Bicross de Portimão decidido a marcar presença no Mundial

Texto: Hélio Nascimento, in Portimão Jornal nº48


Se o sonho comanda a vida, como diz o poeta, o do Clube Bicross de Portimão passa, a curto prazo, por marcar presença no Mundial de Nantes, em BMX Race, a especialidade que é rainha, todos os fins de tarde, no Parque da Juventude. É aí que Nuno Águas, o presidente e treinador, e Carlos Rosado, o campeão também técnico, dirigem cerca de 50 jovens sempre entusiasmados com o fascinante mundo da velocidade e das acrobacias em bicicletas ‘especiais’ e apropriadas para o efeito. 

“Queremos ir ao Mundial, sim, e estamos a envidar todos os esforços nesse sentido. Iremos de carrinha, com nove elementos, seis atletas e três técnicos, mas precisamos de 5 500 euros”, alerta Nuno Águas, à conversa com Portimão Jornal. O evento decorre entre 26 e 31 de julho e, como diz Carlos Rosado, “temos sorte por se realizar em Nantes, porque são 1 600 km até à cidade francesa e se fosse num outro continente seria impossível”. A missão não é fácil, porque, para além do transporte dos atletas, é preciso incluir as bicicletas, alimentação, tendas e logística do ‘paddock’. E sem verba… nada feito. 

“Os pais nem sempre têm hipótese de contribuir. O nosso clube vai ajudar, podemos, inclusive, viajar com a equipa de Quarteira, mas, veja-se, apesar de irmos representar Portugal, temos de suportar tudo. A camisola custa 50 euros e pagamos nós”. Convém dizer que a Federação Portuguesa de Ciclismo forma uma Seleção Nacional, naturalmente com todas as despesas a seu cargo, mas, caso um clube queira também participar – e pode fazê-lo – tem de arcar com a responsabilidade, embora, repita-se, esteja também a vestir as cores do país.

“São 30 segundos e 400 metros de pista” 
“Vamos arranjar apoios, porque temos de ir a Nantes. É um objetivo grande para mim, uma aposta pessoal. Sinto-me bem e acho que posso tentar obter um bom resultado”, diz Carlos Rosado, que, além de treinador, é um atleta de renome e campeão em Masters, a categoria em que compete. Outros dois atletas da elite do clube, igualmente com créditos firmados, têm sortes distintas: Pedro Amaral sofreu uma queda grave e foi operado de urgência, enquanto André Ribeiro está com a Seleção Nacional e com boas hipóteses de ir, por esta via, ao Mundial. 

Em BMX Race, “são 30 segundos e 400 metros de pista”. Tudo se resolve rapidamente, embora decorram várias eliminações e muitas mangas até ao apuramento dos oito melhores para a final. A modalidade é complexa, para quem não está muito familiarizado com ela, e em Portugal, por exemplo, os federados não ultrapassam as quatro centenas, sendo que apenas 150 têm já ‘galões’ para competir. A título de curiosidade, apenas os 24 melhores do mundo vão aos Jogos Olímpicos. 

No Clube Bicross de Portimão são cerca de 25 os atletas que vão às competições, sensivelmente os mesmos de Quarteira, Setúbal, Lisboa (uma equipa) e Figueira da Foz. “Temos uma pista olímpica, no Centro de Alto Rendimento de Anadia, mas não há apoios para se poder treinar”, lamentam os anfitriões do Portimão Jornal, enumerando então os escalões que evoluem no Parque da Juventude: pupilos (5 e 6 anos), benjamins (7 e 8), iniciados (9 e 10), infantis (11 e 12), juvenis (13 e 14), cadetes (15 e 16), juniores elites (17 em diante) e masters (mais de 30).

‘Skate Park’ em outubro
Mundial e sonhos à parte, vamos agora contar um pouco a história deste peculiar emblema da cidade. Criado em novembro de 1987, o Clube Bicross de Portimão teve origem no entusiasmo de um grupo de 15 jovens, amantes das bicicletas, que resolveram promover o desenvolvimento da modalidade através da criação de infraestruturas. O bicross estava então a dar os primeiros passos em Portugal, sendo caracterizado por possuir algumas semelhanças ao motocross, mas, obviamente, praticado em bicicletas de BMX.

A coletividade começou por ser de bairro e surgiu nas Quatro Estradas de Portimão, concentrando e dinamizando todo o tipo de atividades que se relacionassem com a modalidade. A ideia era ‘curtir a bike’, fosse num local que servisse de pista ou em ‘loucos’ e arrojados passeios, para além dos chamados ‘jam’s’, os encontros de rua muitas vezes sinalizados pelas redes sociais. 

“Oficialmente, a fundação ocorre em 1994, quando tivemos de legalizar o clube, organizar a contabilidade e eleger corpos sociais, face aos apoios institucionais. Passámos uns anos melhores, outros nem por isso, mas a estrutura cresceu após a inauguração da pista”, narra Nuno Águas.

A coletividade começou com o BMX Freestyle e Race, mas a primeira das disciplinas, que comporta uma panóplia de variantes, foi interrompida, “porque ficámos sem rampas no parque”, o que será reposto a partir de outubro, altura em que arranca a construção do ‘Skate Park’.

