Restaurante cheio todos os dias é marca registada da ‘Teresinha’

Texto: Hélio Nascimento | Fotos. Eduardo Jacinto, in Portimão Jornal nº 56


Situado no centro da cidade, na Rua Direita, o Restaurante Teresinha continua a alimentar histórias deliciosas e a manter uma tradição de 56 anos, muito à custa do ambiente familiar e dos pratos que Manuel Tomás, o proprietário, confeciona como ninguém. Diariamente, a casa enche e é até normal que haja fila junto à porta, justificando uma preferência de muitas décadas que leva ao estabelecimento a população local, os visitantes nacionais e os turistas estrangeiros, quer os que estão de férias quer, também, os que por cá residem.

Manuel Tomás e o filho Miguel são os anfitriões que recebem o Portimão Jornal, aproveitando a paragem entre o fim dos almoços e o início dos preparativos para o jantar. A esposa Emília e a filha Esmeralda delegaram nos homens a narração de um ‘conto’ que nos leva a setembro de 1966, quando Manuel trabalhava no Casalinho, na Praia da Rocha. “O patrão era o José Viegas, que nessa altura decide deixar o restaurante junto à praia e abrir um outro, em plena cidade, dando sociedade a três dos seus empregados, eu, o Mané e o José Bernardo”.

O nome ‘Teresinha’ foi logo o escolhido, certamente numa homenagem de Viegas à sua mulher, que se chamava Teresa. “Neste sítio havia uma tasca, a ‘Ti Cecília’, que morava mesmo ao lado. Aliás, aquelas vigas ainda mostram as divisões da sua residência”, diz Miguel, conhecedor dos episódios desses tempos, apontando para o teto. A especialidade da ‘Ti Cecília’, acrescente-se, era peculiar: batata doce assada e medronho!

“Segredo? Servir bem e barato”
O espaço foi primeiro alugado e mais tarde adquirido. Muitos dos iniciais frequentadores eram de Alvor, “malta da pesca que vinha petiscar e conviver”. Quando José Viegas faleceu, Manuel Tomás comprou a sua parte da sociedade, até porque, nessa data, os anteriores sócios já tinham seguido outro rumo: Mané foi abrir o restaurante com o próprio nome e José Bernardo investiu numa tasquinha junto ao antigo mercado na Alameda.
A partir de então, sensivelmente nos inícios da década de oitenta, a família Tomás chamou a si toda a responsabilidade do negócio. O patriarca ocupava-se agora da cozinha – primeiro estava a servir às mesas – e a esposa Emília era o seu braço direito. Miguel dava uma ajuda no Verão, aproveitando as férias escolares, e, em 1993, quando deixou os livros, dedicou-se de corpo e alma ao restaurante, secundado depois pela irmã Esmeralda.

A tradição familiar ganhava cada vez mais raízes e a clientela apreciava todas as comidas, sempre com a cozinha portuguesa à cabeça. “O segredo? É servir bem e barato”, atira Manuel Tomás, soltando uma gargalhada. “Enchemos a travessa e as pessoas ficam satisfeitas, porque a qualidade está sempre presente e ninguém passa fome”.

Para isto ser possível, há todo um ritual que se repete diariamente: “O meu pai vai todos os dias à ‘praça’ e eu agora tenho-o acompanhado. São muitos anos de ‘praças’ e toda a gente o conhece, de modo que a confiança é recíproca. Só que são mais de 50 anos a fazer isto e ele já vai ficando cansado”, admite Miguel.

Pratos de peixe são a base
“O acordar é às seis da manhã e depois de chegar da ‘praça’ enfio-me na cozinha. Às vezes satura, até porque muitos dias só fechamos para lá da meia noite e pouco se dorme”, salienta Manuel, com o filho a dar conta de que “quando o tempo está bom ninguém quer sair da esplanada”. O restaurante tem cerca de 80 lugares, entre a sala e a esplanada, que é bem mais recente.

Os pratos “são todos bons” e têm uma procura semelhante, sobretudo quando se trata da típica comida portuguesa, casos do ensopado ou arroz de safio, caldeirada, carapaus alimados ou fritos, raia alhada, lulinhas fritas, chocos grelhados ou guisados e pata-roxa. “É mais à base de peixe, mas também temos pratos de carne que as pessoas pedem, como uma boa feijoada ou uma cabidela”. Tudo passa pelas mãozinhas do cozinheiro e proprietário, já que a mulher Emília é a obreira dos doces: tartes, mousse, pudins, arroz doce e baba de camelo. A tarte de amêndoa, asseguram, é uma especialidade.

“Temos clientes de muitas gerações. Ainda há dias esteve cá uma senhora, de 83 anos, que começou a frequentar a casa com uma filha e agora vem também com o neto. São muitos casos assim”, revela Miguel, recordando “tanta gente que passou por aqui, incluindo quem já partiu”. Foram e são vivências de décadas, “desde o major David Neto, que morava nas proximidades, ao engenheiro Mergulhão e o irmão, e, felizmente, ainda temos muitos clientes que integravam esses grupos mais carismáticos e continuam a aparecer, sempre para a mesma mesa”. Manuel Tomás adianta que o futebol do Portimonense “festejou aqui muitas vitórias e conquistas, no tempo do presidente Manuel João, que também cá vinha”.

As doses dos espanhóis e os pedidos de ameijoa
O facto da ‘Teresinha’ se situar na Rua Direita marca pontos a favor, visto tratar-se de “um sítio central e de muita passagem”, em que as pessoas “reparam na casa cheia e querem conhecer”.

