Filipe Abreu: um político portimonense esquecido

Texto: José Garrancho | Foto: D.R.


Os tempos passam, algumas pessoas desaparecem do dia a dia e acabam por sair do pensamento, até que, de repente, as encontramos e relembramos o seu percurso. Filipe Manuel da Silva Abreu é um destes exemplos. Nascido em Paços de Ferreira, chegou a Portimão em 1967, com 20 anos, a convite do administrador do Hotel Algarve, que estava a abrir, para trabalhar na receção desse empreendimento. Mais tarde, tirou um curso de pagador e tornou-se profissional de banca, no Casino de Portimão. Hoje, com 77 anos, encontra-se num lar de idosos, porque tem problemas de locomoção, causados por uma doença que o fragilizou fisicamente. Curiosamente, o referido lar encontra-se três portas abaixo do local onde, durante muitos anos, exerceu a sua atividade política na Concelhia do PSD.

O Filipe Abreu é mais um portimonense de coração, embora tenha nascido no norte de Portugal?
É verdade e é a cidade onde tenho vivido a maior parte da minha vida. Vim para cá com 20 anos, ainda o Hotel Algarve estava em construção, para ingressar nos seus quadros, a convite de um senhor suíço, o senhor Blomberg, que se hospedou no Hotel Turismo da Guarda, onde eu era rececionista. E apaixonei-me por Portimão, mal saí da estação, graças à simpatia e disponibilidade do taxista a quem perguntei se o centro da cidade era longe. Ofereceu-se para me dar boleia.

É conhecido sobretudo pelas suas intervenções políticas. Como aconteceu essa sua entrega ao PSD?
Era eu pequenito e o meu pai levava-me ao Centro Babilónia de Paços de Ferreira e falávamos em política, porque o meu avô paterno tinha sido deputado republicano eleito pela Ilha Terceira, ainda no tempo da monarquia. Quando se deu o 25 de Abril, entusiasmei-me, porque o meu pai era antissalazarista. Era um republicano dos antigos. Dos muitos livros que já tinha lido, houve um que me apaixonou, sobre a vida de Francisco Sá Carneiro. Não era de esquerda, nem de direita, e aderi a esse partido.

Aderiu desde o início do partido?
Posso dizer-lhe que fui um dos fundadores, em Portimão e a nível distrital. Na altura era o PPD e funcionava muito mal, porque não tinha aderentes e faltava-lhe estrutura. Inscrevi-me e tentei dar-lhe alguma organização. Nesse tempo, fazíamos de tudo, desde varrer a sede a sessões de esclarecimento em ambientes hostis. Foi aí que também entrou o Rogério Castelo e estivemos no PSD muito tempo, talvez tempo demasiado.

Porquê tempo demasiado?
Porque penso que os partidos têm de se renovar, de vez em quando, mas começaram a aparecer pessoas com grandes ambições pessoais. Quando me iniciei, era um partido novo, com pessoas novas, que mereciam a minha confiança: Sá Carneiro e Mota Pinto, mais tarde, e o Pinto Balsemão. Eram os homens do partido.

Teve uma relação muito próxima de Sá Carneiro, não teve?
Tive, porque um dia tocou o telefone e era a Conceição Monteiro, a sua secretária, a perguntar-me se podia ir a Lisboa, porque o doutor Sá Carneiro desejava falar comigo. Eu disse que sim, claro, porque já era filiado nessa altura e aí começou a haver uma relação boa entre nós. Ele era uma pessoa convicta e eu gosto dessas pessoas. Fui presidente da Concelhia durante bastante tempo, fui presidente da Distrital, fui candidato à Câmara Municipal de Portimão, vereador sem pelouros, membro da Assembleia Municipal. E fiz três mandatos como deputado pelo Algarve na Assembleia da República.

