Pescadores Profissionais de Alvor têm das melhores condições do país

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Portimão Jornal
A Associação de Pescadores Profissionais de Alvor surgiu há 20 anos e revitalizou uma atividade que quase se confunde com a população desta freguesia do concelho de Portimão, tão fascinante e emblemática que é, portadora de sonhos e autêntico ganha-pão para famílias inteiras. A atividade, claro, é a pesca, sempre presente no quotidiano de quem vive na vila e também no de quem a visita.
Bráulio Custódio é uma figura importante em toda esta história, bem como Anália Lopes, ambos presentes desde a primeira hora e grandes impulsionadores da Associação, que teve outras contribuições de vulto, casos, por exemplo, “do Armando e do Armindo”, como nos conta o próprio Bráulio, o presidente, homem do mar e da pesca quase toda a vida.
“Era uma necessidade dos pescadores, sobretudo para melhorar as nossas condições de trabalho. Havia lama espalhada por todo o lado na maré vazia, não tínhamos carro próprio para os peixes, e, agora, temos rampas e demais infraestruturas, de tal modo que a nível nacional não há muitos que tenham estas regalias, da grua à marina para os barcos, arca frigorífica, máquina de gelo e carrinha”.
A ajuda da Câmara de Portimão foi determinante para a edificação da marina, pois, prossegue Bráulio, “tínhamos verba a fundo perdido e até avançámos nós com algum dinheiro, que depois reavemos”. Era preciso, igualmente, encontrar sócios e preparar todas as questões burocráticas até dar corpo à Associação, o que se foi fazendo com o decorrer do tempo. Anália, a secretária que é muito mais do que isso, junta outros pormenores. “Andaram de porta a porta a angariar associados, na altura em que Manuel da Luz era o presidente da Câmara e, como homem de Alvor, queria ajudar”.
Para esse auxílio ser realidade não se podia tratar de uma pessoa singular, mas sim de uma associação, para existir união, mais força e dispor de estatutos, algo sempre fundamental nestas circunstâncias. Foi assim que nasceu a Associação de Pescadores Profissionais de Alvor, também com o apoio de Artur Santana, presidente da Junta na altura e “sempre bastante colaborante”.
A pesca como “amor de uma vida”
Satisfeito com todo o trabalho desenvolvido e com uma obra que fala por si, Bráulio Custódio reconhece, porém, que “há sempre coisas para melhorar”, tais como as limpezas e a preservação do espaço e das condições, inclusive porque o pescador pensa constantemente no dia de amanhã. “Somos 20 sócios, todos pescadores profissionais, aos quais se juntam os proprietários dos barcos de recreio”, cuja filiação é fundamental.
Os barcos ditos de recreio, esclareça-se, também vão à pesca, se o proprietário assim o entender e desejar, como sucede maioritariamente em Alvor.
A Associação não tardou, pois, a abrir espaço para esse outro tipo de embarcações, porque, como Bráulio e Anália fazem questão de sublinhar, “a receita de vinte sócios não dava para pagar uma despesa mensal grande”, que contempla, entre outras coisas, três empregados e os seguros. “Os sócios do recreio deixam os barcos na zona da marina, e, ao todo, são 187 os pagantes, um número já considerável”.
Acresce que os preços são acessíveis e até convidativos. “Há uma quota para os profissionais e outra para os pescadores de recreio, sempre inferior ao que é praticado, por exemplo, na Marina de Portimão. Aqui é tudo transparente”. Os primeiros pagam 25 euros e um barco dito de recreio até seis metros paga 50 euros. A partir daí vai aumentando e uma embarcação com mais de 11 metros tem uma quota de 120 por mês, mas, aponta Bráulio, “na Marina de Portimão um barco deste tipo tem de despender 500 euros mensais”.

