OPINIÃO: Ser mulher antes do 25 de Abril

Miraldina Diogo


Ser mulher antes do 25 de Abril não era fácil, de tal forma que se faziam concursos para eleger a mulher ideal. Nesta eleição, o requisito principal era ser uma boa esposa, isso incluía muitos predicados, o primeiro era ser boa dona de casa. Havia várias regras a cumprir: não podia desfilar em fato de banho, nem numa ida à praia; mulher ou rapariga para se dirigir a um bar de praia teria que se compor, ou vestia-se, ou enrolava-se num pano; tinha que ser uma boa cozinheira,; ter jeito para a costura; estar sempre disponível para o marido e filhos. Em 1971, o último concurso foi em Itália, a eleita foi uma mulher portuguesa, tal não era a sua submissão ao facto de ser mulher.

A mulher era tratada como um objecto devendo obediência ao marido, sendo obrigada a ter a mesma residência. Não podia viajar para fora do país sem a assinatura do marido.

Os cafés eram estabelecimentos só para homens, raramente uma mulher entrava num café e quando era necessário ficava à porta, à espera do marido, namorado, pai ou irmão. Só após o regresso dos retornados, elas, sendo portuguesas como nós, tinham hábitos de socializar muito à frente de quem nunca tinha saído do seu local de naturalidade e porquê? Havia dois pesos e duas medidas para o mesmo regime, foi uma pergunta que sempre fiz e sempre ficou sem resposta.

Quando vejo reportagens de países árabes em que mostram grupos de homens e nunca se veem mulheres, recordo esses tempos antes do 25 de Abril, as tabernas, cafés, petiscos, direcções de clubes, instituições, eram só para homens, o lugar das mulheres era em casa, sempre submissas.

A Constituição de 1933 estabeleceu o princípio da igualdade entre cidadãos perante a lei, mas com algumas excepções. O documento referia diferenças em relação às mulheres e aí salvaguardava o bem-estar da família, a mulher estava sempre num plano secundário em relação a opiniões, decisões e até socialmente um comportamento esmerado, só assim era aceite em determinados grupos. No entanto, as mulheres foram com muita discrição impondo a sua vontade, mostrando as suas capacidades de decisão e trabalho. Começa-se a impor e muito discretamente a lutar pela sua independência, só após o 25 de Abril dá o grito de ‘Ipiranga’, ocupando lugares inferiores ao dos homens, mas dando provas de que tinham tantas ou mais capacidades do que o sexo oposto.

Uma mulher que fosse professora só se podia casar com um homem que tivesse um rendimento superior ao dela, mas ao contrário não havia problema, porque o homem tinha que estar sempre num patamar acima, a mulher devia sempre obediência ao marido. As enfermeiras estavam proibidas de casar, tinham obrigação de fazer da profissão um sacerdócio.

Em pleno século XX, uma mulher para casar com um elemento que estivesse nas forças de segurança, o presidente da Câmara tinha que atestar que essa mulher tinha um bom comportamento moral e civil e só assim o processo de casamento era aprovado.

Uma situação caricata: em 1944 foi estabelecida com a Igreja Católica na Concordata a proibição do divórcio. Na consequência desta situação todas as crianças nascidas de outras relações passaram a ser filhos ilegítimos e mediante esta lei, só havia duas alternativas, a mulher se quisesse dar o seu nome ao filho, era obrigada a dar o nome do anterior marido e assim este era o pai legítimo. Se optasse por registar com o nome do verdadeiro pai, ficava filho de mãe incógnita, como era possível uma mulher dar à luz um filho e registá-lo ‘filho de mãe incógnita?’.

O direito de as mulheres votarem na Europa foi aprovado em 1822. Em Portugal foi um século depois, mas isso não passou do papel com algumas excepções e porquê? Achavam que nem todas as mulheres tinham capacidade e para o fazer só com uma formação académica de grande destaque e com a certeza de que estava de acordo com o regime, esse direito de voto a todas as mulheres foi-nos dado com o 25 de Abril.

Ora digam lá se as mulheres não eram prisioneiras só pelo facto de terem nascido mulheres? Seres inferiores.Mas hoje são mulheres poderosas, independentes sem cartas de alforria.
E viva as mulheres!

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