Foi, muitas vezes, criticado pelos seus pares como um homem muito ambicioso politicamente…
Mas não fui. Repare que, sempre que fui presidente da Concelhia, não me candidatei a presidente da Câmara, contrariamente ao que habitualmente acontecia e acontece. Nas famosas eleições autárquicas de 1985, fiz a melhor campanha política da minha vida, mas não fui o cabeça-de-lista. Retirámos a maioria ao PS, só não ganhámos a Junta de Freguesia da Mexilhoeira Grande e perdemos a Câmara apenas por 27 votos. Trabalhei arduamente durante quatro anos para que tal acontecesse e outro brilhasse.

Está a dizer-me que foi seu o trabalho que deu nome ao Carlos Martins e o lançou na política?
Exatamente. O que mostra que não me guiava a ambição desmedida de que me acusavam. Mas ele era trabalhador e inteligente, razão pela qual foi o escolhido para cabeça-de-lista. Isso ninguém lhe tira!

Então, porque o acusavam de ambicioso?
Porque sempre tive um estilo muito direto, considerado politicamente incorreto, enquanto muitos elementos da minha bancada tinham uma atitude subserviente para com a força política reinante. Sempre defendi os ideais que faziam parte do programa político que apresentávamos ao eleitorado. Fui criado assim, honrando e defendendo a palavra dada.

Mas considera-se um animal político?
Posso dizer que gosto da política e isso trouxe-me muita sabedoria. Entretanto, inscrevi-me na Universidade Clássica, em Lisboa, num curso para estudantes-trabalhadores, e vim a tirar uma licenciatura em Direito.

Fez três mandatos como deputado na Assembleia da República. E apresentou muitos projetos para o Algarve, não foi?
Exatamente. Nunca o Barlavento foi tão falado no Parlamento. A minha primeira intervenção foi em defesa do Plano Diretor de Aproveitamento e Valorização da Ria de Alvor, que estava muito assoreada. Entre outras intervenções, defendi a construção rápida da Via do Infante, que sofria um bloqueio socialista e, em 1992, após dois anos sem chuva, apelei à celeridade da construção da barragem do Odelouca.

E fez parte de várias comissões parlamentares?
É verdade. Pertenci às Comissões de Poder Local e Ambiente, Obras Públicas e Equipamento Social, Trabalho e Família. E ainda à Subcomissão de Proteção da Natureza e Ambiente.

Há grandes diferenças entre os políticos de hoje e os daquela época?
Se há! Éramos políticos por convicção, por ideais. Hoje, as pessoas vêm para a política por ‘tachismo’ e não há respeito.

E essa falta de respeito não existia, também, no passado?
Havia, mas não tanto. Contudo, vou contar-lhe um caso. Eu era sócio do Portimonense Sporting Clube, mas, quando me candidatei à Câmara, reparei que todos os carros do Clube estavam tapados com cartazes do Partido Socialista. Um dia, na Assembleia Municipal, declarei que me desfiliava do Portimonense, porque o senhor Manuel João não tinha o direito de utilizar as viaturas do Clube para promover o seu partido, uma vez que o Portimonense era de todos os associados e havia muita gente que não era da minha cor política, nem da dele. Por isso, não tinha o direito de utilizar bens do clube para fins políticos.

“Na Assembleia Municipal, tinha uma relação muito difícil com o presidente Martim Gracias. Discordava dele na parte urbanística e técnica. Entretanto, eu adoeci gravemente e estive hospitalizado em Lisboa. Um dia, estávamos a discutir não sei o quê e ele disse-me que as minhas ideias eram sequelas das meningites de que eu padecera, embora eu soubesse que ele tinha telefonado a saber de mim. Como homem era excelente pessoa, embora divergíssemos em termos políticos. Anos mais tarde, estava no bar do hospital e vi-o muito alquebrado, a atravessar o átrio. Não resisti a ir falar com ele e disse-lhe: “Ó Martim, o que é isso? Você ainda é muito novo. Ele, quando me viu, mostrou uma alegria inusitada”.

“Depois de me formar, havia um indivíduo na Assembleia Municipal que começou a tratar-me por doutor, tentando achincalhar-me. Mas eu disse-lhe: ‘Agradeço muito que me trate por senhor, porque senhores, há poucos; doutores, há muitos’. Houve gargalhada geral”.

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