Philippe Bourroux: “Tenho todos os vinhos do Algarve na minha garrafeira”

Gere sete lojas no Algarve, mas acima de tudo é um empresário discreto que tem valorizado a economia local. De nacionalidade francesa, Philippe Bourroux, há quase três décadas, escolheu Portugal como sua ‘casa’. Há 23 anos conheceu o Algarve e apaixonou-se pela região, onde vive desde essa altura. Portimão e Praia da Rocha são os seus mais recentes desafios.

O que significa fazer parte do grupo ‘Os Mosqueteiros’?
É um grande orgulho! Comecei a trabalhar no grupo como informático há quase 36 anos. Gostei do funcionamento do grupo e, por isso, fiquei. O meu objetivo era criar uma loja em França, mas nessa altura descobri Portugal e decidi ficar. É assim, é a vida!

A aposta nos produtos locais é importante?
Temos obrigação de comprar 85 por cento da mercadoria à nossa central, o resto podemos comprar a quem quisermos. Temos fornecedores locais, com produtos válidos, mas há duas questões que é a produção local e o fornecimento local. E, nesse aspeto, as produções locais podem ser interessantes, como o medronho, o vinho, os doces, a sardinha. Todos esses são produtos que quero vender na minha loja e os produtores podem falar comigo. Vou sempre encontrar um espaço para vendê-los e tenho alguns deles já disponíveis. Tenho todos os vinhos da região na minha garrafeira.

Como surgiu a hipótese de investir em Portimão?
A loja no Cabeço do Mocho já existia há nove anos, mas só fiquei com ela no final de 2018. O grupo criou este espaço para ter um Intermarché, um Bricomarché, um Roady e um Vêtimarché. No entanto, em Portugal deixámos de ter a loja de roupa ‘Vêti’, por isso, abriu só com as outras três superfícies, com empresários independentes. Acabaram por sair das lojas porque não conseguiram rentabilizá-las. Como o Vêti nunca abriu, o espaço ficou vazio, sendo explorado pelo grupo. O problema é que uma loja com gestão do grupo não funciona, pois, como somos um grupo de empresários independentes, precisamos de ter um aderente no estabelecimento, que o oriente e que sinta o contexto económico da zona. No final de 2018, o Bricomarché encerrou definitivamente, porque não estava adaptado para fazer um trabalho sério de bricolage e o Intermarché era um ponto de interrogação.

É nessa altura que fica com a exploração?
Havia duas soluções, uma era o grupo abandonar a posição de Portimão e a outra era alguém retomar esta loja. Para mim, foi um desafio, pois o espaço nunca funcionou, mas, com certeza, existe potencial num concelho com 60 mil habitantes. Não havia razão para não conseguir ir buscá-lo e colocar o projeto a funcionar. Decidi ficar. Falei com os meus colegas do Conselho de Administração e propus rentabilizá-lo, sem ajuda do grupo.

Foi uma aposta pessoal?
Sim, com certeza. Eu gosto de desafios. Retomei a loja no início de 2019 e explorei-a nesse ano, tendo apenas reorganizado o espaço e feito uma melhor apresentação dos produtos. Não fiz investimento pessoal, só orientei de forma diferente. E funcionou, porque num ano, consegui equilibrar as contas. No final do ano passado, decidi fazer uma renovação completa. Comecei as obras no início de 2020, com alguns problemas devido à covid-19, pois tive de parar e recomeçar. Foi complicado, mas o resultado é positivo.

Quanto é que investiu?
Investi muito para um empresário independente (risos), mas com tudo incluído estamos a falar de aproximadamente um milhão de euros.

Está satisfeito com o resultado final?
Muito, porque mudou completamente o espaço. Fui eu que desenhei esta loja assim, vi as coisas evoluírem e é muito agradável ver como ficou.

O desenho da loja é da sua autoria?
Sim, com a validação do grupo, mas fui eu que compus. Conservei o máximo do que já existia e que ainda estava em condições, substitui o equipamento necessário e remodelei totalmente a decoração. Tentei reaproveitar todos os espaços do centro comercial, criando um espaço mais amplo de cafetaria.

Acredita que será um projeto vencedor?
Acredito muito. Um colega meu, que instalou um Intermarché na minha pequena vila, na França, há 30 anos, tinha concorrência. Teve imensa dificuldade para alavancar a loja. Eu vim para Portugal e, um dia, quando voltei a França fui visitá-lo e ele já estava a crescer muito. Disse-me: ‘Philippe! Uma coisa é importante e certa. Quando há potencial numa zona devemos ir buscá-lo’. Esta frase ficou sempre na minha cabeça. Há potencial em Portimão e não havia razão para não o aproveitar, como se confirma atualmente.

Num curto espaço de tempo investe também na Praia da Rocha?
É uma zona atípica, porque está cheia de pessoas no Verão, exceto este ano, evidentemente, e completamente vazia no Inverno. É terrível. Instalar uma loja nessa zona é sempre complicado, porque funcionará três meses num ano e nos restantes meses vamos deixar aberto, sabendo que o número de vendas será muito restrito. No entanto, decidi investir na Praia da Rocha, num complemento à loja de Portimão.

