O provedor que conseguia levar o povo às assembleias políticas

Texto e Foto: Jorge Eusébio


A pandemia fez com que a instituição que Mário de Freitas lidera tivesse de alterar o seu modo de funcionamento para cumprir as regras da Direção-Geral da Saúde e, assim, diminuir o risco do aparecimento e disseminação do vírus.

Uma das estratégias seguidas pela Misericórdia de Alvor foi “organizar os nossos recursos humanos no sistema de espelho”. Isso significa que, ao longo de cada semana, há três equipas a trabalhar por turnos e igual número de funcionários em casa.

O objetivo é que, na eventualidade de surgir um foco de infeção entre o pessoal, ele fique circunscrito a quem está num determinado turno. Os elementos que o compõem serão colocados em quarentena e substituídos pelos de outra equipa.

A mesa administrativa a que preside achou, também, que havia a necessidade de encerrar os centros de dia e de convívio. Dolorosa foi, igualmente, a opção de suspender a visita dos familiares dos idosos, pois “o nosso espaço não tem condições para que sejam feitas em condições de segurança”.

Para tentar que a separação não doesse tanto, “colocámos no exterior uma rede separadora, possibilitando a que, a alguma distância, os familiares possam continuar a falar com os utentes, sem entrar nas instalações”.

O provedor diz que as restrições causadas pela pandemia “têm afetado praticamente toda a gente, mas em especial, os mais idosos”. Por parte dos funcionários da instituição e de si próprio, “tudo fazemos para minorar a solidão que sentem, mas não é uma tarefa fácil”.

Maior empregadora da freguesia
O lar conta com 28 utentes, o centro de dia de Alvor era frequentado por 16 e o dos Montes de Alvor por 21. Outra valência da Misericórdia é uma creche que tem, nesta altura, 80 crianças – passarão a ser 84 muito em breve – e onde foram também tomadas as necessárias medidas de prevenção. Do património da instituição fazem ainda parte uma Igreja e um Museu Etnográfico.

Para além da sua relevante missão de apoio social, a Misericórdia também tem uma função económica muito importante, uma vez que “é a maior empregadora de Alvor, com cerca de meia centena de trabalhadores”.

O cargo, que exerce desde 2017, “de forma inteiramente gratuita, porque o que me move é apenas o sentido de missão”, tem-se revelado “uma extraordinária experiência humana, muito enriquecedora, naturalmente que com momentos alegres e tristes”.

Ainda assim, não pretende recandidatar-se após o final do atual mandato, que termina em janeiro do próximo ano.
Desde logo porque, como leva a sua tarefa muito a sério, o seu dia a dia é quase por completo vivido na instituição, sobrando-lhe pouco tempo para a família e o lazer. Também considera que “as pessoas não devem eternizar-se nestes cargos” e que, “juntamente com a equipa que me acompanha, cumpri os objetivos assumidos”.

Nesta altura, garante com orgulho, “a Misericórdia está devidamente organizada e não deve nada a ninguém”.

O provedor faz, também, questão de destacar “o extraordinário trabalho” desenvolvido pelo Secretariado Regional da União das Misericórdia Portuguesas que, sob a liderança de Armindo Vicente, “muito tem feito para que estas instituições tenham conseguido responder de forma extremamente positiva à dura realidade com que nos deparamos”.

De Moçambique para Alvor
Mário de Freitas assume-se um apaixonado por Alvor, terra onde se instalou há 35 anos. No entanto, as suas raízes situam-se a muitos milhares de quilómetros, em Maputo (que na altura se chamava Lourenço Marques), onde nasceu em 1944 e de onde acabou por sair em 1978.

Quando se deu a Revolução do 25 de Abril era diretor administrativo de uma grande empresa que aí tinha plantações e unidades de processamento de amêndoa de caju.

No período que se seguiu, o negócio passou a ser dirigido por uma comissão ligada ao novo poder político que, supostamente, tinha por missão dinamizá-la. Mário de Freitas transitou da anterior administração, mas cedo se apercebeu que aquela gestão não ia dar bons resultados.

Ainda assim, “mantive-me por lá durante mais dois anos, a ver se as coisas mudavam”. Apesar do período conturbado que se vivia, apenas se lembra de ter tido um problema complicado, “por excesso de zelo das autoridades”.

O cargo, que exerce “de forma inteiramente gratuita, porque
o que me move é apenas o sentido de missão”, tem-se
revelado “uma extraordinária experiência humana”

Um dia estacionou numa rua por onde ia passar a comitiva do então presidente Samora Machel.

Os polícias que organizavam a deslocação entenderam que estava num local proibido e não foram de meias medidas: detiveram-no. Só ao fim de “de cerca de oito horas acabei por ser libertado com um pedido de desculpas”.

Como era habitual deslocar-se a Portugal duas vezes por ano, um dia, meteu-se no avião, com a promessa de regressar daí a uma semana e, ironiza, “ainda hoje devem estar à minha espera”. Consigo trouxe apenas os poucos bens que cabiam na mala, deixando para trás todo o património que tinha conseguido adquirir ao longo da sua vida.

