de Portimão já foram figurantes em dois filmes – a longa-metragem ‘Portugal não está à venda’, de André Badalo, ainda por estrear, e ‘The right juice’, do holandês Kristjan Knigge. Em ambos os casos, os convites surgiram devido ao eclético trabalho do grupo.
Por ordem alfabética, eis os atores: Alberto Alcobia (administrativo), António Correia (bancário), Corália Moreira (promotora), Fernanda Mourinho (governanta), Fernando Domingos (cozinheiro), Emília Correia (empresária), Gigolete Judice (conserveira), Isabel Piecho (doméstica), João Faria (bancá- rio), Julieta Neves (empregada do comércio), Lurdes Santos (administrativa), Manuela Callapez (doméstica), Maria José Beringel (doméstica), Noémia Marques- (administrativa), Olga Alcobia (cabeleireira), Rosa Santos (governanta) e Zaida Reis (administrativa).
NA PRIMEIRA PESSOA
Algarve Vivo ouviu alguns membros do grupo, numa amena cavaqueira constantemente interrompida por apontamentos de espontaneidade e boa-disposição:
Alberto Alcobia – “Este trabalho coletivo faz-me sentir uma melhor pessoa. O teatro permite descobrir coisas que nem imaginávamos ter cá dentro.”
António Correia – “Entrei aqui pela mão de Carlos Pacheco, do Boa Esperança, que partilhou incontáveis dicas sobre a arte de representar em cima de um palco.”
Corália Moreira – “Houve uma altura em que achava que não tinha jeito nenhum para estas andanças. Hoje em dia já não sei o que fazer quando não há ensaios…”
Emília Correia – “Estou contente por representar, o que para mim é o máximo dos máximos. Adoro estas coisas que, para a minha cabeça, são um bálsamo.”
Fernando Domingos – “Este ano visitámos pessoas sem possibilidades de locomoção e aproveitámos as suas memórias. Foi algo inesquecível.”
Gigolete Júdice – “Confesso que, no começo, andei a pensar aonde me tinha metido. Aprecio imenso poder espairecer, para não matutar em coisas tristes.”
Isabel Piecho – “Só após ter enviuvado é que dei os primeiros passos na expressão artística e isso foi muito bom para mim, que sou muito tímida.”
Lurdes Pimenta – “Fui desafiada pelo Fernando Domingos, que é uma espécie de charmoso caça talentos. Gosto muito de me sentir envolvida nisto tudo.”
Manuela Callapez – “Tinha feito algumas coisas na Universidade Sénior e fiquei com o bichinho do teatro. Gosto muito de integrar este conjunto de bons amigos.”
Maria José Beringel – “Desde miúda que tenho carinho pelas artes de palco. Estava a ficar demasiado amiga do sofá e por isso decidi contrariar a rotina.”
Noémia Marques – “Esta experiência foi muito enriquecedora, algo excecional, pois as pessoas, isoladas e com bastante idade, abriram-nos o coração e a alma.”
Olga Alcobia – “Fiquei surpreendida pelo resultado final, pois as conversas com os idosos ficaram um pouco incompletas Nesse sentido, o trabalho da Rita foi notável.”
Zaida Reis – “Estou cá desde 2006 e só tenho a dizer maravilhas. Logo eu, que não tinha nenhuma experiência teatral. Sinto-me na flor da terceira idade…!”