Viveiro de campeões lagoenses aumenta ‘à custa’ de David Silva

Texto: Hélio Nascimento | Foto: Kátia Viola

David Silva tinha pouco mais de três anos e já pegava na raqueta de badminton e no respetivo volante, pronto para dar início a uma carreira de sucesso, de autêntico desportista, ou não tivesse experimentado, ainda muito jovem, outras modalidades, casos do ténis de mesa, basquetebol, polo aquático e natação. Mas o badminton foi a escolha final, ao que não será estranho (ver caixa) a longa e profícua tradição familiar.

“Chegas a uma altura e tens de optar. Se continuares a fazer diferentes desportos, não consegues tirar rendimento de todos e ficas debilitado. Aqui, no badminton, é que me divirto. E, claro, também é uma espécie de herança de família”, confessa David, agora com 17 anos, ao Lagoa Informa, no final de mais uma sessão de treino, no pavilhão da Che Lagoense, clube que este jovem estudante de ciências e tecnologia, morador no concelho, na localidade do Calvário, representa. 

Com vários títulos e outros lugares de destaque já no registo, David Silva parece querer assumir o papel de sucessor de Pedro Martins e Bernardo Atilano, referências gradas do emblema do Parchal e até do desporto português, sobretudo o primeiro, que esteve presente em duas edições dos Jogos Olímpicos (2012 e 2016). “Nasci numa terra de campeões. Vi o Pedro jogar e adorava! Agora, tenho o Bernardo como ídolo. Trabalhei com ele, e, quando vou a Lisboa – local dos seus treinos e dos estágios da seleção –, recebo uma ajuda imensa. Ele viveu o que eu estou a passar, em termos de carreira, e daí os bons conselhos. Quero seguir estes passos, trabalhar bem e controlar a nutrição. São vivências que ficam. Quando fui ao Europeu aconselhei-me com ele, também sob o ponto de vista psicológico”, assume David Silva, sabedor de que há momentos altos e baixos no percurso de um atleta. “Há de correr bem. O Pedro e o Bernardo são exemplos incríveis e grandes inspirações. Espero, claro, que o Bernardo vá aos Jogos Olímpicos!”, vinca. 

Muitos sonhos, mas sem apontar a objetivos fixos 
Bicampeão nacional (singulares e pares mistos, com Beatriz Roberto), na sequência de “uma época bem trabalhada”, David já participou em dois Europeus dos escalões de formação, esteve numa final de seniores, embora na altura tivesse somente 16 anos, e obteve um terceiro lugar num torneio internacional em Espanha. “O meu sonho? Tenho vários, mas, como jogador, raramente aponto a objetivos fixos. Gostava de ir aos Jogos Olímpicos, de ser top 50 do mundo, de ir a Mundiais e Europeus. Tudo se resume em fazer o melhor e chegar o mais longe possível, sempre com o foco em evoluir, em trabalhar mais, dar o máximo e progredir”. 

Curiosamente, David tem um outro sonho que quer concretizar: o de treinar um atleta e levá-lo aos Jogos Olímpicos. Sendo tão novo, e com uma carreira assaz promissora pela frente, esta ideia até acaba por surpreender. “Gostava de passar quatro ou mais anos com um atleta e levá-lo ao topo. É um ideal muito interessante, que sempre me fascinou. O facto de o meu pai ser treinador contribuiu certamente para este desejo”, admite. 

Por falar em treinadores, David Silva traz à conversa o nome de Pedro Gomes, antigo técnico da Che Lagoense e responsável pelo seu regresso à coletividade. “Sempre gostei de ganhar. Com o passar dos anos fui corrigindo falhas e até mudei de clube, quando Pedro Gomes me chamou, precisamente para evoluir mais. Não podia recusar. Na altura estava no Universo dos Mistérios, o clube do meu pai, em Estômbar, e o Pedro trabalhava aqui. Ainda hoje mantemos o contacto e o plano físico que cumpre é da sua autoria. Através dele, tenho participado em meetings online, com um ‘mental coach’, jogadores dinamarqueses e australianos, bem como com colegas portugueses, o que tem sido espetacular”, reconhece o jovem lagoense, cujo progresso fala por si: na época 2019/20, em sub-17, não perdeu um único jogo! 

