Opinião: Do conceito de cidadania
Pedro Pereira | Historiador, in Portimão Jornal nº32
A cidadania é uma palavra/conceito que significa o conjunto de direitos e de deveres relativamente aos quais o cidadão se encontra sujeito inserido no contexto da sociedade organizada em que vive, sendo que muitos indivíduos erroneamente entendem os direitos como uma concessão, um favor por parte de quem exerce o poder, como infelizmente acontece por banda de grande parte dos portugueses bem pouco esclarecidos.
A verdade é que a cidadania não é oferecida aos cidadãos de bandeja, ela é construída e conquistada quotidianamente a partir da capacidade de organização, participação e intervenção social e política dos indivíduos na sua comunidade.
O termo cidadania deriva do latim ‘civitas’, que quer dizer, cidade. Tem origem mais remota nas cidades/estado gregas, nomeadamente Atenas, denominadas pólis, cujo parlamento tinham o nome de ágora, espaço público aberto onde os cidadãos intervinham para debaterem e deliberam dos destinos da cidade, sendo que o governo era constituído por uma assembleia (eclésia) que tomavam decisões diretamente através de arcontes. Atenção, que aqueles que possuíam o estatuto de cidadãos eram os nascidos na sua cidade/estado, filhos de não-escravos, alfabetizados e maiores de 20 anos.
Foi, pois, nestes espaços abertos que nasceu outro conceito, o da política, ligado à noção da gestão da coisa pública, que significa em termos práticos a intervenção direta ou indireta dos cidadãos na organização e destinos do Estado, seja ao votar nos seus representantes (voto indireto) ou ao concorrer a um cargo público (voto direto). Um dos requisitos fundamentais para que os cidadãos possam exercer os seus direitos políticos/cidadania nas atuais democracias, é o da nacionalidade.
A cidadania formal é conforme o Direito Internacional, indicativa de nacionalidade, de pertença a um Estado/Nação ou a grupos de Estados associados, como os da União Europeia. Com a inclusão sem auscultação popular/referendo (por isso não dizemos adesão) de Portugal à Comunidade Europeia e subjugação aos concomitantes Tratados comunitários, diversos aspectos dos direitos de cidadania – nomeadamente os de eleger e ser eleito para cargos autárquicos no espaço comunitário – ficaram acessíveis aos portugueses, assim como aos cidadão dos restantes países comunitários, direitos que são comuns, portanto, aos cidadãos independentemente do Estado de onde são naturais e/ou onde residam.
A cidadania é a súmula de tudo quanto se refere a direitos; direito a viver, direito à habitação, direito à educação, direito ao emprego, direito à saúde, direito à justiça, etc., isto é, tudo quanto ser refere genericamente aos direitos civis, direitos políticos e direitos sociais.
Aqui chegados, somos conduzidos a outra palavra/conceito associada às anteriores, isto é: democracia. Esta palavra tem origem na palavra grega demokratía, aglutinação de duas outras palavras; demos (povo) e kratos (poder). Ou seja, o poder exercido pelo povo.
A democracia é exercida por pessoas, grupos e instituições, que através da capacidade que lhes é inerente, ou seja, do poder que lhes é conferido para realizarem tarefas sem necessidade ou autorização de alguém, realizam ações conducentes a mudanças, evolução e construção da sociedade, mercê da empenhada participação no seio destas em vertentes sociais, culturais e outras.
No caso das instituições particulares, estas complementam as tarefas do Estado realizando – em muitos casos – acções onde este não consegue – ou interessa – chegar.
Como expressão de cidadania plena, temos o exemplo do voto. Com ele o indivíduo exerce o seu direito, ou seja, expressa a sua vontade – que se deseja consciente – possuindo a capacidade de criticar e de participar na res publica, elegendo os seus representantes.
Cidadania significa trabalhar no quotidiano para a construção de novas relações e de novas consciências, na abordagem e labor permanentes em áreas como a solidariedade, a democracia, a ética, a ecologia e os direitos humanos, entre outros.
Nos países ocidentais, a cidadania moderna foi construída por etapas ao longo da História. Assim, e segundo refere o sociólogo britânico Thomas Humpreyn Marshall, num seu ensaio datado de 1950, intitulado Citizenship and Social Class (Cidadania e Classe Social), a cidadania só é plena se for dotada de três tipos de direitos fundamentais:
- Civil – Direitos inerentes à liberdade individual, liberdade de pensamento e de expressão; direito de propriedade e de conclusão de contratos e direito à justiça (séc. XVIII);
- Política – Direito de participação no exercício do poder político, como eleito ou eleitor, no conjunto dos órgãos públicos do poder (séc. XIX);
- Social – Conjunto de direitos relativos ao bem-estar económico e social, desde a segurança ao direito de partilha do nível de vida, de acordo com os padrões prevalecentes nas sociedades modernas (séc. XX).
- artigo escrito sem a aplicação do novo acordo ortográfico