Farense volta a cantar vitória!
Texto: Hélio Nascimento
As 23 presenças do Farense no principal escalão do futebol português fazem do emblema da capital o mais representativo do Algarve. A posição no ‘ranking’ vai até melhorar, uma vez que o clube acaba de conquistar a subida, 18 anos depois da última presença. Uma proeza que terá ainda mais pontos altos, já que os festejos, no início de maio, foram todos comedidos, atendendo às medidas de distanciamento social, na sequência do surto pandémico que alterou as nossas vidas. Nada disto, porém, impediu os leões de Faro de soltarem um enorme grito de vitória, consubstanciado na firme recuperação dos derradeiros anos – basta lembrar que há 14 épocas a equipa militava nos Distritais.
Não é preciso contar toda a história, já centenária, mas vale a pena recuar aos anos 90 e ao apogeu do Farense. Conduzida pelo catalão Paco Fortes, hoje e sempre referência incontornável, a equipa alvinegra somou 12 anos consecutivos na I Liga, nos quais obteve a melhor classificação de sempre, o 5.º lugar em 1994/95, o que lhe valeu a presença na Taça UEFA, na época seguinte. Foram anos de sonho, com o mítico São Luís a ganhar o estatuto de ‘inferno’ para todos os adversários, mercê de jogos inesquecíveis e triunfos sobre todos, incluindo os “grandes” do nosso futebol.
“O nosso mérito é enorme,
não só desportivo, mas também da estrutura e direção.
Sempre quisemos ser os melhores e fez-se justiça”
Sérgio Vieira, treinador
Em 2001/02, todavia, começa o declínio, associado, como quase sempre nestes casos, a problemas de origem financeira. São descidas atrás de descidas, inclusive na secretaria. Em 2006/07 o Farense milita nos Distritais, encetando então a recuperação, algo lenta, com várias subidas e descidas entre a II Liga e o Campeonato de Portugal. Com o presidente e investidor João Rodrigues ao leme, o clube começa a readquirir alguma notoriedade, a partir de 2018, agora também com o apoio de André Geraldes, CEO da SAD, e Manuel Balela, um filho da casa. “Identificar as carências das estruturas, nomeadamente no futebol, reorganizar as finanças, pagar as dívidas e apostar também no ‘scouting’, no marketing, na área comercial, no recrutamento e na formação” foram algumas das batalhas, entretanto, ganhas. “Demorámos um ano a fazer tudo isso, se calhar em tempo recorde”, reconheceu André Geraldes no início deste ano, quando o Farense já comandava a II Liga e via a luz da I Liga ao fundo do túnel. André Geraldes que, curiosamente, renunciou ao cargo, em meados de maio, alegadamente porque o modelo preconizado para a divisão principal não era do seu agrado, nomeadamente o “investimento conservador” e a demasiada autonomia que os dirigentes pretendem dar à equipa técnica.
“Um momento de reconstrução”
No passado dia 5 de maio a Liga homologou a classificação, promovendo Nacional da Madeira e Farense, as equipas que ocupavam os primeiros lugares na altura do cancelamento do campeonato. Com 15 vitórias, três empates e seis derrotas em 24 jogos, os leões de Faro somaram 48 pontos e puderam então abrir as garrafas de champanhe. “O nosso mérito é inquestionável. E não é uma subida qualquer, é, isso sim, “um momento de reconstrução de um clube grande, representativo de uma região, pelo que o mérito é de todos e não só do treinador e jogadores”, comentou Sérgio Vieira, o técnico vitorioso. “A época não terminou como queríamos”, disse, aludindo ao cancelamento, mas, ao mesmo tempo, frisando que o clube reuniu “todos os critérios para ser promovido”.
André Geraldes, que era
o CEO da SAD, discordou
do modelo de gestão para 2020/21 e abandonou, entretanto, o clube
Aposta de João Rodrigues e André Geraldes no início da temporada, Sérgio Vieira conduziu a equipa os lugares de topo, neles permanecendo em 22 das 24 jornadas disputadas. “Estivemos mais tempo em zona de subida, em primeiro lugar. O nosso mérito é enorme, não só desportivo, mas da estrutura e direção. Sempre quisemos ser os melhores e fez-se justiça”, atirou, distribuindo parabéns por toda a estrutura profissional e pelos incansáveis adeptos. Sérgio Vieira tem 37 anos e na época passada treinou o Famalicão – que viria a subir – até março. Recentemente renovou por mais três temporadas e vai dirigir o Farense já na I Liga.
Centro de Treinos em S. Brás de Alportel
Até ao fim do ano estará pronto o novo Centro de Treinos do Farense, em São Brás de Alportel, um complexo com dois relvados e demais infraestruturas que permitirão aos profissionais do clube realizar toda a preparação da próxima época, incluindo, naturalmente, o trabalho diário. Trata-se de um projeto indispensável, cujas obras já se iniciaram há algum tempo, uma vez que a equipa percorria boa parte do Algarve para efetuar os seus treinos, então divididos entre Vila Real de Santo António e o Estádio Algarve. Os terrenos, note-se, são propriedade do Farense.