Tal como a generalidade das pessoas que viveram no continente africano durante muitos anos, os primeiros tempos em Portugal não foram fáceis. Sentiu dificuldades em adaptar-se ao clima e ao tipo de vida que encontrou. Lembra que “lá não vivíamos só para o trabalho, tínhamos muito tempo livre e podíamos dedicar-nos às atividades de que gostávamos”. Para além disso, “a convivência era muito diferente, era como se pertencêssemos todos à mesma família”.

Continuou ligado ao mesmo grupo empresarial, que possuía um escritório em Lisboa e queria enviá-lo para Angola. Durante cerca de um ano foi resistindo aos convites, mas lá acabou por ceder, “até por uma questão de gratidão, pois a empresa, ao longo desse período, tinha estado a pagar-me sem que estivesse a trabalhar”.

De forma que voltou para África e manteve-se em Angola entre 1978 e 1983, como chefe de controlo financeiro da empresa que “atuava numa área geográfica maior do que Portugal”.

Nova experiência em África
De regresso ao país, acabou por fixar-se no concelho de Portimão. Aí, juntamente com um sócio, abriu um gabinete de contabilidade. Mais tarde acabaria por vender a sua quota e foi trabalhar para Faro, durante cerca de três anos, onde criou empresas de informática e imobiliário.

Antes da Misericórdia de Alvor, um dos seus grandes desafios foi liderar a Associação de Dadores de Sangue do Barlavento do Algarve. A ideia base que garantiu o sucesso da missão a que a sua equipa se propôs era a seguinte: “se no Verão quase todos os portugueses estão no Algarve, então é necessário ir até eles para darem sangue”. Daí nasceram as colheitas nas praias e na FATACIL, que “se tornaram célebres”. Graças ao esforço desenvolvido, “conseguimos que o Algarve se tornasse auto-suficiente em termos de sangue, e que, inclusivamente, o fornecesse aos hospitais do Alentejo e de Lisboa”.

No que diz respeito à sua vertente associativa, Mário de Freitas destaca também a intervenção que tem tido nos Bombeiros Voluntários de Portimão, primeiro na Mesa da Assembleia e, desde 2013, na direção e garante sentir “muito orgulho por estar ligado a um dos melhores e mais eficientes quartéis do país”.

Mobilizar o povo para ir às assembleias de freguesia
A política local foi outra área que Mário de Freitas experimentou. Em representação do PSD foi eleito para as assembleias de freguesia, primeiro, de Portimão e, depois, de Alvor. Aí conseguiu a proeza de, em muitas sessões, ter casa cheia, graças à forma como mobilizava a população.

Não era um objetivo fácil de atingir pois “já nessa altura muito pouca gente acreditava na política”. Para além disso fazia parte da oposição num concelho em que o PS era, desde sempre, o partido dominador.

Mário de Freitas verificou que nas periferias de Alvor havia muito por fazer. Lembra-se que “algumas vias de comunicação eram autênticos caminhos de cabras e quando chovia havia muitas pessoas que praticamente ficavam presas nas suas habitações pois os terrenos à volta inundavam”.

Zonas situadas a poucos quilómetros do centro não tinham eletricidade, o sistema de recolha de lixo era deficiente, havia ruas sem nome e casas sem número de polícia, o que fazia com que os seus habitantes tivessem de percorrer longas distâncias só para ir buscar o correio.

Na sua qualidade de membro da Assembleia de Freguesia resolveu ‘agarrar’ nesses temas e tentar fazer com que quem mandava os resolvesse.

É claro que, na maior parte das vezes, aquilo que alguém da oposição diz acaba por, na prática, ser irrelevante, teria muito mais força se a sala estivesse cheia de gente.

Daí que cerca de uma semana antes de cada assembleia “ia, de porta a porta, dizer às pessoas que levaria à sessão seguinte um determinado assunto do seu interesse e convidá-las a participar na assembleia, no período de intervenção dos cidadãos”. E assim aconteceu muitas vezes, para visível embaraço da bancada socialista.

Só que, entretanto, o seu relacionamento com o PSD foi-se degradando, por considerar que não estava a ter o apoio que se justificava da parte do partido. Ao saber disso, o PS convidou-o para fazer parte, como independente, das suas listas, o que acabou por acontecer, tendo, no mandato 2009/13, sido presidente da Assembleia de Freguesia, em representação daquele partido. Mais tarde, esteve a um passo de ir parar à Câmara, uma vez que estava colocado em 4º lugar da lista de Isilda Gomes, mas acabou por não ser eleito.

Da sua passagem pela política diz guardar, sobretudo, boas recordações dos problemas que ajudou a resolver enquanto esteve na Assembleia de Freguesia de Alvor, pois “quem passa hoje nas zonas das Alagoas, Montes de Alvor, Dourada e outras zonas da freguesia depara-se com um panorama muito diferente, para melhor, do que existia nessa altura”

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