O que o motiva nos novos desafios?
Gerir uma loja… vou esquematizar: é encomendar a mercadoria, receber a mercadoria, pôr a mercadoria à venda, vender a mercadoria e, no dia seguinte, começamos de novo. Todos os dias do ano! É sempre igual! Não é isso que é motivante. Claro, efetivamente há que dinamizar as vendas nas lojas para que sejam o melhor possível. Criar uma nova loja, isso sim é um desafio! Estamos a mostrar o projeto, fazemos as obras, a decoração, colocamos o equipamento e abrimos. Temos de ver se funciona bem desde o início e atingir o volume de venda mínimo e verificar se o volume de rentabilidade já foi atingido. No entanto, quando a loja está na velocidade de cruzeiro, é repetitivo (risos). O que me motiva é criar algo de raiz, novo… é extraordinário.

Economia do Algarve é preocupação devido aos efeitos da covid-19

Como viveu o período de confinamento? Teve de adaptar a estratégia?
Atualmente já não há confinamento, mas o efeito da covid-19 continua. Essa fase não foi muito complicada, exceto porque as pessoas tiveram de respeitar as regras de distanciamento, de segurança e nós tivemos de adaptar a loja para respeitar tudo isso também. Na globalidade os clientes comportaram-se muito bem. Foram impecáveis! O que se passou connosco é que as pessoas vieram com menos frequência ao supermercado, mas, ao início, houve uma subida do cesto médio. Quando o período turístico chegou, após o mês de abril, passámos a uma baixa terrível de clientes.

Como analisa o comportamento dos portugueses em relação a países como o seu, a França?
Há mais ou menos um ano que não vou a França. Só vou acompanhando através do que o meu irmão me conta ao telefone. Uma coisa é certa… a psicologia dos portugueses é diferente da dos franceses. É difícil obrigá-los a fazer algo, enquanto os portugueses estão a receber orientações e, na globalidade, estão a respeitar bem. O francês tem mais dificuldade em respeitar.

Teve algum tipo de apoio ou de aconselhamento do grupo ‘Os Mosqueteiros’?
Evidentemente, temos o nosso departamento de qualidade com o qual – faço parte do Conselho de Administração do grupo –reunimos através de videoconferência. Todos os dias tínhamos diretivas enviadas para cada loja e eram dadas informações que cada aderente devia seguir. Tenho também uma engenheira de qualidade nas minhas lojas, que trata das medidas da covid-19.

Acha que é negativo que a região esteja tão dependente do turismo?
Este ano, isso criou um problema grave, porque houve uma baixa de 40 a 50 por cento do turismo, o que leva a que a economia sofra também um decréscimo. Atualmente fico preocupado, pelos pequenos restaurantes e negócios. Estão a sofrer ainda mais do que nós. O que me preocupa é toda a economia comercial da região, que afeta diretamente o desemprego. Acho que a taxa de desemprego vai subir muito e vamos passar um Inverno terrível a nível económico.


PERFIL | Quem é Philippe Bourroux?
Quase que pode ser caracterizado como um empresário que vive de desafios, alguns deles bem difíceis, e é esse o motor do seu dinamismo. De nacionalidade francesa, chegou a Portugal há quase 30 anos, no início de 1991, para integrar o grupo ‘Os Mosqueteiros’ como informático. Participou na abertura das 12 primeiras lojas da marca em território português, até que, dois anos depois, em 1993, decidiu abrir a sua primeira loja, a 13ª do grupo, em Felgueiras.
Numa altura em que o setor da grande distribuição alimentar estava em evolução, Philippe Bourroux esteve à frente do Intermarché cinco anos. Teve de enfrentar as dificuldades da existência da concorrência. Quando a loja entrou num processo de estabilidade económica, sentiu que precisava de novos desafios.
E foi aí que descobriu o Algarve, através de um projeto que estava a ser implementado em Lagoa, mas que nenhum dos seus colegas, empresários independentes no grupo, queria gerir. Isto porque, não ficava junto à Estrada Nacional 125. A 15 de junho de 1997 visitou o terreno, localizado junto à estrada que liga Lagoa a Carvoeiro.
“Em Carvoeiro, visitei o centro, a pequena praia e Vale Centeanes. Quando chegámos lá acima vi a praia cheia de gente e decidi que ia fazer a loja. Todos os meus colegas pensaram que devia ser louco, porque todos tinham recusado. A verdade é que fiz e efetivamente correu muito bem”, confidencia.
Desde essa altura até à atualidade tem sido um empresário com uma postura discreta, mas que muito tem investido na região e que apoia os produtores e comunidade local. Gere sete lojas e a última grande remodelação que fez foi em Portimão, mas já tem novos desafios previstos para o concelho vizinho de Lagoa. Em 30 anos, diz ter tirado férias “duas vezes uma semana para ir ao Brasil, e duas semanas em janeiro de 2020 para fazer um cruzeiro”.

You may also like...

Deixe um comentário