Além do Centro de Treinos, a SAD vai agora efetuar melhoramentos a vários níveis, no Estádio São Luís, o palco onde decorrerão os jogos do campeonato. Do balneário dos árbitros às salas de Imprensa e dos delegados da Liga e da nova entrada para os adeptos visitantes à manutenção do relvado muitos serão os trabalhos a desenvolver, alguns dos quais já em marcha. Uma prova da saúde financeira dos responsáveis alvinegros, que, recorde-se, nunca efetuaram cortes nos salários nem recorreram ao lay off durante o período mais crítico do Covid-19.
O investimento vai ser grande e o plantel será, naturalmente, reforçado, muito embora alguns elementos do núcleo duro da equipa estejam garantidos, casos de Cássio, Ryan Gauld, Hugo Seco e Lucca, entre outros, que têm contrato, e de Fabrício Isidoro e Hugo Marques, que já renovaram.
Hassan Nader: “Sempre que ouço o hino fico todo arrepiado”
Os vizinhos de Hassan já estão habituados a ouvir uma canção portuguesa, que volta e meia ‘dispara’ na casa do antigo avançado, mas agora, nos primeiros dias do mês passado, confirmaram que aquela música tem qualquer coisa de especial. “Sempre que ouço o hino do Farense fico todo arrepiado. Quando jogava, o hino dava-me uma força suplementar. São palavras fortes, que tocam cá dentro e dão ânimo. Ouvir o hino leva-me mais perto dos grandes momentos que vivi nesse clube especial”, confessa o próprio Hassan Nader, ainda em festa, face à subida do emblema que lhe propiciou os melhores momentos da carreira.
“Acredito que o Farense
voltará a um grande nível. Reviver os jogos no inferno
do São Luís vai ser fantástico!”
“Quero dar os parabéns a todos, do presidente ao roupeiro e aos adeptos, que finalmente comemoraram a subida à I Liga, após 18 anos vividos em patamares que não são os do Farense. Da minha parte, mesmo à distância, senti uma alegria enorme, impossível de descrever. Todos sabem o sofrimento por que passaram os verdadeiros farenses, mas agora, com esforço e muito trabalho, conseguimos! Tenho o clube gravado no meu coração”, diz o marroquino, com emoção na voz, que nem a chamada telefónica para Casablanca consegue disfarçar.
O rei do Algarve
Hassan, de resto, faz parte da história dos leões de Faro. “Passei momentos inesquecíveis e honro-me de ter contribuído para épocas de brilho e sucesso”. De facto, assim foi. “Quando cheguei [1992/93] fiz logo nove golos. E na temporada seguinte marquei 16, mas podia ter obtido muitos mais, já que perdi alguns jogos, para representar a seleção de Marrocos, pois naquela altura não havia datas FIFA. E foram 16 golos em despique com os melhores avançados dos três grandes”, faz questão de sublinhar, antes de recordar aquela que, para si, talvez tenha sido a melhor época de todas. “Em 1994/95 marquei 21 golos e fui o rei dos marcadores. Foi a primeira – e única – vez que um jogador do Farense ganhou o título de melhor marcador”, atira, numa mescla de prazer e saudade. Esta época ficou mesmo gravada a letras de ouro no historial do clube, uma vez que obteve o 5.º lugar do campeonato e qualificou-se para a Taça UEFA.
“Em 1994/95 marquei 21 golos e fui o rei dos marcadores. Foi a primeira e única vez que um jogador do Farense ganhou o título de melhor marcador”
Hassan, antigo jogador
“Os farenses falam sempre de mim e chamam-me ‘rei do Algarve’ e ‘grande Hassan’. Falo com alguns, pelas redes sociais, e troco também mensagens com companheiros desses tempos. Tudo isso mexe comigo”, repete o avançado, que, graças a tantos golos, acabou por se transferir para o Benfica, onde permaneceu duas temporadas, volvidas as quais voltou a Faro, até 2004, completando assim a forte ligação com os algarvios. “Agora? É preciso que o clube trabalhe ainda mais para se estabilizar. Com uma planificação adequada e bons profissionais, com esta direção superiormente conduzida por João Rodrigues, acredito que o Farense voltará a um grande nível. Reviver os jogos no inferno do São Luís vai ser fantástico! Acho que sim, que está tudo no bom caminho”, sustenta Hassan, hoje com 54 anos. “Desejo toda a sorte do mundo”, conclui o marroquino, deixando ainda a promessa de que, quando as restrições forem levantadas, apanha um avião em Casablanca rumo a Faro.