O presidente da Associação tem 65 anos, é natural de Alvor e esteve sempre ligado ao mar. Também andou por fora e teve outras atividades, caso da restauração, mas desde os 14 anos que a pesca o acompanha. “Nunca deixei a minha terra nem a pesca, é o amor de uma vida. Quando o tempo está bom saímos todos os dias, a uma ou outra hora. A malta pesca na baía, outros vão para a Salema e Sagres, outros ainda para Armação. Há sítios onde deixamos os cofres e os alcatruzes, tipo ficam hoje e amanhã vamos buscar, não há zonas específicas, pesca-se onde cada um quer”, explica Bráulio, que por norma anda sozinho na faina, embora haja barcos com duas pessoas. “Cada barco pesca por si”, diz ainda.
150 quilos de bicas e mais de 200 de polvo
De aventuras está o mar cheio, também se pode dizer nesta reportagem que o Portimão Jornal levou a efeito bem no centro das raízes piscatórias de Alvor, junto às instalações onde os pescadores descarregam o pescado e onde também se situa a sede da Associação.
“Há sempre histórias, é verdade, e já tive situações de ver a vida quase a andar para trás. Imagine que um cabo se prende no pé… um moço daqui foi borda fora, mas a sorte dele é que o motor estava parado. Se o pé fica preso no cabo e o barco continua a andar pode ser complicado, mas é como em outras profissões, como numa oficina, em que o perigo pode rondar”.
As boas aventuras, essas, podem ser traduzidas em números, e o rosto de Bráulio, bem marcado pelo agradável, mas, igualmente implacável sol algarvio, dá logo sinais de excelentes memórias. “Já pesquei 150 quilos de bicas, durante uma saída, e 200 e tal quilos de polvo há uns dois ou três anos, também por aqui e num dia”. Estas façanhas, que deixaram todos os pescadores de Alvor em festa, não escondem, todavia, a realidade dos dias de hoje.
“Cada vez há menos pescado, mas, em contrapartida, as condições são melhores. Temos motores bons e em 15 minutos, se o tempo estiver ruim, voltamos a terra”, salienta o homem que foi tesoureiro e vice-presidente da Associação antes de chegar a presidente e que vai para a reforma em agosto, embora, obviamente, prometa continuar a pescar.

Esta paixão, de resto, é transversal à de Anália Lopes, que Bráulio, carinhosamente, apelida também de “presidente”, tal não é a influência da secretária, que é o outro rosto da Associação e figura indispensável numa atividade que requer bastante acompanhamento. Anália tem 66 anos e desde os 18 que sempre trabalhou com a classe da pesca, então na Casa dos Pescadores em Portimão. Uma paixão que nunca mais largou.
Lista de espera por um lugar no pontão
“Quando resolveram abrir a Associação os pescadores precisavam de alguém que percebesse minimamente de algumas questões, mais burocráticas, até porque não havia computadores nem telemóveis”, conta Anália, que foi então convidada “para vir dar uma ajuda”.
Começou por trabalhar uma vez por semana, “quando os sócios eram poucos e nem havia pontões”. Depois, quando o número subiu, duplicou e triplicou a presença…
“Passei a vir todos os dias, até hoje, e fiz um acordo em que, inclusive, prescindo de férias. Se a Associação fechasse portas um mês que fosse era muito complicado. Eles não percebem de papéis, nem de matrículas, é necessário ir à capitania, fazer seguros, pagar armazéns, enfim…”, vinca a secretária, que, no entanto, tem facilidade em tirar um ou outro dia que precise para os seus afazeres pessoais.
Entretanto, a secção onde Anália trabalhava na Casa dos Pescadores em Portimão fechou, passando a estar a tempo inteiro na Associação de Alvor. Também ela tem fortes lembranças, desde a carrinha oferecida por Manuel da Luz para o transporte do peixe, quando deixou de haver lota em Alvor, até ao protocolo com a Docapesca, através do qual foram fornecidas caixas aos pescadores que chegam do mar, para além de máquinas de gelo, câmaras e balanças.
Assim, já em terra, o pescado é pesado, distribuído pelas caixas e segue para a lota de Portimão. Quem faz o transporte é Mário Joel, responsável há dez anos por este vaivém e outro elemento indispensável na vida da Associação. Fez formação na Docapesca, porque todo este processo requer conhecimentos. A título de exemplo, são precisas guias eletrónicas, a carrinha é selada e as guias têm número e estão identificadas.
Um pescador profissional tem de estar inscrito na For-Mar e tirar Cédula Marítima. Os amadores não necessitam de tantas formalidades e pescam nos ditos barcos de recreio. Neste contexto, Anália reforça as palavras de Bráulio, sublinhando que “a Associação teve de abrir portas aos associados de recreio, porque os profissionais são poucos para pagar as despesas, incluindo o espaço da sede, que é alugado”.
A adesão é significativa e até há lista de espera para dispor de um dos 50/60 lugares no pontão, onde os pescadores profissionais têm obviamente primazia. Curioso é o facto de alguns estrangeiros poderem estar largas temporadas ausentes e depois, quando regressam, acertam logo as contas. Ou não fosse o Alvor uma beleza à beira-mar plantada.