A coordenadora Dalila e o irmão Carlos 
Dalila Belém, 33 anos, é a coordenadora técnica do badminton na Associação Cultural e Desportiva Che Lagoense. Está na modalidade há 26 anos – passou um período fora, na Madeira – e é do Parchal. “Treinava cá e jogava na Madeira”, conta, a propósito do seu trajeto como atleta, em que atingiu um plano de alguma notoriedade, tendo representado a seleção nacional desde os sub-13 aos seniores. Alcançou um terceiro lugar na Liga dos Campeões, representando o Santana, participou na mesma prova pela Che Lagoense, foi vice-campeã absoluta e conquistou títulos em todos os escalões de formação em uma ou mais provas (singulares e pares). É treinadora há oito épocas, sendo a responsável por todos os escalões, desde os sub-9 até aos veteranos.  

Carlos Silva, irmão de David, tem 22 anos e está ligado ao badminton há 16. Atualmente, é atleta e treinador do emblema do Parchal e já esteve em outros clubes do concelho. Como jogador, chegou a representar Portugal em Campeonatos do Mundo e da Europa, nos sub-19 e sub-17. “O David? Se for preciso, dou-lhe bastante na cabeça, aqui e não só”, graceja Carlos, assumindo, de imediato, que o irmão “é responsável, consciente e leva a sério o plano de trabalho”, o que tem ajudado à notória evolução dos últimos tempos. “Faz também ginásio, é pontual e cumpre as suas rotinas, interessando-se ainda pelos aspetos relacionados com a nutrição”, pesquisando sobre o assunto e aconselhando-se com pessoas da área.    

Dalila corrobora e acrescenta que “a evolução do David tem sido bombástica, tendo atingido um pico interessante num curto espaço de tempo”. A treinadora fala ainda de outros “jovens valores” do clube, já de seleção, destacando Maria Wilkinson, Alexandre Bernardo e Isabel, irmã de Maria. Apesar da pandemia, os responsáveis procuraram manter os atletas em alta, de modo a que as suas performances “não viessem por aí abaixo”, e, como se trata de elementos inseridos em projetos de desenvolvimento e o badminton é considerado um desporto de baixo risco, não há razões para alarme, inclusive porque, a partir de 5 de abril, “recomeçam os treinos para todos”.  

Jogos Olímpicos como pano de fundo 
A aposta da Che Lagoense, garante Dalila, vai ser a mesma dos últimos dez anos: levar um atleta aos Jogos Olímpicos, lutar por um destaque na Liga dos Campeões e obter o máximo de títulos nacionais em todos os escalões, da formação aos absolutos. É este, aliás, o foco habitual de um emblema que tem mantido uma certa hegemonia no badminton português, à custa de muito trabalho e dedicação. 
Falando de Jogos Olímpicos, e depois de Pedro Martins, porventura a figura de maior destaque do clube, por ter sido olímpico em duas ocasiões, agora é Bernardo Atilano que encabeça esse objetivo. “Sim, o Bernardo está na luta pelos pontos e pelo apuramento. Faltam dois meses para o conseguir e ainda no fim de semana passado participou num torneio na Polónia, precisamente para conquistar mais pontos”, explica a técnica, exprimindo o desejo de todos os lagoenses, em particular, e dos portugueses, em geral: “Desejo muito que o Bernardo obtenha os mínimos, assim como desejo e penso que o David terá todas as hipóteses de ser olímpico no próximo ciclo”. 

Carlos Silva, como irmão e igualmente responsável pelos seus treinos, traça os mesmos votos para o David. “Acredito que está a dar grandes passos. Vamos todos lutar por isso. Trabalho em casa? Ele sabe o que fazer”, sustenta, não se esquecendo de referir que outros jovens craques estão na calha para fazer o mesmo trajeto. 

Na mesma linha de ideias, a Federação Portuguesa aumentou a sua influência, não sendo por acaso que cinco portugueses (ver outra caixa) estejam no top 100 dos sub-19. “É uma prova de que as coisas estão a mudar, para melhor, como se atesta pelos êxitos alcançados. A paragem motivada pela pandemia contribuiu até para uma revisão da planificação, abrindo a competição aos sub-9, com novas regras, tais como a dimensão do campo e a altura da rede, que, para estas idades, passou a ser mais baixa, a exemplo do que preconiza a Federação Internacional”.

Ao mesmo tempo, os “atletas paralímpicos dispõem agora de mais estágios e competições”, adianta Dalila, treinadora com ‘canudo’ e auxiliada por quatro monitores que dentro de poucos dias completam também o curso, o que será uma autêntica mais-valia para a Che Lagoense e para a sua constante presença em muitos torneios.  

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