Opinião: A nudez forte da verdade

Pedro Manuel Pereira | Historiador | in Portimão Jornal nº 35


Nuvens negras se adensam no horizonte próximo da vivência colectiva em Portugal. Desemprego, falta de habitação condigna, carências alimentares e de assistência hospitalar, médica e medicamentosa atempadas, continuam a atingir largas centenas de milhar de portugueses.

Vivemos a nível mundial uma fase de transição de paradigma civilizacional, marcada por uma revolução tecnológica em curso cujo saldo, estamos em crer, poderá vir a ser positivo no futuro, mas no entretanto e até então, muita água vai correr debaixo das pontes e muita gente vai ser espezinhada pelo caminho.

Passados quarenta e sete anos do término da ditadura, as fórmulas toscas e caceteiras de controlo e repressão do antigo regime deram lugar a outras de objectivos semelhantes. Estas, recorrendo a sofisticados meios tecnológicos e informáticos, têm vindo insidiosamente a instalar-se no nosso quotidiano, travestidas com a manta da conspurcada palavra “democracia”, que vem servindo para justificar todos os actos de prepotência e repressão por banda dos governos à temporada.

Sinais dos tempos que atravessamos, manifestam-se na insegurança de quem trabalha nas empresas privadas e/ou ao serviço do Estado. Contratos a prazo tornam precário o ganha-pão, sobretudo daqueles que não são da cor política das chefias. Compondo o cenário, refira-se que o actual código de trabalho é digno de um qualquer país não do terceiro mundo, mas dos cús de Judas.

Nos tempos presentes e dos que se avizinham, no mundo laboral só os mais dotados e tecnicamente capacitados, os superespecializados sobreviverão. A contrapartida será um exército de desempregados, legiões de desocupados, clientela fácil das manobras demagógicas de qualquer partido político, que em qualquer momento poderão tornar-se incontroláveis com consequências imprevisíveis.

Face a este cenário, incapazes de resolver o insolúvel, ou seja, criar postos de trabalho onde eles não existem, o poder terá a breve trecho como quebra-cabeças, gerir a crescente horda de desempregados.

A mais rica matéria-prima existe. É ela a massa cinzenta. Há que aproveitá-la, incentivar e dar oportunidade aos jovens que todos os anos em fornadas saem das universidades e unidades de ensino especializado, de criarem grupos de trabalho a fim de proporem eles mesmos, soluções alternativas face ao panorama laboral, ou seja, de criarem o seu próprio emprego. Há que lhes fornecer as ferramentas e não a obra acabada.
Entretanto, à laia de paliativo e tentando controlar uma situação que a breve trecho se poderá tornar explosiva, o governo trata de manter à rédea curta os grandes órgãos de comunicação social através de financiamentos descarados, fazendo deles “a voz do dono”.

No caso dos canais televisivos, que de entre todos os meios de informação são os que conseguem ter maior impacto (des)informativo, são aqueles onde o controlo do aparelho governativo se faz sentir de forma mais evidente, com os resultados escandalosos conhecidos manifestados a nível da censura (não oficial) com a (des)informação dos telejornais e dos seus intervalos sincronizada à hora e ao minuto entre todos os canais.

Salva-se por enquanto alguma rádio, não a oficial, é claro, que na sua maior parte constitui um espinho incómodo cravado nas mentes obscurantistas e tortuosas dos beatos controleiros de um certo tipo de valores bafientos e passadistas, nos quais se estribam a fim de propalarem a sua “ideologia” sem atentarem, porque lhes é incómodo, aos ventos de mudança que sopram de todos os quadrantes que fazem mover as novas gerações, as gerações do futuro (porque elas por si já são o futuro) que tanto os assusta, que cada vez mais se afastam da politiquice bacoca e dos partidos que não têm querido ou sabido dar resposta aos problemas dos jovens.
Na realidade, os partidos políticos normalmente e por sistema só dos jovens se lembram em vésperas de campanhas eleitorais, aliciando-os com falsas promessas.

Vive-se (revive-se) o espírito da denúncia, da sobrevivência e da subserviência porque a mentalidade pidesca não foi erradicada só porque houve um golpe de estado militar em 25 de Abril de 1974.

Não tenhamos ilusões, é que para ser pide não bastava ser funcionário de um aparelho repressivo. Ser pide era (e é) acima de tudo um estado de alma, uma filosofia de vida, um extremoso amor, diríamos antes, um amor militante à estupidez, à ignorância, à delação, à pulhice, à sacanagem, à traição, para além de qualquer credo político ou religioso.

Sob o aspecto económico, o quadro também não é o mais animador. Por detrás da insegurança no emprego podemos vislumbrar o capitalismo saloio nacional, retrógrado e caceteiro.

Entretanto, em Portugal, aparentemente a maioria do povo vive mansamente. Chegada a noite, entre uma garfada a jantar e um olho na televisão, o povo deleita-se com as peripécias do futebol, das aventuras e desventuras dos enredos das telenovelas, das cavalices de um banqueiro em fuga, dos dramas passionais com facadas e tiros, mais os negócios da “imigração” à martelada e os concursos televisivos acéfalos, entre outras miudezas. Depois, adormece tranquilamente, com a sensação de que o mundo se encontra rendido aos seus pés.

You may also like...

Deixe um comentário