Há muitos, muitos anos, eram os vendedores de pronto-a-vestir e de cosmética, os delegados de propaganda médica e o pessoal da construção civil que ‘invadiam’ o restaurante, algo que mudou nos últimos tempos face aos avanços nas áreas tecnológicas de informação e consequente diferença no modo de vender certos produtos, explica Miguel.

Os estrangeiros é que continuam a marcar presença. “Houve uma altura em que eram os britânicos os mais assíduos, mas agora temos muitos franceses e italianos, sobretudo residentes, que gostam de vir jantar na época baixa. E há espanhóis, que às vezes pedem doses atrás de doses e temos de lhes dizer que as nossas são bem servidas. Todos ficam clientes e isso é um orgulho”, concordam pai e filho, em uníssono.

A pandemia obrigou a fechar a casa em dois períodos distintos e “entrámos em ‘layoff’ total, nem take away fazíamos”, mas, apesar da contrariedade, Miguel considera que a crise “foi superada” com muito trabalho e dedicação. Só que, depois da pandemia surgiu a guerra e os preços subiram. “A nossa expetativa para o Inverno é enorme e sabemos que não podemos subir os preços, senão a malta foge”, atira Manuel, sempre com uma expressão popular a acompanhar este tipo de considerações.

“Penso que conseguiremos ultrapassar esta fase, mas é deveras difícil. As pessoas têm menos poder de compra, o custo da energia é o que se sabe e oxalá o turismo possa atenuar este panorama”, comenta Miguel. Mesmo assim, as pessoas nem se queixam muito dos preços. “Até agora não tivemos esse problema e tem sido tudo normalíssimo, ou seja, os clientes não se retraem”, diz o filho do clã Tomás, com o pai a ‘atirar’ de imediato: “As ameijoas chegam aos 30 euros por quilo na praça e as pessoas continuam a pedir e a pedir”.

Os segredos da cozinha
Manuel Tomás está à beira dos 80 anos e confessa estar muito cansado desta azáfama diária. Por estes dias, aliás, vai ser alvo de uma intervenção cirúrgica à coluna. “Depois, vamos ver como me sinto. O Miguel e a Esmeralda podem dar seguimento, mas a cozinha é o mais importante. A sala também é, mas a cozinha é essencial”. Miguel acena com a cabeça e explica que durante todos estes anos é o pai que mete mãos à obra e confeciona os pratos que são do agrado geral. Substituí-lo, caso seja obrigatório, não será fácil.

“Da minha parte vou fazer os possíveis, mas reconheço que há alguma dependência do serviço da cozinha, que encerra muitos segredos. Temos uma senhora que está por dentro e dá garantias, mas os pratos do dia do meu pai… Vamos com calma”, diz o filho, também já com muitos anos de prática no ramo e sem querer antecipar cenários.

O preço médio de cada refeição na ‘Teresinha’ anda à volta dos 11 ou 12 euros, com a habitual meia-dose que chega para satisfazer. A casa fecha aos sábados à noite e aos domingos, “para haver mais tempo para a família”, e, em relação à concorrência, a opinião de Miguel é curiosa, atendendo à relativa proximidade de outros estabelecimentos naquela zona.

“Acho que é salutar. E se os restaurantes estivessem lado a lado também não devia haver problema, acabando por poder funcionar como um polo que atraísse mais pessoas. Veja-se o exemplo de Almeirim”, realça, aludindo às muitas casas “praticamente pegadas” que servem a famosa sopa da pedra. “Se a oferta em determinada área for numerosa, é certo que a clientela aparece”, conclui.

“Todos fazem parte da mobília”

A ‘Teresinha’ é um negócio de família e o ambiente, naturalmente, é o mais familiar possível. Manuel Tomás e a mulher Emília estão na cozinha, ele com os pratos do dia e ela com os doces, tendo a companhia de Cristina, Hermínia, Sandra e Teté. Na sala e na esplanada, os filhos Miguel e Esmeralda contam com a preciosa ajuda de Arlindo.

“Todos fazem parte da mobília e alguns deles estão connosco há mais de trinta anos”, acentua o patriarca. “São prata da casa”, acrescenta Miguel, igualmente reconhecido à dedicação e ao trabalho dos empregados. A propósito da esplanada, esta é uma infraestrutura mais recente, que ganhou forma quando a Rua Direita esteve em obras e foi alvo de remodelação, chegando a estar cortada ao trânsito. “Foi nessa altura que inaugurámos a esplanada”, precisam os homens da família.

Até levaram as senhoras às cavalitas!

Há uma mesa na ‘Teresinha’, mais comprida do que as restantes, com cerca de dez lugares e quase em frente à cozinha, que foi palco de mil histórias. Ilustres convivas, quer da cidade, quer dos que por cá passavam com frequência, tinham sempre lugar marcado. A tradição, aliás, embora em menor escala, ainda se mantém.

“Uma vez, nesta mesa, o engenheiro Mergulhão deu um forte calduço numa pessoa que estava de costas e atirou: ‘Silvério, estás bom?’ Só que não era Silvério algum. Se houvesse um buraco, o Mergulhão tinha desaparecido com a vergonha da confusão”, recorda Miguel. De uma outra vez, prossegue, “um cliente chamado Esmeraldo chegou depois do almoço, mas desafiou os presentes para ver quem pagava os cafés, jogando às moedas”. Entre sorrisos, relata que o citado Esmeraldo perdeu, mas depois quis a desforra, jogando para as sobremesas, e voltou a perder.

“No final, acabou por pagar os almoços, mesmo sem ter comido”. A dedicação de certas pessoas era tanta, finaliza Miguel, que um certo dia, com tudo inundado devido a fortes chuvadas, “os clientes almoçaram com os pés em cima de grades de cerveja, para não ficarem encharcados, e, à saída, levaram as senhoras às cavalitas”.

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