OPINIÃO | Ao sul… Psicólogo diariamente

Carlos Gordinho | Professor, in Lagoa Informa nº193


“Hoje foi muito de psicologia que o professor teve que aplicar.”
Comentário de uma mãe no final do treino de petizes, aquando do primeiro dia de a criança a experimentar o ‘treino’ de futebol.

O primeiro enquadramento é feito pelo pai junto da linha, já que a criança teme em largar a perna da mãe, agarrado ‘com unhas e dentes’, o que é normal e compreensível no seu processo evolutivo e de desenvolvimento, porque a mãe irá ser sempre a extensão de porto de segurança e de recolhimento quando de ajuda e socorro necessita. Não conhecer ninguém no grupo novo, não existem amigos, não há ligação familiar, nada, nem tão pouco vizinho, apenas ‘tem’ a intenção de “vir jogar à bola, porque ele gosta muito”, com quatro anos…

Quando chegamos perto desta interação Pai-Criança, percebemos que existe um constrangimento enorme e ficamos sem saber de quem é a verdadeira intenção de permanecer e participar no treino, porque foi escolhido o futebol e por que motivo ali estão.
Passamos à ação, apresentamo-nos, falamos com mãe e criança, começamos por fazer uma breve descrição fantasiada do que se está a passar com os Amigos e o que vai surgir no tempo próximo e logo que se consegue ganhar o contacto físico como “sentar sobre a nossa perna” ou “dar a mão”, começamos a ganhar e a transmitir um tipo de segurança diferente, mas válido, para que se possa evoluir e começarmos a ganhar a ‘separação’ entre mãe e filho, que terá que acontecer, porque assim o processo e sistema de funcionamento o obriga.

Próxima missão: ganhar empatia suficiente e garantir os níveis de confiança e conforto para que a criança possa entrar e envolver-se no contexto de ‘aula’. Neste contexto, a criança recusa participar, não está disponível para nada e o movimento de olhar para trás é o que mais se regista, para poder localizar os progenitores e para perceber que não o abandonaram totalmente. É quando surge o nosso ex-líbris na prática nestes escalões etários, um fio que divide nas suas extremidades um apito e uma chucha, este serve de desbloqueador de mimo e afastamento umbilical, até porque já somos ‘dos grandes’.

A criança é convidada a não participar e apenas a nos acompanhar no controlo e supervisão das atividades e tarefas, para de seguida a convidarmos a pegar numa bola e ‘Brincar’ ao futebol e na mesma percorremos o espaço de treino, jogo, brincadeira, de exploração e de possível interesse. Aos poucos, vamos conquistando a atenção, o espaço, o tempo, o foco da criança para o contexto da exercitação, estimulação e calmamente a atenção da criança começa a ir na direção que os adultos querem.

Passados alguns minutos, estamos dentro do cenário desejado, a primeira experiência, experimentação e envolvimento na aula/treino. Esta tem que ser positiva, tal como todas as outras que se possam seguir. O objetivo principal deverá ser sempre o bem-estar e o gosto da criança durante e pela atividade pelo que promovemos um trabalho global para que cada criança, termine o seu dia de “trabalho” e saia de perto de nós (porque somos uma equipa), com a vontade e o desejo de regressar no próximo dia para estar na nossa companhia, para se divertir e brincar de forma organizada, prazerosa e ao mesmo tempo espontânea.

Esta além de outras, tem que ser uma atividade positiva nesta etapa de formação e desenvolvimento destes pequenos seres humanos; momentos como este, em que os próprios são empurrados, não sabendo muito bem ainda quais são os seus gostos, interesses, suas opções, embora, nós as respeitemos dentro do nosso contexto de “jogo”, tornam-se comuns. Mas só as respeitamos.

E quando no final do treino regressamos ao encontro dos progenitores, o tão esperado momento de alívio e êxtase para as crianças, devolvemos a sua cria e lhe damos o ‘feedback’ do momento intensamente vivido, os mesmos nos retribuem com a frase que iniciamos este texto.

E será que não é assim nos outros dias todos?

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