Opinião: ‘Jardim, à beira-mar plantado’ – Vende-se
João Reis | Professor | in Jornal Lagoa Informa nº 158
Há acontecimentos noticiados como sendo maravilhosos, mas que acabam por ser verdadeiros desastres. Este, por exemplo, num jornal de economia: “No coração do Barrocal Algarvio estão a construir-se 380 casas, apartamentos, um hotel de 5 estrelas e um campo de golfe. O preço de uma casa será de 2 milhões e meio de euros e o de um apartamento €363 mil.”
Preços incompatíveis com os bolsos portugueses… pelo menos nos próximos dois séculos!! Os seus compradores, que vêm, principalmente, de países europeus e de interessados em ‘vistos gold’, poderão, depois, colocar aqueles fogos no mercado de arrendamento – para rentabilizar. E, no entanto, este projecto, que já recebeu a classificação de PIN (Potencial Interesse Nacional) situa-se na REDE NATURA 2000 – área protegida.
Aos olhos da economia nos dias d’hoje estará tudo certo; o pensamento dominante é “o dinheiro serve para fazer mais dinheiro e pronto”. Neste caso, é uma corrente de rendimentos obtidos por operações sucessivas de compra/venda/aluguer a partir de um investimento inicial de 260 milhões de euros de um grupo estrangeiro. Destes negócios, também o Estado fará “um encaixe fiscal de 153 milhões”, segundo o mesmo jornal.Nada a opor, no contexto económico.
Já não se poderá dizer o mesmo da decisão (oficial) que altera a vocação daquelas terras que, de protegidas e agrícolas, passam a urbanismo turístico. O ataque à natureza algarvia continua notável.
Boa parte dos 153 hectares onde este projecto se desenvolve assenta sobre um importante aquífero (1) o que significa que aquelas águas subterrâneas e cerca de 40 fontes passarão a ser privativas.
É “fascinante” a descrição, ainda no mesmo jornal, daquela futura “aldeia de casas portuguesas contemporâneas mas de inspiração tradicional, que combinam com a paisagem e com as comunidades locais”.
Cínica publicidade – “a paisagem” será diferente depois da obra concluída e “as comunidades locais” poderão, muito convenientemente, providenciar empregados para o costumado desempenho das funções mais modestas (limpezas, quartos, jardins…).
Aprovado pelos poderes local e central, acompanhado pelos protectores (?) pareceres do Ambiente, da Agricultura, do Urbanismo, das Águas, dos Solos, eu sei lá!, administrativamente, nada a comentar; politicamente, porém, terá havido displicência que coloca óbvias questões – abriram-se precedentes o que irá, sem surpresas, atrair à zona outras iniciativas semelhantes; e foram ignoradas as medidas protectivas da Natureza.
Assim, novas Vilamouras, novas Albufeiras, novas Praias da Rocha e outras que tais, bem massificadas e intensivas, surgirão no que costumava ser a bela quietude do Barrocal. Não se aprendeu!!!
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Tivesse havido, em oportuno tempo, um honesto e bem integrado Plano de Desenvolvimento do Barrocal (2) e teria sido possível manter-lhe as características sui generis, promovendo necessários apoios técnicos, sócio-culturais e financeiros conducentes à modernização da agricultura, melhorando condições de trabalho e aumentando a produção autóctone – mel, medronho, fruta de sequeiro, citrinos, cortiça, horta doméstica – e FIXANDO, prudente e beneficamente, população no interior. Provavelmente, teria, também, sido evitada a necessidade da venda daquelas terras.
Isto é, teria sido uma leal e objectiva aposta nos mais valiosos patrimónios com que Portugal pode contar: o TERRITÓRIO e a NOSSA GENTE. Ninguém o fez!
Qualquer dia, será tarde demais!
Porque, entretanto, continuarão a ser alienados ‘bocados’ do País que costumamos chamar NOSSO.
Pode-se, até, contar com a experiência de 7471 empresas de mediação imobiliária (repito, sete mil quatrocentas e setenta e uma) em actividade em Portugal (informação do “Jornal de Negócios”-Set./2020).
“É o mercado a funcionar”, dirão os economistas. Mas também há regras! Ou não??
P.S. – Não sei porquê, lembrei-me das Alagoas Brancas…
(1) Aquífero de Querença-Silves; sustentou o abastecimento de águas de Loulé, Albufeira, Silves e Lagoa no séc.XX.
(2) Ou de qualquer outra região do País. Fala-se de Planos Sectoriais (que dispersam) em vez de Planos que INTEGREM.
- Artigo escrito sem a aplicação do novo acordo ortográfico