“Agarrar os miúdos com valor”
A abertura da escola do Bicross de Portimão, coincidente com o impacto causado pela nova pista, alavancou todo o processo de crescimento. Os responsáveis adquiriram algumas bicicletas (cujo preço, de 500 euros, num mercado ainda pequeno, é proibitivo para algumas famílias) e criaram regras e horários. “Para dar as aulas tivemos a ajuda do Beto e agora contamos com o Marco Albano”, um dos três treinadores, ao lado de Nuno Águas e Carlos Rosado. 

O clube tem cerca de 50 atletas, dos 4 aos 39 anos, todos federados (incluindo duas raparigas, uma de 11 e outra de 15 anos), sendo que existe uma natural seleção de valores, tanto a nível de apoio, quando se trata de provas, como no prémio, devido pelo elevado desempenho nos treinos. Os juvenis já vão ter este ano o título de campeão nacional, enquanto nos escalões mais baixos há apenas vencedores de torneios. 

“Desenvolvemos o trabalho de casa, mas depois é preciso agarrar os miúdos de 15 e 16 anos que tenham valor, caso contrário vão para as universidades e desistem. É necessário um trabalho forte a nível de seleção, sobretudo quando se trata de internacionais”, comenta Carlos Rosado, aludindo a que o ‘race’, que começou por ser um pouco anárquico, “é agora levado mais a sério, com disciplina, muito competitivo e sempre a revelar novos craques”.

Alargar a base e formar campeões
Nuno Águas tem 51 anos e é fundador do Bicross de Portimão, mas só há dois anos assumiu a presidência da Direção, depois de longo período a liderar a Mesa da Assembleia Geral. Foi praticante, é também treinador e trabalha como pasteleiro no Hotel Algarve. “Apoios temos da Câmara Municipal, do IPDJ e alguns patrocínios. A quotização é simbólica”, explica, esperançado em que os auxílios melhorem. “É questão de trabalhar ainda mais, de divulgar as marcas, de mostrar resultados e espalhar a imagem do clube. Queremos abrir mais as portas a esta modalidade olímpica, mas tudo isto requer o tempo que, às vezes, não temos”. 

Os próximos passos, garante o dirigente, apontam para uma “aposta forte no Desporto Escolar, pois, é por aí que passa todo o desenvolvimento”. A Federação de Ciclismo tem um projeto para que todos os miúdos andem de bicicleta, o Governo fomenta a ideia, e, nessa onda, “vamos ter mais bicicletas, capacetes e equipamentos para que professores e alunos venham experimentar. Com uma base alargada, teremos de futuro melhores praticantes”. 

Carlos Rosado corrobora a ideia e acredita no crescimento da escola e na formação de atletas que “levem o nome do clube e da cidade por esse mundo fora, através de campeões aqui formados”. Vontade e dedicação não faltam, o resto é porfiar e manter acesos todos os sonhos. Se o Freestyle está de novo aí à porta, já existe um projeto – documentação entregue na Federação – para criar uma escola de skate.

Uma pista das melhores da Europa

A pista de BMX do Parque da Juventude foi inaugurada em junho de 2019, com a realização de duas provas da Taça de Portugal, no âmbito de ‘Portimão Cidade Europeia do Desporto’. Das mais bem estruturadas do país, a pista foi pioneira a nível ibérico, possuindo um mecanismo totalmente elétrico na grelha de partida. Custou 123 mil euros, fruto do projeto do clube, que, com este novo equipamento, conseguiu aumentar os inscritos na sua escola de formação. “A pista foi pioneira com esta ‘gate’ elétrica. Antes, tínhamos um sistema de ar comprimido, com a ajuda da bomba de gasolina que fica aqui perto. É das melhores da Europa, misturando partes mais exigentes com outras pouco agressivas e acessíveis”, explica Nuno Águas, salientando a boa adaptação dos miúdos, cujo desenvolvimento depende da própria capacidade. “Temos atletas que passados dois ou três meses já estão aptos”.

O sonho de ser campeão do Mundo

“Nesta fase, o maior sonho é ser campeão do Mundo”, atira Carlos Rosado, de 39 anos e praticante de BMX Race desde os 12. “É um sonho grande, sei disso, mas, com esta idade, nunca treinei tanto. Muita dedicação e disciplina, mais o devido descanso, o cuidado na alimentação, enfim, sinto-me bem em todos os aspetos, do técnico ao físico, sem esquecer o psicológico, que é cada vez mais importante nos dias que correm”, afirma o campeão, que compete em Masters e trabalha no Campo de Golfe do Morgado. O seu dia a dia não podia ser mais preenchido: levanta-se às 5h00, das 6h00 às 15h00 está no golfe, uma hora depois vai para o ginásio e depois tem os treinos, o seu e os dos jovens que dirige. Além disso, é casado e tem dois filhos, gémeos de quatro anos, que já são atletas do Bicross de Portimão. “É puxado, mas é muito gratificante fazer aquilo que gosto e ver a evolução dos miúdos”. Carlos Rosado é o atual campeão de Masters e tem uma vasta coleção de títulos, sendo que considera como mais importantes “as camisolas de campeão nacional”. Já competiu no estrangeiro, mas lamenta que este ano não tenha conseguido ir a algumas Taças da Europa, para testar as suas performances e confrontar-se com o alto nível de outros adversários. “Vivemos num canto da Europa e não houve verbas para ir lá fora”, destaca, deixando palavras de apreço e gratidão a Nuno Águas. “O Nuno é o meu treinador e um pai. Conheço-o desde os 12 anos e tem estado sempre presente em todos os passos da minha carreira”.

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