Óscar Sardinha: O sonho comanda a vida

Opinião: Óscar Sardinha | Mestre em etiqueta e protocolo


Volta e meia sucede um episódio relacionado com o racismo e a humanidade reage como se fosse uma novidade. Foi assim no caso Marega e, dentro em breve, assim será no caso George Floyd. A malta indigna-se, vandaliza umas estátuas, cria um movimento, e depois cada um vai à sua vida com a consciência mais aliviada, mas pelo meio temos que aturar essa velhaca da hipocrisia!

Quando sucedem estes fenómenos, potenciam-se os populismos e os usuais aproveitamentos, uma vez que estes cenários são propícios para quem precisa de palco.
Nessa janela de oportunidade somos todos Marega!; alguns políticos indignam-se e vociferam as suas sentenças anti-racistas; outros políticos aplaudem; Os Simpsons despedem o ator branco que dá voz ao personagem Apu porque este tem origem indiana; e, simultaneamente, continuamos com crises humanitárias em África, a questão dos refugiados agrava-se.

Relativamente a este verdadeiro flagelo que acompanha a história da humanidade e parece não ter fim à vista, invoco a memória de Martin Luther King (MLK), um ativista político norte-americano com veia de pastor batista, que liderou o movimento dos direitos civis dos negros e que, nas horas vagas, defendeu também o direito das mulheres, tendo ainda sido uma voz bastante ativa contra a guerra do Vietnam.
Tal como o nosso lusitano Durão Barroso, na irresponsabilidade própria de quem tem 25 anos, MLK era o que se chama um verdadeiro arruaceiro, sempre pronto para uma escaramuça com as autoridades. E por isso, não foi de estranhar que tenha sido preso pela primeira vez por promover um boicote a uma companhia de transportes cujos lugares sentados eram destinados aos passageiros brancos, restando aos passageiros negros viajar de pé ou, com sorte, na parte de trás do autocarro se os lugares estivessem livres!

Voltando à vaca fria (e com isto espero não ofender os animais desta espécie, nem de espécie nenhuma), a prisão do jovem MLK bem como os seus dotes de oratória, deram-lhe o destaque que quem o perseguiu decerto não desejaria.

Resultado: no próximo dia 23 de agosto, fará 57 anos que Martin Luther King proferiu um dos mais famosos e poderosos discursos da história da humanidade: I have a dream! (para quem nunca teve que recorrer ao inglês, nem que fosse para engatar bifas, eu ajudo: Eu tenho um sonho!).

Nesse distante dia, depois de liderar aquela que ficou conhecida como a marcha sobre Washington, MLK dirigiu-se às 250.000 pessoas que o acompanharam e, do fundo da sua alma, expressou o seu sonho. Nesse sonho, todas as pessoas, independentemente da cor, poderiam viver numa sociedade em perfeita harmonia, sendo reconhecidas pelas suas capacidades intelectuais e não pela cor da sua pele.

Apesar de o sonho de MLK ter sido tão concretizado como o meu desejo de ganhar o euromilhões, em 1964 ganhou o prémio nobel da paz.

Como é evidente, todo o percurso e coragem de MLK deve ser reconhecido, mais que não seja porque naqueles tempos não bastava ter um acesso rápido à net para poder brilhar na sociedade. MLK foi o que atualmente, muito enfaticamente, se designa de influencer.

Se eu usasse chapéu, certamente que o tiraria em deferência pelo valor da sua intervenção cívica, mas confesso que esta coisa dos prémios provoca-me alguns calafrios porque, como em tudo na vida, é notório que na hora de decidir há sempre algum grau de favoritismo relacionado com as modas do momento.

Só assim se compreende como é que figuras históricas como Yasser Arafat e Yitzhak Rabin (também conhecido como o “general quebra-ossos”), cuja associação a atividades pacifistas é por demais conhecida e reconhecida, pudessem também ser contemplados com tamanha distinção.

E só assim se explica porque é que o presidente do Benfica nunca ganhou o Nobel da Paz uma vez que também ele tem o sonho de ver o glorioso a ganhar uma Champions; alegadamente também teve alguns problemas com a justiça precisamente no ramo dos transportes; e, enquanto MLK conseguiu juntar 250.000 pessoas, quando o glorioso vence um campeonato põe, nas calmas, quase 1 milhão de pessoas no Marquês de Pombal, já para não falar das 5 milhões de almas que por lá se encontram em espirito!

Direi mais: esta dualidade de critérios constitui uma forma grave e reiterada de discriminação. O recente episódio que sucedeu com George Floyd veio provar que, mais facilmente o Benfica ganha a Champions, do que se erradicará o racismo da face da terra.

Eu percebo que para ganhar um Nobel, não basta um gajo sonhar, porque se assim fosse qualquer individuo poderia ganhar um prémio Nobel. No entanto, no caso do presidente do Benfica, o mínimo que se pode pedir aos senhores de Estocolmo é que consultem o VAR.

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